PESQUISA EM GAGUEIRA: ASPECTOS NEUROLÓGICOS
Luiz Celso Vilanova
Palestrante
Instituição: UNIFESP-EPM/ DERDIC
 
A gagueira ou disfluência é ainda nos dias atuais, motivo de muitas polêmicas. Quer do ponto de vista semiológico, distinguindo de outras alterações do ritmo da fala, quer do ponto de vista etiopatogênico. Como todo fenômeno biológico que é contínuo pode ser difícil delimitar e definir exatamente a disfluência normal da gagueira real pois todos nós em alguma situação tivemos algum grau de disfluência. Por isso não é suficiente analisarmos somente, em cada paciente, o aspecto quantitativo,mas também o esforço à fonação.Entretanto podemos conceituar a gagueira como um distúrbio caracterizado por distúrbio da fala, com interrupções por repetições, prolongamentos e bloqueios de sons e sílabas inevitáveis e que perdurem no mínimo por mais de 6 meses.Por outro lado é importante distinguir precocemente os pacientes com a denominada “gagueira do desenvolvimento” com a “disfluência” normal que pode surgir numa faixa etária entre 2 a 5 anos e faz parte da trajetória do desenvolvimento normal da fala de muitas crianças . De um modo didático podemos dividir os indivíduos que apresentam gagueira em 2 grandes subtipos: -Os que apresentam gagueira já nos primeiros anos de vida e que se torna bastante evidente após os 5 ou 6 anos de idade mas nem sempre os pacientes e suas famílias conseguem definir exatamente quando a gagueira se iniciou; -Os indivíduos que apresentavam uma fala normal até uma certa época da vida quando, então, após um evento que determina um quadro de lesão cerebral eles passam apresentar alterações do ritmo da fala caracterizado como gagueira. Se a gagueira tem natureza orgânica, se é um distúrbio neurológico, se é ocasionado sempre por uma disfunção cerebral tem sido motivo de inúmeros trabalhos que podemos encontrar na literatura científica da última década. Sem dúvida os aspectos emocionais e sociais são importantes na fenomenologia da gagueira, mas, provavelmente, não são determinantes do quadro. As bases neurofisiológicas que procuram explicar os mecanismos envolvidos na gagueira partem do pressuposto que os mecanismos neuronais envolvidos na fala de indivíduos normais e gagos estão lateralizadas no hemisfério cerebral esquerdo normalmente. Entretanto nos gagos estes centros serão mais suceptíveis de terem sua função modificada por outros centros e, portanto, estes centros nos gagos seriam mais frágeis. Esta labilidade ou instabilidade nos mecanismos de ativação destes centros nos gagos é que tornariam o indivíduo mais predisposto a desenvolver gagueira. É necessário procurarmos distinguir dois tipos de gagueiras- a do desenvolvimento e a adquirida ou pois isto tem importância do ponto de vista teórico da neurofisiologia e do ponto de vista prático pois isto envolve o próprio prognóstico e a possibilidade de eficácia do tratamento fonoaudiológico. Os mecanismos cerebrais envolvidos nestas 2 formas de gagueira, provavelmente são distintos segundo os trabalhos que utilizam exames neuro- imagem funcional, como a Ressonância Magnética funcional e a Tomografia Computadorizada pelo Pet. Em primeiro lugar, provavelmente na gagueira do desenvolvimento ocorreria uma falha no processo dinâmico da inter-relação entre os hemisférios cerebrais para os mecanismos envolvidos com a fala.A dominância hemisférica para a fala que na maioria das pessoas está localizada no hemisfério cerebral esquerdo, no indivíduo que apresenta gagueira, esta dominância não ocorreria de modo tão intenso possibilitando uma disputa entre os dois hemisférios cerebrais na execução da tarefa do falar. Entretanto não seria decorrente de uma área específica que sofreria esta disfunção e sim o balanço complexo envolvendo diversos centros e suas vias de associação nos dois hemisférios cerebrais. Por outro lado na gagueira adquirida teríamos um comprometimento, na maioria das vezes uma lesão, em centros moduladores da fala em especial os núcleos da base e o cerebelo. O modelo funcional para gagueira do desenvolvimento aponta geralmente para a área motora suplementar como um dos locais mais prováveis de disfunção.O lobo cerebral Frontal pode ser dividido em córtex Pré-Frontal (granular) e córtex Pré central(agranular).Este córtex agranular é subdividido em área motora primária (responsável pelo movimento do corpo quando estimulada eletricamente ) e córtex pré-central suplementar responsável por planejamento e organização do movimento. Esta região recebe impulsos do lóbulo Parietal superior, núcleos da base , área motora e cerebelo, além de muitas conexões inter hemisféricas e modulação do tronco cerebral.A sua organização é em formato de coluna e uma coluna ativada inibe as adjacentes e funciona de modo harmônico com a contra-lateral. Num trabalho muito interessante publicado na Revista Brain em outubro de 2000, Fox e Ingham e colaboradores fizeram a análise do PET –scan em indivíduos gagos e não gagos em tarefas como a leitura salmodiada, leitura oral de parágrafo de um determinado, leitura oral de um texto com áudio de um texto lido por um indivíduo fluente e finalmente em repouso. A conclusão dos autores é que os achados reforçam a teoria que em gagos a região motora da fala é no hemisfério não dominante e indicam uma inversão de dominância também em cerebelo (normal é cerebelo direito e nos gagos esquerdo). Além disso, observaram uma diminuição da atividade cerebral em áreas auditivas no lobo temporal esquerda na fase de disfluência. Num outro trabalho publicado em dezembro de 2004, Jancke,L;Hanggi,J;Steimmetz,H procuram analisar as diferenças morfológicas entre 10 adultos gagos e 10 não gagos através de Ressonância Magnética do crânio de alta resolução. Os autores concluíram que existe um volume maior de substância branca no hemisfério cerebral direito em indivíduos gagos especialmente fibras de associação em giro Temporal superior, giro Frontal inferior, giro Pré-central e o giro Frontal anterior .Entretanto estas alterações podem ser causa ou conseqüência da própria gagueira. Um outro foco das pesquisas em gagueira tem sido abordado em alguns trabalhos procurando correlacionar a gagueira com outros distúrbios motores como os tics e o Parkinson. Além destes aspectos existe o interesse em comparar os mecanismos cerebrais envolvidos na gagueira e outras disfunções do Sistema Extrapiramidal com alterações da fala como em distonias primárias, nas disfonias espamódicas, nas alterações da fala em pacientes com tics complexos como na Síndrome de Gilles de Tourrette. Apesar de todas as pesquisas, a compreensão de todos os fenômenos envolvidos na gagueira está ainda distante, necessitando transformar estes conhecimentos em caminhos reais para um aprimoramento na abordagem da terapêutica do paciente com gagueira.
 
Contato: l_vilanova@uol.com.br
 

Imprimir Palestra