Introdução
O processo de aperfeiçoamento vocal, assim como o tratamento fonoaudiológico
das disfonias visa não somente oferecer uma melhor voz, mas também
melhorar a comunicação do indivíduo, a fim de contemplar as diferentes
demandas pessoais, sociais ou profissionais (1).
Com a evolução do conhecimento científico, classificações das principais
abordagens empregadas na terapia de voz foram sendo propostas e
modificadas(1,2). Para tanto, são necessários estudos com o intuito
de verificar os efeitos das diversas técnicas propostas, realizados
tanto com indivíduos normais como portadores de disfonia. Os resultados
obtidos a partir destas pesquisas são essenciais para fundamentar
a prática clínica baseada em evidências científicas.
A técnica de firmeza glótica foi desenvolvida por Behlau (1994)
(1,2,3) e faz parte do método de competência fonatória, cujo objetivo
principal é conseguir uma melhor coaptação das estruturas laríngeas
à fonação. A técnica de firmeza glótica atua por meio de manipulação
do trato vocal, que é semi-obstruído com a mão e produz, desta forma,
uma impedância retroflexa que favorece um novo equilíbrio muscular.
Esta técnica também é considerada útil na reabilitação pós-operatória
de lesões benignas laríngeas, particularmente quando há fenda glótica
residual ou área de menor vibração de mucosa, como nódulos, pólipo
e edema de Reinke, atuando positivamente também nas situações em
que há o envolvimento indesejado das estruturas supraglóticas.
Objetivo
Considerando-se a importância de se obter dados para uma prática
clínica nas disfonias baseada em evidências científicas, o objetivo
do presente trabalho foi verificar os efeitos da técnica de firmeza
glótica em indivíduos sem queixa vocal, com voz normal e sem lesão
de massa nas pregas vocais (grupo controle - GC) e em indivíduos
com queixa vocal, voz alterada e presença de lesão benigna nas pregas
vocais (grupo experimental - GE).
Método
Todos os indivíduos desta pesquisa foram informados sobre a sua
realização, os procedimentos envolvidos e assinaram, voluntariamente,
o termo de consentimento livre e esclarecido pertencente ao projeto
de pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIFESP.
Participaram deste estudo 49 indivíduos, de ambos os sexos, com
faixa etária delimitada entre 18 e 55 anos, que foram divididos
em dois grupos: grupo controle (GC), composto por 24 sujeitos (12
homens sem lesão (HSL) e 12 mulheres sem lesão (MSL) e grupo experimental
(GE) com 25 sujeitos (11 homens com lesão (HCL) e 14 mulheres com
lesão (MCL). Foi realizada avaliação em três dimensões, que consistiu
na análise perceptivo-auditiva da voz (escala GRBAS), acústica de
parâmetros selecionados (programa Vox Metria, versão 1.1) e perceptivo-visual
das imagens de laringe (análise nasoendoscópica) pré e pós a realização
de um minuto do procedimento usual da técnica de firmeza glótica.
Para isso, os sujeitos foram orientados a realizar o exercício,
com a oclusão quase total da boca com a palma da mão sobre os lábios
e produzir, sem esforço, uma emissão indiferenciada (semelhante
à produção grave de “u” ou “v”), mantendo a língua relaxada e em
posição baixa na boca, sem inflar as bochechas, por um minuto. As
amostras de fala e as imagens visuais da configuração laríngea foram
analisadas separadamente, em ordem casual, por três fonoaudiólogas
especialistas em voz; e para verificar a concordância e a confiabilidade
dos julgamentos intra e intersujeitos foram repetidas as avaliações
de 10% das amostras. A confiabilidade média mostrou nível de excelência,
com cerca de 95% de equivalência nos julgamentos. Os resultados
foram submetidos a tratamento estatístico para comparação entre
os grupos (com e sem lesão laríngea), entre os gêneros (feminino
e masculino) e pré e pós-aplicação da técnica de firmeza glótica.
Resultados
Tabela 1 – Média dos parâmetros da análise perceptivo-auditiva (protocolo
GRBAS – valor absoluto), da análise acústica (Fo Moda,
Fo Média, Fo mínima e máxima em Hertz, Shimmer
em porcentagem, GNE, em dB e TMF, em segundos) e dos parâmetros
da análise perceptivo-visual das imagens da laringe (presença e
ausência de constrição do vestíbulo laríngeo e fendas glóticas –
valor absoluto), pré e pós-aplicação da técnica de firmeza glótica.
