A TERAPIA NOS TRANSTORNOS FONOLÓGICOS: A CONTINUIDADE PESQUISA-CLÍNICA |
Luciana Oliveira Pagan
Palestrante |
Instituição: DEPARTAMENTO DE FISIOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA E TERAPIA OCUPACIONAL DA USP-SP |
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Durante muitos anos os problemas na produção dos sons da fala foram caracterizados como distúrbio articulatório, mas, ao longo dos últimos anos, passaram a ser classificados como transtorno fonológico. A distinção entre esses dois tipos de erro é baseada na manutenção ou no contraste de um determinado som (Lowe, 1994). Assim, convencionou-se chamar de distúrbio articulatório as dificuldades referentes à produção motora ou uma inabilidade em produzir certos sons. Já os erros decorrentes de um transtorno fonológico provocam uma alteração ou neutralização dessa contrastividade, ou seja, há mudança no significado da palavra alvo.
O primeiro componente essencial para o processo terapêutico, independentemente do tipo de transtorno apresentado, é a caracterização do problema por meio de uma avaliação criteriosa. No caso do transtorno fonológico, é extremamente importante que o terapeuta caracterize formalmente seu sistema de som, pois, só a partir disso é que poderá selecionar os objetivos apropriados ao tratamento.
No Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a avaliação fonológica é determinada a partir de testes específicos de fala e testes que visam avaliar o desenvolvimento da criança em relação a outras habilidades necessárias ao seu desempenho escolar e pessoal. A amostra de fala é obtida através um roteiro de anamnese, da Fala Espontânea e das provas do Teste de Fonologia do ABFW (Wertzner, 2000). Além disso, são aplicadas as outras provas do Teste de Linguagem Infantil ABFW (Andrade, 2000), Consciência Fonológica, Discriminação Auditiva, TSF Auditivo e Visual (Herrero, 2001), Nomeação Rápida (Rosal, 2001) e Avaliação do Sistema Sensório Motor Oral. A partir dos seis anos de idade, também são aplicadas as provas de Leitura e Escrita, CTOPP e LAC (Rosal, 2001).
Com o resultado da avaliação em mãos e a partir do traçado do perfil fonológico da criança, inicia-se a seleção dos processos fonológicos a serem trabalhados, a ordem em que serão apresentados e, o mais importante, a escolha do melhor programa de terapia para o caso.
Não há como estabelecer uma ordem fixa e constante para todos os indivíduos na seleção dos processos fonológicos que serão trabalhados durante o tratamento. Alguns autores sugerem que sejam escolhidos os processos mais ocorrentes, normalmente acima de 20% de ocorrência (McReynolds e Elbert, 1981), outros utilizam como critério a idade padrão de aquisição e, outros ainda, selecionam os processos que provocam maior ininteligibilidade de fala (Hodson e Paden, 1991). Esse último critério é utilizado com maior freqüência, já que crianças com transtorno fonológico sofrem com as conseqüências sociais de não se fazerem entender diante do ouvinte.
Em seguida, é iniciada a seleção do som alvo que pode ser feita de diferentes maneiras. Segundo Edwards (1983) este som deve ser aquele que faça parte do repertório fonético da criança, que poderia melhorar sua inteligibilidade, que ocorra com maior freqüência e que seja relativamente de fácil produção. Entretanto, segundo Elbert e Gierut (1986), o som selecionado deve ser o menos conhecido pela criança, pois permite que ela selecione as dimensões que julgar mais relevantes dentro do seu processo de aprendizagem.
Antes de falar sobre a escolha do programa mais adequado de terapia para as crianças com transtorno fonológico é essencial enfatizar o papel do clínico e o papel da criança durante o período da intervenção.
Independentemente do programa terapêutico escolhido, o clínico deve sempre ter em mente que a aquisição fonológica é um processo gradual e, por mais que essa criança esteja atrasada em seu desenvolvimento de fala e/ou linguagem, este processo ainda será gradual. A criança, por sua vez, possui um papel ativo em seu desenvolvimento e, por isso, o clínico deve proporcionar atividades que permitam o aprendizado do som de maneira correta e consistente sempre pensando na generalização dos sons trabalhados para outros que não o foram.
Uma das principais tarefas da criança é aprender a produzir o som de maneira correta e consistente. Seu papel pode ser resumido em uma seqüência de três etapas. Na primeira, denominada Aquisição, a criança deve aprender a combinar uma série de movimentos motores para a produção do som. Após aprender os aspectos fonéticos envolvidos na produção dos sons da fala, entra a segunda etapa denominada Conceitualização em que a criança deverá compreender que os sons são usados contrastivamente na língua e servem para mostrar significados diferentes. A etapa final é a Generalização que permite que a criança use os sons que está aprendendo, embora ainda de modo limitado, em diferentes situações comunicativas, para a fala espontânea, e, principalmente, fora do espaço terapêutico, além de verificar-se quais sons a criança foi capaz de adquirir mesmo sem que estes tenham sido trabalhados de forma direcionada nas sessões terapêuticas.
