Código: PTL0889
AVALIAÇÃO DA LEITURA EM ESCOLARES COM INDICAÇÃO DE DIFICULDADE DE LEITURA E ESCRITA
 
Autores: Cristina Silveira Ramos, Clara Regina Brandão de Avila
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
 
As pesquisas sobre a dislexia são cada vez mais numerosas. Em contrapartida, outras dificuldades de leitura, embora mais freqüentes, são pouco estudadas, devido ao fato de serem muito heterogêneas e mais difíceis de analisar (Gombert, 2003). E, por isso, tudo se passa como se os maus leitores fossem disléxicos ou resistentes à aprendizagem, por questões sociais e/ou motivacionais. Não raramente, os professores se deparam com vários alunos que mostram dificuldades na leitura, cujas manifestações expressam-se na compreensão das palavras, frases e textos lidos e, não, por distorções no tratamento do material alfabético. É preciso, identificar quais processos envolvidos na leitura estão comprometidos, com a finalidade de caracterizar as alterações e os denominadores comuns a todos os casos. É necessário, também, caracterizar o estudante indicado pelo professor como mau leitor ou como portador de dificuldades do aprendizado. Na clínica fonoaudiológica, os protocolos, criados para avaliar o desempenho de crianças com dificuldades, são ainda incipientes, e avaliam superficialmente a leitura dos escolares que mostram dificuldades e alterações do aprendizado. Analisar e classificar os erros apresentados na leitura é de grande importância para a determinação dos processos que estão falhando durante o ato de ler. Mas, tais procedimentos ainda são pouco utilizados.
Sendo assim, um dos objetivos deste estudo foi caracterizar o desempenho de um grupo de escolares com indicação de dificuldade de leitura e escrita, em tarefas de leitura, segundo as variáveis: grau de escolaridade, tipo de item lingüístico, tempo empregado na leitura, número, e tipo de erros, capacidade de compreensão e identificação do nome e som das letras do alfabeto. Teve como objetivo, também, verificar a aplicabilidade de um protocolo de avaliação de leitura na diferenciação de grupos de crianças com e sem indicação de dificuldades de leitura, principalmente, quanto ao tipo de erro apresentado ao ler.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob nº 1324/04 e pelos responsáveis após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Avaliamos o desempenho de leitura de 110 escolares da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental, de escola da rede particular de ensino. Foram separados em dois Grupos (GI – com indicação de dificuldade; GII – sem indicação de dificuldade), e avaliados em tarefas de leitura de palavras isoladas, de pseudopalavras isoladas, de texto e de conhecimento do alfabeto (nome e sons das letras). Para estudar o desempenho dos escolares nas tarefas de leitura de palavras e pseudopalavras, selecionamos e elaboramos o material lingüístico e desenvolvemos um software para a apreciação do tempo empregado na leitura de itens isolados. O material lingüístico elaborado para utilização na “Tarefa de leitura de palavras” foi composto por palavras dissilábicas e trissilábicas, de freqüência e familiaridade variadas, selecionadas com base nas regras de decodificação do Português Brasileiro (Scliar-Cabral, 2001): bota, carro, laço, ganso, cena, povo, alguém, gente, bife, sagüi, depôs, xale, jaula, apito, assistir, crescer, coelho, comida, salame, exagero, mesada, esgoto, gemada, exceto, cenoura, próximo, lâmpada, oxítona, ênfase, absoluto. Para a “Tarefa de leitura de pseudopalavras”, elaboramos uma lista de trinta pseudopalavras, de extensão variável, também com base nas regras de decodificação do Português Brasileiro (Scliar-Cabral, 2001): merra, chafo, dancha, taçã, fônus, xolher, caupa, fescer, gresco, galé, solota, geleza, esbada, pelaço, contaso, absimpo, massafem, besego, vacoura, cambujão, dau, gelhe, fuvo, morja, nirra, savocá, cinhela, jaino, sefédu, contaso. Os itens lingüísticos foram armazenados no software e foram apresentados, um a um, no centro da tela do monitor de vídeo do Microcomputador portátil, em fonte Arial, tamanho 20, cor preta, em negrito e na forma minúscula. Para a “Tarefa de leitura de texto”, selecionamos três textos do “Exame de Linguagem TIPITI” (Braz e Pellicciotti, 1988). Utilizamos o texto “Assim não vale” (número total de palavras = 65) para a 1ª série; o texto “Nada se perde” (número total de palavras = 113 palavras) para a 2ª e a 3ª séries; e o texto “O truque” (número total de palavras = 157) para a 4ª série, digitados em fonte