|
HCL Média |
MCL Média |
HSL Média |
MSL Média |
Parâmetros |
Pré |
Pós |
Pré |
Pós |
Pré |
Pós |
Pré |
Pós |
Grau Global |
1,94 |
1,75 |
1,60 |
1,35 |
1,10 |
0,99 |
1,02 |
0,61 |
Rugosidade |
1,86 |
0,78 |
0,85 |
0,69 |
0,84 |
0,82 |
0,57 |
0,83 |
Soprosidade |
1,33 |
0,89 |
4,66 |
0,67 |
0,89 |
0,87 |
0,94 |
0,78 |
Astenia |
0,13 |
0,45 |
0,17 |
0,61 |
0,12 |
0,41 |
0,15 |
0,56 |
Tensão |
0,39 |
0,67 |
0,23 |
0,33 |
0,36 |
0,41 |
0,46 |
0,44 |
Fo Moda |
135,50 |
139,12 |
221,06 |
217,32 |
131,13 |
134,79 |
207,14 |
202,13 |
Fo Média |
134,03 |
137,00 |
220,70 |
216,45 |
130,58 |
140,56 |
207,13 |
202,16 |
Fo Mínima |
112,02 |
119,80 |
204,29 |
197,70 |
121,72 |
126,31 |
197,29 |
193,39 |
Fo Máxima |
149,80 |
153,11 |
249,30 |
247,50 |
141,86 |
155,30 |
222,2 |
222,36 |
TMF |
12,22 |
14,58 |
10,48 |
12,42 |
15,04 |
16,76 |
10,74 |
11,88 |
Shimmer |
5,80 |
6,42 |
3,56 |
3,24 |
4,04 |
4,09 |
3,03 |
2,58 |
GNE |
0,67 |
0,71 |
0,67 |
0,69 |
0,78 |
0,79 |
0,85 |
0,89 |
Sem constr. vest. |
2,00 |
2,00 |
6,00 |
8,33 |
2,33 |
4,00 |
5,67 |
6,67 |
Com constr. vest. |
10,00 |
10,00 |
9,00 |
6,33 |
11,67 |
10,00 |
7,34 |
6,33 |
Sem fendas glóticas |
2,33 |
3,00 |
0,67 |
3,67 |
8,00 |
8,33 |
3,00 |
3,00 |
Com fendas glóticas |
9,67 |
9,00 |
14,33 |
11,33 |
6,00 |
5,67 |
10,00 |
10,00 |
Discussão
Muitos pesquisadores, especialmente a partir do século XX, vem estudando
a laringe e o efeito dos diversos exercícios, técnicas e métodos
propostos para compreender o impacto da reabilitação vocal (4, 5,
6, 7, 8, 9, 10).
A técnica de firmeza glótica parece produzir um impacto clínico
bastante evidente, contudo, faltava uma avaliação científica de
seu impacto. A opção pela realização de uma análise múltipla, auditiva,
acústica e visual, reflete a necessidade de se compreender os diferentes
efeitos dessa técnica e comparar os resultados pré e pós-execução,
para indivíduos sem queixa vocal e com disfonia.
A partir dos resultados, foi possível constatar uma série de modificações
nas três dimensões de análise avaliadas. Na análise perceptivo-auditiva
houve redução nos desvios dos parâmetros, para todos os grupos,
sendo que a soprosidade, no grupo de mulheres com lesão, apresentou
a modificação mais evidente. Isso nos permite concluir que a técnica
de firmeza glótica favoreceu uma produção de voz mais adaptada,
por meio de modificação dos ajustes da laringe para a produção vocal,
melhorando a impressão auditiva da voz (11). Quanto à análise acústica,
houve uma tendência à redução dos valores da freqüência fundamental
(F0) para o grupo das mulheres e, uma tendência de aumento para
o grupo dos homens, o que provavelmente reflete as diferenças na
configuração glótica e supraglótica de acordo com o gênero(12).
Como, por meio da técnica de firmeza glótica, houve um provável
relaxamento dessa região, a laringe, posicionada mais baixa e confortável
no pescoço, com melhor coaptação glótica, deslocou a freqüência
das mulheres para os graves. Já no gênero masculino, os motivos
do deslocamento para os agudos não são tão claros e pode envolver
tensão na realização dos exercícios ou aspectos musculares (13,
14, 15).
O aumento dos valores de GNE, que significa redução dos componentes
de ruído, para todos os grupos pesquisados nos evidenciou a melhora
do padrão de coaptação das pregas vocais e do processo vibratório
(16).
Quanto à análise visual das imagens da laringe, pudemos evidenciar
um menor envolvimento da supraglote após a realização da técnica,
que favoreceu o equilíbrio muscular em nível glótico e supraglótico,
além da redução das fendas para todos os grupos estudados.
O aumento do tempo máximo de fonação para todos os grupos estudados
pós técnica pode ser explicado pela re-equilíbrio na configuração
laríngea e melhor coaptação das pregas vocais, favorecendo o controle
das forças mioelásticas e aerodinâmicas da produção vocal.
Conclusões
A partir da análise dos efeitos da técnica de firmeza glótica, realizada
em 49 indivíduos, sem e com queixa vocal e lesão laríngea, de ambos
os sexos, podemos concluir que:
1. Houve efeitos positivos em todos os grupos estudados e nas três
dimensões de avaliação, de modo mais evidente nas mulheres e nos
indivíduos com disfonia e lesão laríngea;
2. A análise perceptivo-auditiva evidenciou melhora da produção
vocal pós-técnica, tanto na emissão da vogal sustentada como da
fala encadeada, para ambos os grupos e gêneros.
3. A análise acústica mostrou aumento de tempo máximo de fonação,
para todos os grupos e tendências diversas de acordo com o gênero,
observando-se redução dos parâmetros relacionados à freqüência fundamental
para as mulheres e tendência e aumento destes mesmos parâmetros
para os homens, independente da presença ou não de lesão laríngea;
4. A análise da configuração laríngea mostrou redução da interferência
negativa das estruturas supraglóticas e menor ocorrência de fendas
glóticas, para todos os grupos.
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