INTRODUÇÃO
O frênulo lingual é uma pequena prega de membrana mucosa que conecta a língua ao assoalho da boca1-2. Recentemente, estudos referem que as variações anatômicas do frênulo da língua acontecem quando uma pequena porção de tecido embrionário, que deveria ter sofrido apoptose durante o desenvolvimento, permanece na face sublingual da língua, podendo ou não restringir seus movimentos3-4.
Quando esse tecido, presente entre a parte ventral da língua e o assoalho da boca, limita de forma total ou parcial os movimentos da língua, denominamos anquiloglossia5-10. Os índices de incidência da anquiloglossia variam de 2,8 a 10,7%10,11. Provavelmente essa grande variação ocorra pela inexistência de parâmetros comuns para avaliação e diagnóstico dessa alteração.
A embriogênese da anquiloglossia está sendo estudada por diferentes pesquisadores e ainda não há publicações conclusivas. Estudos em humanos concluíram que a anquiloglossia pode ser resultado de mutações do gene T-Box, com herança autossômica dominante e penetrância incompleta, mas há necessidade de mais pesquisa sobre esse assunto4,12-13.
Nas bases de dados pesquisadas não foi encontrado nenhum estudo que descrevesse as características histológicas do frênulo lingual em humanos; apenas em frênulos de cães14.
O conhecimento da histologia do frênulo contribuirá para diferenciar características de cada tipo de frênulo e prover informações sobre a presença de elasticidade e o processo de ruptura natural, citados na literatura15-16. O diagnóstico das variações do frênulo levará condutas mais assertivas em relação aos procedimentos terapêuticos a serem utilizados. Atualmente, quando a presença do frênulo limita os movimentos de língua, as condutas são diversas e dependentes do profissional que avalia. Para alguns, apenas a cirurgia é indicada, enquanto para outros são propostos exercícios, ou ainda sugere-se aguardar o crescimento, postergando a decisão de qualquer procedimento3,15-26.
Assim, o objetivo do presente estudo é descrever as características histológicas do frênulo lingual em humanos.

MÉTODOS
Participaram desse estudo 50 crianças, de ambos os gêneros, das creches municipais de uma cidade no interior de São Paulo. Os responsáveis foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo e os procedimentos que seriam utilizados e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Todas as crianças foram submetidas à avaliação fonoaudiológica, utilizando-se o protocolo proposto por Marchesan 201027. Dessas, apenas 8 crianças, sendo 7 do gênero masculino e 1 do gênero feminino, com idade entre 2 anos e 3 anos e 7 meses, idade média de 2 anos e 9 meses, foram diagnosticadas com alterações do frênulo lingual e limitações dos movimentos da língua. Utilizando a classificação proposta por Marchesan 201027, das 8 crianças, 4 apresentaram o frênulo com fixação anteriorizada, 1 frênulo curto, 1 frênulo curto com fixação anteriorizada e 2 com anquiloglossia.
Após o diagnóstico, as crianças foram encaminhadas para realizar a frenectomia lingual. A cirurgia foi realizada por um único médico otorrinolaringologista. O procedimento foi realizado sob anestesia geral endovenosa, com entubação orotraqueal. A língua foi exposta, utilizando-se abridor de boca Jennings infantil; em seguida elevou-se e protruiu-se a língua com pinça anatômica dentada. Os pontos de fixação do frênulo na língua e no assoalho da boca foram observados. Foram fixadas duas pinças Kelly retas, uma no plano médio da língua e outra próxima ao assoalho da boca, preservando inferiormente as saídas dos ductos das glândulas submandibulares e sublinguais. Realizou-se a secção e divulsionamento do frênulo com tesoura Metzenbaum, com ponta romba, no sentido anteroposterior, preservando os músculos e estruturas adjacentes. O material remanescente nas pinças Kelly foi enviado para análise histológica, em frascos contendo fixador (formol a 10%). Quando necessário, utilizou-se cautério bipolar para hemostasia. Não foram utilizados fios cirúrgicos para sutura.
Os fragmentos de tecido foram fixados por 24 horas em formol a 10% tamponado. Posteriormente, foram lavados em água corrente por igual tempo, objetivando a retirada do excesso de fixador. Em seguida o material foi desidratado em solução de alcoóis de concentração crescente com o objetivo de evitar a retração pronunciada do tecido o que poderia levar a lesões estruturais do tecido. Feito isto, as amostras foram submetidas a dois banhos de xilol, embebidas e incluídas em parafina. Cortes histológicos com espessura de 7µm foram obtidos em micrótomo e posteriormente corados pela técnica de Hematoxilina-Eosina (HE), para exame das características microscópicas gerais; pela técnica de Tricrômico de Masson, para confirmação se as fibras vistas na técnica anterior eram fibras colágenas ou musculares; e pela técnica de Picrosirius Red para análise do tipo de colágeno presente, utilizando-se microscópio de luz polarizada.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do CEFAC Saúde e Educação, sob o número 107/10.