Arial, tamanho 16, cor preta, com espaço duplo e foram impressos em folhas sulfite A4, que foram plastificadas. Para a tarefa de conhecimento do alfabeto, utilizamos cartões de 5cm por 6cm. Em cada cartão, uma letra do alfabeto da Língua Portuguesa estava impressa na forma maiúscula, em fonte Arial, tamanho 100, na cor preta em negrito. Critérios para a análise: Para identificar o tipo e o número de erros na tarefa de leitura de palavras, classificamo-nos, de acordo com as seguintes categorias, adaptadas de Goulandris (2004): a. visualmente similares, quando houve identificação da palavra apresentada como se fosse outra que se assemelha ortograficamente a ela; b. regularizações, quando as palavras irregulares – valores da letra “x” dependentes exclusivamente do léxico ortográfico (Scliar-Cabral, 2001) – foram lidas como se fossem regulares; c. tentativas de sons mal sucedidas, quando houve desrespeito à regra de correspondência grafo-fonêmica independente do contexto (Scliar-Cabral, 2001) ou omissões, inversões, substituições, inserções e mudança de vogais durante a leitura de palavras, que ocasionaram a leitura incorreta da palavra; d. falha de aplicação de regras ortográficas, quando o erro de leitura foi ocasionado por falha no uso das regras de correspondência dependente do contexto grafêmico e da metalinguagem e/ou contexto morfossintático e semântico (Scliar-Cabral, 2001); e. recusas, quando a criança recusou-se a ler a palavra apresentada. Para identificar o tipo e o número de erros na tarefa de leitura de pseudopalavras, classificamos os erros de acordo com as seguintes categorias, também, adaptadas de Goulandris (2004): a. lexicalização, quando a pseudopalavra apresentada foi lida como uma palavra; b. tentativas de sons mal sucedidas, quando houve desrespeito à regra de correspondência grafo-fonêmica independente do contexto (Scliar-Cabral, 2001) ou omissões, inversões, substituições, inserções e mudança de vogais durante a leitura de palavras, que ocasionaram a leitura incorreta da pseudopalavra; c. falha de aplicação de regras ortográficas, quando a criança não foi capaz de aplicar regras de correspondência dependente do contexto grafêmico e da metalinguagem e/ou contexto morfossintático e semântico (Scliar-Cabral, 2001) para ler pseudopalavras. Para a análise da leitura do texto, computamos os erros, medimos o tempo empregado na leitura e calculamos a velocidade de leitura, expressa em palavras por minuto. Para análise dos dados da tarefa de conhecimento do alfabeto (nomeação das letras e identificação dos sons), analisamos as respostas e calculamos a porcentagem de acerto. Pela diferença do desempenho entre os Grupos avaliamos a aplicabilidade do protocolo de avaliação. Os dados foram submetidos à análise estatística que utilizou o teste ANOVA, com nível de significância 0,05.
Os resultados mostraram que, apesar de também ter apresentado melhoras com a progressão das séries, o GI empregou mais tempo na leitura das palavras, das pseudopalavras e do texto, e apresentou maior número de erros de leitura em todas as tarefas, sendo estas diferenças estatisticamente significantes. Nas tarefas de leitura de palavras e pseudopalavras isoladas, os tipos de erro mais freqüentemente apresentados pelo GI foram “falha na aplicação de regras ortográficas” (na leitura de palavras) e “tentativas de som mal sucedidas” e “falha na aplicação de regras ortográficas” (na leitura de pseudopalavras). Na prova de compreensão de leitura de texto, o GI também apresentou menores porcentagens de acerto, sendo esta diferença estatisticamente significante. O mesmo foi observado na prova de identificação do som das letras.
Com base na análise dos resultados que obtivemos ao caracterizar o desempenho de um Grupo de escolares com indicação de dificuldade de leitura e escrita, em tarefas de leitura, pudemos concluir que o GI: apresentou desempenho inferior ao do Grupo de comparação (GII) em todas as tarefas de avaliação de leitura e apresentou melhora do desempenho nas tarefas de leitura, com a progressão das séries; empregou maior tempo na leitura e apresentou maior número de erros, de todos os tipos; mostrou pior compreensão de texto; e identificou o som de menor número de letras do alfabeto. O protocolo de avaliação proposto identificou e caracterizou o GI, em todas as tarefas propostas; e a classificação do tipo de erro proposta pôde diferenciar os dois Grupos, principalmente quanto ao tipo de erro “tentativas de som mal sucedidas”.
 
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