GAGUEIRA E TEMPO DE REAÇÃO PARA FALA
Fernanda Chiarion Sassi
Palestrante
 
O controle motor da fala se refere aos sistemas e estratégias que controlam sua produção. De maneira geral, tem-se que a entrada deste sistema é a representação fonológica da linguagem, especialmente seqüências abstratas de unidades como os fonemas. A saída deste sistema é uma série de movimentos articulatórios que passam a mensagem lingüística através de um sinal acústico que pode, então, ser interpretado pelo ouvinte (Kent, 2000; Andrade, 2003). Dessa forma, o processo de controle motor da fala ocorre entre as etapas relacionadas à formulação da linguagem e à produção do sinal acústico pelo qual a mensagem do falante é exposta ao meio. A fala pode ser definida como uma tarefa de controle motor rápido. Os movimentos envolvidos na produção da fala são processados em milessegundos, conforme já detectado pelas análises acústicas (Ludlow e Loucks, 2003; Sassi e Andrade, 2004). Essa produção, em milissegundos, é a informação que o ouvinte recebe como mensagem. Apesar da etiologia da gagueira de desenvolvimento ser, até certo ponto, controversa, diversos autores têm sugerido que esta desordem da fala pode resultar de dificuldades subjacentes a temporalização dos movimentos da fala, ou ainda de dificuldades em gerar padrões temporais para os sistemas motores e sensoriais (De Nil, Kroll e Houle, 2001; Max e Yudman, 2003). A partir dos anos 80, alguns estudos tiveram como foco a fisiologia da gagueira, principalmente em adultos, com o objetivo de investigar a predisposição, o fator etiológico ou ainda uma descrição mais completa tanto da fala fluente quanto da disfluente. Uma variedade de medidas fisiológicas (principalmente através da eletromiografia, tanto superficial quanto invasiva) foi empregada durante os momentos de gagueira e durante a fala fluente de indivíduos gagos. Essas medidas fisiológicas, contudo, são na sua maioria influenciadas pelos fatores de aumento ou diminuição dos níveis de esforço muscular, sendo esse tipo de reação motora normalmente associada às situações de fala de adultos com gagueira. Uma outra forma de abordar a investigação dos movimentos de fala é através do paradigma do tempo de reação (TR). Esse paradigma possibilita controlar os comportamentos respiratórios, laríngeos e articulatórios, pela determinação das características fonéticas da emissão (alvo) enquanto mede-se a habilidade do indivíduo em iniciar rapidamente os movimentos de fala em resposta a um estímulo externo (Peters, Hulstijn e Starkweather, 1989). Klapp (2003) apresenta considerações bastante atuais sobre o TR para a produção da fala, sendo que para o autor esta é formada por uma seqüência de blocos. As considerações que se seguem são baseadas no trabalho deste autor. Segundo o autor a preparação motora para a produção efetiva de fala envolve três noções básicas: (a) certos aspectos da ação motora são preparados ou programados antecipadamente – pré-programação; (b) o tempo necessário para esta preparação pode ser influenciado pelo TR; (c) respostas complexas são estruturadas como seqüências de unidades ou blocos. Nesse sentido, duas formas de programação são postuladas, sendo que ambas podem ter um impacto no TR, mas de forma diferenciada. Uma das formas se refere a estrutura interna da programação dos blocos de resposta (INT), enquanto a outra se refere a seqüência geral dos blocos (SEQ). Esses dois processos se combinam para produzirem dois padrões diferentes de TR. Sabe-se que o TR pode variar de acordo com a natureza da resposta alvo em decorrência do tempo requerido para completar a preparação desta resposta. Nesse sentido, se faz necessária a distinção entre dois tipos de TR: simples e de escolha. Ambos os tipos de TR envolvem um estímulo inicial seguido por um estímulo de comando e pela resposta. A diferença entre os dois tipos de TR está na identificação do tempo da resposta alvo. No TR simples, a resposta é identificada pelo estímulo inicial (pista informativa) que ocorre precocemente na atividade de fala. Já no TR do tipo escolha, existe um alerta inicial (não informativo), sendo que a resposta é desencadeada pelo estímulo de comando. Dessa forma, o TR do tipo escolha é maior do que do TR simples, uma vez que um tempo adicional para o processamento da informação é necessário (a informação da tarefa é dada somente pelo estímulo de comando). Exemplos dos dois tipos de tarefa seguem abaixo: . TR simples – três palavras são previamente apresentadas ao paciente. A ordem dada é “fale a palavra que começa com X”; . TR escolha – três palavras são previamente apresentadas ao paciente. A ordem dada é “prepare-se para falar (alerta), letra X (estímulo de comando)”. Relacionando-se os conceitos de INT e SEQ com os dois padrões de TR, tem-se que o INT ocorre previamente ao sinal do TR simples, portanto este não inclui o tempo necessário para completar o INT - pré-programação. Por outro lado, no RT do tipo escolha a resposta é determinada pelo estímulo de comando, de maneira que o INT ocorre necessariamente durante o TR. No caso do INT precisar de mais tempo, principalmente em se tratando de respostas mais complexas, o TR irá se estender. O TR simples não sofrerá este efeito em decorrência da pré-programação. O contrário é esperado no caso do SEQ, ou seja, o TR simples aumentará em função do número de blocos, enquanto o TR do tipo escolha não sofrerá qualquer tipo de efeito. Para a articulação, pode-se identificar a palavra como sendo um bloco de informação e uma seqüência de palavras como sendo seqüências de blocos de informação. Na palavra, a sílaba é a unidade fundamental para a articulação da fala (Andrade, 2003). Portanto, o número de sílabas poderá determinar a complexidade de articulação de uma palavra. Se este for o caso, o tempo para completar um INT aumentará em função do número de sílabas. No caso da gagueira, uma das maiores questões ligadas ao TR relaciona-se com a extensão e complexidade da emissão. Emissões mais longas são motoramente mais complexas, sendo que essa maior complexidade aumenta a diferença no TR de indivíduos gagos e fluentes (Reich, Till e Goldsmith, 1981), uma vez que estes apresentam uma dificuldade de programação motora para fala. A literatura também sugere que a complexidade motora pode ter um impacto na ocorrência das rupturas da fala, sendo observado um maior número de ocorrências de rupturas em palavras e frases mais longas. Kleinow e Smith (2000), apontam que a extensão da emissão afeta o planejamento motor de indivíduos com gagueira, assim como a sua execução motora. Portanto, mudanças na execução motora em resposta ao aumento da extensão da emissão podem contribuir para o aumento na variabilidade na realização do movimento, na tentativa de aproximar-se de uma produção adequada. Observa-se ainda a influência do tipo de tarefa. Com base no estudo de Peters, Hulstijn e Starkweather (1989) e nas considerações de Klapp (2003), o TR é bastante influenciado pelo tipo de estímulo fornecido no início do processamento. Atividades de repetição e leitura permitem uma programação antecipada da maioria dos comandos motores previamente ao ato de falar (TR simples), reduzindo o efeito da complexidade, do TR para fala e conseqüentemente diminuindo o número de rupturas. Na fala espontânea, auto-gerada, a pré-programação não é possível, pelo menos não para a totalidade da extensão da emissão, uma vez que inicia-se a fala antes de todo planejamento lingüístico estar completo (Karniol, 1995). Neste caso, pode-se pensar em TRs mais longos (TRs de escolha), decorrentes de uma ausência de pré-programação e, portanto, com maior chance de falhas. De modo geral, os estudos que investigam as manifestações da gagueira pelo tempo de reação encontram diferenças, para a mesma tarefa, entre gagos e fluentes. Contudo, nem sempre essas diferenças estão relacionadas à TRs maiores, mas sim a grande variabilidade (dispersão dos dados) de TRs apresentadas pelos indivíduos com gagueira (Kleinow e Smith, 2000; Bosshardt et al., 2002; Sassi, Andrade e Juste, submetido). Essa variabilidade, pode indicar que o sistema de fala dos indivíduos com gagueira necessita de ensaios prévios para atingir o padrão fluente. Refletindo sobre os tratamentos, a preocupação não deve ser em reduzir os TRs dos gagos, aproximando-os da performance apresentada pelos indivíduos fluentes. Na grande maioria das vezes, a temporalização da fala (Andrade, 1999 e 2004) auxilia na programação motora, de forma que esta possa ocorrer de maneira mais equilibrada. Tratamentos baseados somente na leitura e repetição de seguimentos de fala não trabalham com o TR real da fala espontânea, conforme já discutido. Dessa forma, a seleção do material de fala é de extrema importância para o sucesso do tratamento. Cabe ainda ressaltar que, aparentemente não existe correspondência entre TRs mais longos e a gravidade da gagueira. Esse dado reforça o conceito de que a gagueira é heterogênea, ou seja, diversas variáveis estão associadas para o início e manutenção da patologia. REFERÊNCIAS Andrade CRF de. Programa fonoaudiológico de promoção de fluência para adultos. (Tese Livre Docência). São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 1999. 170p. Andrade CRF de. A gagueira e o processo da comunicação humana. In: Limongi SCO. (Org.). 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