RESULTADOS
A análise dos cortes histológicos apontou para diferentes constituições nos vários tipos de frênulos estudados. Em geral, os frênulos linguais analisados apresentaram-se constituídos por mucosa, revestidos por um epitélio estratificado pavimentoso cujas células da camada mais superficial mostraram-se nucleadas e com alguns grânulos de queratina no citoplasma. Essas características são comuns à mucosa de toda a cavidade oral. O frênulo anteriorizado e o do tipo curto e anteriorizado, apresentaram características histológicas semelhantes ao normal, ou seja, sem a presença de fascículos de fibras musculares. Por outro lado, os frênulos linguais classificados como curto e anquiloglossia diferiram em sua constituição, de modo particular em relação à presença de fibras musculares estriadas esqueléticas. Assim os frênulos de crianças com anquiloglossia apresentaram significativos feixes de fibras musculares dispersos na prega mucosa. Convém ressaltar que os frênulos curtos apresentaram, também, algumas fibras musculares, porém em menor concentração se comparados aos frênulos de crianças com anquiloglossia.
A distribuição dos diferentes tipos de colágeno foi semelhante em todos os diferentes tipos de frênulos avaliados. Além disso, foi possível identificar a predominância de dois tipos de fibras colágenas, as do tipo I e tipo III. As fibras do tipo I, ao microscópio de luz polarizada, apresentaram-se de coloração que variava do amarelo, passando pelo laranja ao vermelho brilhante. Essas fibras estavam presentes em maior concentração e sua distribuição foi mais intensa nas regiões mais profundas do frênulo lingual. Em relação às fibras colágenas do tipo III, sob microscópio de luz polarizada, foi possível sua observação na coloração verde brilhante e sua distribuição ocorre em plano mais superficial (junto ao epitélio de revestimento) e entre os fascículos de fibras musculares e vasos.

DISCUSSÃO
Em relação às características histológicas dos frênulos analisados, podemos afirmar que a constituição geral de todos eles obedeceu ao descrito pela literatura clássica encontrada para mucosa oral28.
Os frênulos de indivíduos com anquiloglossia apresentaram significativo número de fibras musculares estriadas esqueléticas. A presença dessas fibras, muito provavelmente, está relacionada ao entrelaçamento da membrana mucosa com as fibras oriundas do músculo genioglosso, resultando em limitação dos movimentos da língua. Clinicamente, nesses casos, as margens laterais da língua apresentaram maior mobilidade do que a parte anterior.
Na anquiloglossia, a maior frequência de fibras colágenas do tipo I, localizadas em plano mais profundo, também exerce papel importante na limitação da mobilidade da língua. Esse tipo de colágeno está mais presente em ligamentos e tendões29, portanto são fibras altamente resistentes à tração. Já o colágeno do tipo III, menos frequente, aparece em relação a estruturas mais delicadas, como vasos e nervos, separando e individualizando as mesmas. Assim, em frênulos de indivíduos com anquiloglossia, foi possível identificar alta frequência de colágeno do tipo I, que certamente conferem a essa prega mucosa maior resistência à tração, interferindo nas funções orofaciais. De acordo com a literatura, por ser a fala uma das funções que exige maior refinamento motor da língua, a alteração é mais observada30.
Em resumo, comparando-se todos os tipos de frênulos, fica evidente que a presença de grandes e numerosos fascículos de fibras musculares estriadas esqueléticas, com diferentes orientações, bem como de colágeno do tipo I, nos frênulos de indivíduos com anquiloglossia, sugere uma maior dificuldade na mobilidade de língua, sendo este um diferencial a ser considerado na indicação de frenectomia lingual.

CONCLUSÃO
A análise dos cortes histológicos evidenciou que os frênulos anteriorizados e do tipo curto e anteriorizado, apresentaram características semelhantes à mucosa oral normal. Por outro lado, no frênulo curto e na anquiloglossia foi observada a ocorrência de numerosos fascículos de fibras musculares estriadas esqueléticas. Na anquiloglossia, também foi observada maior frequência de fibras colágenas do tipo I, localizadas em plano mais profundo do frênulo.


Dados de publicação
Página(s) : p.2263
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