HIPERACUSIA E ZUMBIDO: ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR |
Keila A. B. Knobel
Coordenador(a) |
|
Existe uma forte relação entre zumbido e hiperacusia. Aproximadamente 66% dos pacientes com zumbido têm algum grau de intolerância a sons e, desses, 33% buscam tratamento específico para a hiperacusia. Ao mesmo tempo, 86% dos pacientes com hiperacusia têm zumbido (Jastreboff e Jastreboff, 2004). Os dois sintomas podem incomodar e afetar fortemente a qualidade de vida do paciente, podendo levá-lo a se isolar socialmente, a ter problemas de sono e concentração e a desenvolver ou agravar estados ansiosos e depressivos. Por isso, é muito provável que os dois sintomas tenham etiologias em comum e possam, em alguns casos, ser amenizados com o mesmo tratamento.
Estudos que avaliam os efeitos da privação e da estimulação auditiva sobre os circuitos inibitórios (Kapfer, 2002; Kandler, 2004; Rajan, 2002; Salvi et al, 2000; Vale et al, 2003) e sobre a percepção auditiva (Boéchat, 2004) têm evidenciado de forma irrefutável que o desenvolvimento e o funcionamento do sistema auditivo estão relacionados à quantidade e à qualidade da entrada auditiva (input). É clara a relação entre lesão coclear e geração de zumbido e intolerância a sons. De 78% a 90% dos pacientes com zumbido apresentam alteração nos limiares audiométricos e 53% dos pacientes em busca de tratamento para hiperacusia apresentam também algum grau de perda de audição (Jastreboff e Jastreboff, 2004), embora não haja diferenças entre os limiares audiométricos de pacientes com hiperacusia leve ou severa. (Dauman e Boucau-Faure, 2005).
É possível que a privação auditiva, ou seja, a diminuição da saída coclear (output) tenha uma relação direta com a geração ou com a exacerbação de um zumbido pré-existente. Essa relação parece estar relacionada às mudanças plásticas que ocorrem no sistema nervoso auditivo central (SNAC) após a lesão do órgão receptor, e não às conseqüências diretas da lesão coclear (Salvi, 2000).
Quando há uma lesão parcial da cóclea, regiões centrais que antes respondiam pelas regiões cocleares lesadas passam a ser ocupadas pelas entradas vindas de regiões preservadas da cóclea. Em outras palavras, os mapas tonotópicos de todo o SNAC pode ser alterado pela expansão da representação de freqüências cujo limiar de percepção é normal ou melhor (Willot, 1996; Rajan, 2001).
Outro efeito sofrido no SNAC após uma lesão coclear é o desmascaramento, ou seja, manifestação, de inputs excitatórios que antes eram inibidos (Rajan, 2001). Nesse caso, mesmo uma pequena lesão, permanente ou temporária no órgão receptor, ou uma condição que simule uma perda auditiva, podem levar à perda de inibição imediata ao redor de uma única célula do SNAC. Em outras palavras, pode chegar ao córtex auditivo uma mensagem elétrica que antes não era recebida e que não tem correspondente externo (zumbido) ou a entrada auditiva pode ter uma ganho anormal (hiperacusia).
Já o incômodo com o zumbido, presente em apenas um terço dos pacientes, está relacionado à ativação desnecessária do sistema límbico e do sistema nervoso autônomo devido a associações emocionais negativas em relação à percepção do zumbido (Jastreboff, 1990). Quando não há associações negativas o zumbido o SNC se habitua automaticamente com o zumbido, que passa a ser percebido apenas em situações muito silenciosas e, ainda assim, não provocam incômodo.
Tendo em mente que o zumbido e a hiperacusia são sintomas desencadeados por uma ou mais doenças capazes de gerar mudanças eletroquímicas e morfológicas no SNAC e em suas conexões com o sistema límbico e com o sistema nervoso autônomo, é muito importante que a(s) doença(s) de base seja(m) identificada(s) e tratada(s). Desse modo pode-se, em vários casos, controlar a evolução da doença, melhorar ou abolir os sintomas ou, ao menos, prevenir a piora dos mesmos. A investigação conjunta de otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas, dentistas e de outras especialidades médicas aumentam as chances de que o indivíduo com zumbido e/ou hiperacusia receba o tratamento adequado ao seu caso e possa restabelecer seu contato com o mundo sonoro.
Referências Bibliográficas
Boéchat EM. Plasticidade do sistema auditivo quanto à sensibilidade auditiva para tons puros e respostas para a fala na deficiência auditiva neurossensorial. São Paulo, 2003,175p. (Tese de Doutorado - Faculdade de Medicina da USP).
Dauman R, Bouscau-Faure, F. Assessment and amelioration of hyperacusis in tinnitus patients. Acta Oto-Laryngologica; 125: 503-509, 2005.
Jastreboff PJ. Phantom auditory perception (tinnitus): mechanisms of generation and perception. Neurosci Res 1990; 8:221-254.
Jastreboff, P.; Jastreboff, M.M. Decreased Sound Tolerance. In: SNOW, J. Tinnitus: Theory and Management. Hamilton: BC Decker, 2004. p. 8-15.
Kandler K. Activity-dependent organization of inhibitory circuits: lessons from the auditory system. Curr Opin Neurobiol 14: 96-104, 2004.
Kapfer C, Seidl AH, Schweizer H, Grothe B. Experience-dependent refinement of inhibitory inputs to auditory coincidence-detector neurons. Nat Neurosci, 5:247-253, 2002.
Rajan R. Plasticity and inhibition in the receptive field of primary auditory cortical neurons after limited receptor organ damage. Cerebral Cortex. 11:171-182, 2001.
Salvi RJ, Wang J, Ding D. Auditory plasticity and hyperactivity following cochlear damage. Hear Research, 147: 261-274, 2000.
Vale C, Schoorlemmer J, Sanes DH. Deafness disrupts chloride transporter function and inhibitory synaptic transmission. J Neurosci, 23:7516-7524, 2003.
Willot JF. Physiological plasticity in the auditory system and its possible relevance to hearing aid use, deprivation and acclimatization. Ear Hear, 17:66-77, 1996.
|
|
Contato: keila@gabengenharia.com.br |
|

Imprimir Palestra |
|