Dentre as abordagens terapêuticas freqüentemente descritas na literatura, quatro tipos são os mais discutidos quando se trata da efetividade do tratamento de crianças com transtorno fonológico.
A primeira é a Abordagem Tradicional (Winitz, 1969, Peña-Brooks, 2000) onde o clínico seleciona os sons a serem trabalhados baseando-se na ordem normal de aquisição dos fonemas. Os sons são instalados um a um por meio de exercícios de repetição dentro de um determinado contexto e do auxílio de pistas visuais, auditivas e proprioceptivas.
O conceito da Abordagem de Ciclos (Hodson e Paden, 1991) foi idealizado para potencializar as habilidades normais que as crianças têm de generalizar considerando que a aquisição fonológica é gradual. A seleção do som alvo é baseada na porcentagem de ocorrência (pelo menos 40% de ocorrência durante a avaliação). O ciclo é o período de tempo necessário para que a criança seja trabalhada dentro dos padrões que apresenta dificuldade (normalmente de duas a seis horas de atendimento). Dentro de cada ciclo o processo selecionado deve ser trabalhado a cada duas sessões, sendo esse, na maior parte das vezes, um par de palavras contrastivo. A reavaliação é feita por meio de uma prova de imitação ao final de cada ciclo. Esta abordagem também utiliza o bombardeamento auditivo e a estimulação auditiva amplificada.
A Abordagem dos Pares Mínimos com Oposição Mínima (Fey, 1992; Peña-Brooks 2000), assim como a Oposição Máxima (Gierut, 1986), têm como objetivo primordial a redução de homônimos através de pares de sons que ilustrem a oposição distintiva. As principais diferenças entre as duas é que a primeira utiliza o menor número de oposições e compara um som produzido de maneira incorreta com outro som que a criança não possua em seu sistema fonológico. A oposição máxima utiliza o maior número possível de oposições e compara um som produzido de maneira incorreta com outro que a criança possua em seu sistema fonológico. Para muitos autores, a oposição máxima é indicada quando a criança possui um sistema fonológico bastante comprometido já que esta abordagem permite que a criança selecione as dimensões mais relevantes de itens do tratamento e transferindo-os para novas situações de seu cotidiano, o que resulta numa ampla generalização.
A partir dos principais pontos destas diferentes abordagens, o LIF de Fonologia da USP desenvolveu um programa terapêutico procurando agrupar as vantagens de cada uma delas, buscando sempre adequá-lo às necessidades individuais de cada criança e à agilidade no tempo de tratamento.
O programa desenvolvido possui cinco fases de cinco sessões cada. Ao final de cada fase há uma reavaliação em que a criança deve repetir 10 palavras com o som alvo trabalhado. Nas duas primeiras sessões de cada fase devem ser trabalhados a estimulação auditiva do som alvo (inclusive a discriminação auditiva), o reforço articulatório e atividades com pares de palavras com oposição mínima ou máxima (previamente selecionado). Nas duas sessões seguintes trabalha-se somente a estimulação auditiva do som alvo (inclusive a discriminação auditiva) e as atividades com os pares de palavras. Na quinta sessão são feitos atividades com os pares de palavras e a testagem do processo. O critério estabelecido para mudança de fase é de 75% de acerto na testagem. Caso este índice não seja obtido deve-se repetir novamente a fase trabalhada.
Pressupondo-se um índice de acerto superior a 75% de acertos, passasse-se à Fase 2 onde será trabalhado um outro processo fonológico (processo 2) com seus respectivos pares de palavras selecionados sem, no entanto, esquecer de realizar uma atividade com os pares trabalhados do primeiro processo, ou seja, os pares trabalhados na Fase 1. As sessões devem ser trabalhadas da mesma forma apresentada anteriormente e assim, sucessivamente.
Nas Fases 3 e 4 a ordem de aplicação dos processos e dos pares deve ser a mesma dentro de cada sessão, entretanto, na Fase 4 devem ser também trabalhados os aspectos relacionados à rima e aliteração de palavras, assim como atividades de linguagem mais direcionadas à fala espontânea. Para iniciar a Fase 4 é preciso que o sujeito tenha obtido 80% de acertos na testagem dos três processos ao final da Fase 3. Caso isso não ocorra, a Fase 3 deve ser repetida. Na quinta e última fase todos os processos devem ser retomados e trabalhados especificamente dentro do contexto em que apresentarem maior dificuldade e, ao final, reavaliados. Esta fase deverá ser repetida caso não haja 80% de acertos.
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Contato: lopagan@ig.com.br |
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