ESTUDO DE CASO – TRANSTORNO FONOLÓGICO
Ana Teresa B. de O. e Britto
Comentador(a) de Caso
Instituição: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
 
Durante muitos anos a Fonoaudiologia considerou os desvios de fala como alterações periféricas e tratou dos mesmos, clinicamente, através de exercícios articulatórios, em que a imitação, a repetição e a produção fonêmica eram o foco da terapia. Porém, alguns desses problemas de fala não apresentavam características que pudessem ser relacionadas ou tratadas somente como alterações fonéticas. Nos últimos anos as pesquisas sobre desvios de fala levaram à grandes mudanças tanto nos testes diagnósticos quando na abordagem intervencionista. Embora os estudos sobre os desvios de fala discorram sobre a natureza da dificuldade de fala da criança, ainda há muitas questões a serem respondidas no que diz respeito às causas dessa desordem. Alguns estudiosos associam os desvios de fala a perda auditiva, a habilidade perceptual deficitária, a déficit na memória de trabalho fonológico. Nossa experiência clínica nos leva a crer que essa é uma desordem intimamente relacionada a padrões incorretos ou desorganizados de armazenamento (inputs) fonológico no cérebro, além da possibilidade de ocorrência de dificuldades na organização e, conseqüentemente, no uso (outputs) dos padrões existentes e na aplicação das regras fonológicas da língua. Em relação à classificação desses desvios, a literatura sugere várias possibilidades, que vão desde a distinção entre desvio fonético e desvio fonológico até a especificação dos diferentes desvios conforme o grau de severidade dos mesmos, até a categorização dos diferentes sintomas associados. A distinção entre desvio fonético e desvio fonológico é relevante, pois no processo terapêutico cada desvio requer condutas próprias. Lowe (1996) diz que a distinção entre os dois tipos de distúrbio, fonético e fonológico, é baseada na pergunta se essa mudança de som, presente na fala da criança, mantém ou neutraliza o contraste entre os sons: nos erros fonéticos a contrastividade do sistema de sons é mantida, enquanto que nos desvios fonológicos há neutralização do contraste entre os diferentes sons. A fala pode ser analisada à luz da teoria da Fonologia Natural, que utiliza os processos fonológicos como meio de descrição das mudanças que podem ocorrer na fala tanto durante sua aquisição, quanto nos desvios apresentados pelas crianças após o período de desenvolvimento da linguagem. Assim, pode-se dizer que os processos fonológicos fazem parte do desenvolvimento de fala das crianças, sendo naturais e inatos, porém devem ser considerados como desvio quando presentes em épocas mais tardias ou ainda quando tais “erros” se mostrarem diferentes do esperado na aquisição normal. Alguns processos, então, são encontrados no desenvolvimento fonológico normal e outros somente em casos de desvios de fala. Os processos fonológicos podem ser divididos em três tipos: processos de estrutura silábica, em que a estrutura da sílaba é modificada; processos de substituição, em que uma classe de som substitui outra; e ainda processos de assimilação, em que um som influencia a produção de outro na mesma palavra. Na clínica fonoaudiológica, a avaliação do desvio da fala é decisiva para a definição terapêutica, muito embora nem sempre seja possível apontar a etiologia do desvio. Na avaliação faz-se necessário uma coleta de dados precisa, sendo muito importante avaliar as possibilidades e limitações articulatórias da criança, identificar seu repertório fonético, analisar os processos fonológicos presentes em sua fala, verificar a compatibilidade da faixa etária e analisar as regras fonológicas ativas na fala do indivíduo em questão. O diagnóstico envolve uma bateria de testes de fala, avaliações auditivas, neurológicas e, muitas vezes a avaliação das habilidades cognitivas devendo-se ainda, levar em consideração fatores sócios ambientais que podem estar comprometendo a comunicação. Outro instrumento complementar e que auxilia no delineamento do conhecimento fonológico, diz respeito à consciência fonológica - habilidades de manipulação da sílaba e fonema, como síntese, rima, exclusão, transposição, aliteração, dentre outras. A análise do nível de consciência fonológica da criança fornece informações sobre seu conhecimento fonológico auxiliando no entendimento do quadro. Como se pode observar, a intervenção pressupõe um processo de avaliação bastante minucioso. Além da aplicação de um exame de fala, faz-se necessário obter uma amostra representativa de fala espontânea, amostra esta que reflita o uso cotidiano que a criança faz dos sons da fala. Essa amostra de fala deve ser gravada e filmada para possibilitar considerações posteriores. A vantagem dessa situação é a naturalidade com que a fala ocorre, permitindo que se tenha uma visão geral das habilidades e dificuldades de linguagem da criança, podendo-se inferir quanto aos aspectos da sintaxe, da morfologia, da semântica e da pragmática, importantes para o entendimento do uso comunicativo da criança. A intervenção se baseia nas necessidades individuais da criança, conforme a análise da sua fala. É sabido que as crianças não aprendem ou adquirem sons de forma isolada. Na intervenção é necessário lidar com os processos fonológicos que, muitas vezes, afetam uma classe inteira de sons da fala. Determinar os processos a serem trabalhados assim como a cronologia de apresentação dos mesmos é a parte inicial do processo terapêutico. O foco da intervenção deve ser o sistema de sons e não a produção dos mesmos: o enfoque articulatório ou de exercícios de produção de sons ativa indiretamente a programação neuromotora, mas não seu processo. Novas estratégias devem ser desenvolvidas a fim de se alcançar a organização interna do sistema fonológico da criança. A terapia fonológica deve ser sistematicamente planejada e baseada na análise no output da criança, o tratamento deve ser orientado no sentido de aumentar as possibilidades de contrastes em contextos comunicativos com significado e a ênfase do tratamento deve ser dada aos modelos de mudança de som e não ao ensino de sons individuais. Durante o processo terapêutico deve haver sempre o cuidado de selecionar corretamente os sons, na seqüência certa de apresentação para cada criança, dependendo de sua necessidade. O que se espera com isso é que haja um maior número de generalizações, isto é, uma ampliação da produção e uso correto dos sons estimulados em terapia para outros contextos não trabalhados. A intervenção tem três objetivos básicos: proporcionar possibilidade de usar o conhecimento metafonológico em atividades de fala, construir uma consciência comunicativa, de maneira que a criança reconheça a variação no significado que ocorre em seus outputs e promover o conhecimento fonológico da criança de forma a alterar ou reabilitar sua fala, conforme seja mais conveniente. Em nossa prática clínica procuramos usar uma abordagem mais natural já que acreditamos que a melhor condição para o desenvolvimento lingüístico é aquela em que a criança participa ativamente da comunicação, ou seja “aprender a falar, falando”.
 
Contato: fonoaud@pucminas.br
 

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