ESTADO ATUAL DAS PESQUISAS EM VOZ: AVANÇOS E DIFICULDADES - REFLEXÕES SORE O CAMINHO DAS PESQUISAS E SOBRE AS MOTIVAÇÕES DO PESQUISADOR
Maria Aparecida B. C. Coelho
Palestrante
Instituição: CENTRO UNIVERSITÁRIO LUSÍADA - SANTOS
 
Fazer pesquisa cientifica é essencial para o avanço de qualquer área do saber. Não há melhor caminho para o reconhecimento e respeito de uma profissão, do que apresentar evidências incontestáveis a respeito do seu campo de atuação. Na fonoaudiologia, a atuação na área de pesquisa é fato relativamente recente, tendo sido as duas últimas décadas importantíssimas para o avanço das pesquisas em todas as áreas da fonoaudiologia. Na área de voz não foi diferente. O crescimento do número de publicações é incontestável, e o avanço que isso representa, também. É inegável que ao aumento do volume de publicações faz avançar o conhecimento e gera uma abordagem tecnicamente mais segura e acertada dos casos que atendemos. Ou seja, a pesquisa científica tem servido para dar subsídios a uma prática mais fundamentada em dados e evidências. A história está repleta de bons exemplos a respeito do impacto da descoberta de novos conhecimentos no dia-a-dia do cidadão comum e no desdobramento dessas descobertas para embasar os conhecimentos futuros. Cruz e Pacheco (2004), destacam três eventos ocorridos no mundo contemporâneo (após 1945) que possibilitam uma reflexão acerca desse impacto . O primeiro evento foi o desenvolvimento da bomba atômica. Apesar do público só tomar conhecimento dela com sua detonação em 1945, o projeto já se desenrolava desde 1934 (há uma patente registrada na Inglaterra por um físico húngaro). A história do desenvolvimento do projeto que deu origem a bomba atômica, ilustra a capacidade “quase ilimitada que o homem tem de desenvolver idéias e descobrir coisas”. Além disso, a maioria das descobertas da física atômica e da física quântica entre o fim do século XIX e o início do XX, entre elas a própria bomba atômica, foram desencadeadas a partir de um despretensioso propósito que era o de compreender, apenas, a constituição da matéria. O segundo evento foi a invenção do transistor, que controla e amplifica a corrente elétrica. Ele é a base de toda a revolução da informática. A quantidade de benefícios gerados por essa pequena invenção é impressionante. A terceira descoberta é a do código genético contido no DNA, que originou a engenharia genética. Além desses três eventos Cruz e Pacheco(2004) citam o feito histórico na área da navegação levado a cabo pelos portugueses, há cinco séculos atrás. Os autores enfatizam que os portugueses conseguiram avanços surpreendentes para seu tempo, por que sabiam o que queriam, tinham um objetivo com conseqüências econômicas importantes e foram apoiados política e financeiramente por seu governo. Esses exemplos nos permitem refletir sobre o caminho natural de idéias ao mesmo tempo simples e revolucionárias. Mas como tem caminhado a história das nossas descobertas em fonoaudiologia? As primeiras incursões de fonoaudiólogos na área da pesquisa foram desbravadoras. Foram resultado da obstinação de profissionais com genuína vocação para pesquisa, cuja satisfação pessoal e profissional estava diretamente ligada a essa prática. Os resultados positivos para a fonoaudiologia e para a ciência de um modo geral eram uma conseqüência natural, porém secundária. O que vemos nos dias de hoje, contudo, é um panorama um pouco diferente. A obrigatoriedade da realização de monografias e trabalhos de conclusão de curso, por exemplo, apesar de ser um instrumento extremamente importante para a formação de alunos, algumas vezes tem gerado pesquisadores visivelmente não sintonizados com a vocação científica e um perfil de pesquisa por vezes equivocado. No presente estudo não vamos considerar o perfil do pesquisador. Vamos considerar apenas a população pesquisada, a temática e os objetivos dos trabalhos que foram enviados para serem avaliados pela comissão julgadora da SBFa na categoria Tema Livre em Voz, no ano de 2005. Considerando que o Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia é o mais importante encontro anual de fonoaudiólogos, acreditamos que tais trabalhos representem uma tendência nacional importante da produção científica na área de voz . Na condição de membro da comissão julgadora, alguns dados nos chamaram a atenção: De um total de 69 trabalhos enviados para serem avaliados na categoria Pesquisa Científica, 57 diziam respeito a pesquisas de natureza exploratória, cuja população pesquisada era composta de não-pacientes de voz e sim de profissionais da voz ou falantes normais em diferentes faixas etárias. Apenas 12 trabalhos tinham natureza cliníco-científica e investigaram questões diretamente relacionadas a pacientes de voz ou buscaram dados específicos em relação ao efeito de técnicas ou abordagens terapêuticas , o que nos parece uma desproporção um tanto quanto preocupante. A maioria dessas pesquisas permanece, ainda, investigando perfis, levantando características de ambiente de trabalho, de queixas ou sintomas ou ainda o conhecimento dos sujeitos em relação ao funcionamento vocal. Tais dados indicam que temos insistido em algumas investigações já bastante debatidas e nos remetem a alguns questionamentos: Qual o melhor caminho para avançarmos na direção de uma pesquisa cientifica em fonoaudiologia que de fato promova alguma inovação ou represente uma contribuição genuinamente nova? É possível que a tarefa da pesquisa científica fique restrita apenas aos que realmente possuem vocação para tal, sem que com isso se gerem culpas ou constrangimentos aos que não estão na linha de frente da produção científica? Como separar a vocação para a pesquisa do marketing gerado por ela? O crescimento na carreira deve, necessariamente, passar pela produção cientifica, ainda que não exista vocação para tal? O que pensar dos profissionais extremamente criativos e dedicados na sua pratica clinica, à resolução dos mais inusitados problemas ? Qual espaço reservado pela fonoaudiologia para premiá-los? Como avaliar essa competência? A divulgação da prática é ciência? As respostas para tais perguntas não são fáceis. Os avanços e as dificuldades caminham lado a lado e parecer ser quase indissociáveis. Devemos estar atentos, contudo, ao que queremos como ideal de fonoaudiologia e dos profissionais que a compõem. Há espaço para os que fazem pesquisa e há espaço para aqueles que se dedicam exclusivamente a atividade clínica ou de assessoria. Precisamos apenas rever alguns dos conceitos pelos quais temos pautado a evolução da carreira em fonoaudiologia. É evidente que não existe um só caminho para o crescimento profissional. É matematicamente improvável que um mesmo campo de atuação seja preenchido por todos os profissionais. Temos absoluta certeza de que o avanço equilibrado da quantidade e qualidade da produção cientifica em nossa área está fortemente atrelado à vida acadêmica, a qual tem abrangência restrita. Em outras palavras, não há espaço para que todos tenham na pesquisa sua atividade principal. Cabe a comunidade fonoaudiológica eleger suas prioridades de modo que cada um de seus membros, independentemente de sua vocação, possa se sentir representado e acolhido. Referências bibliográficas: • Brito Cruz, C.H. & Pacheco, C.A . (2004)- Conhecimento e Inovação: desafios do Brasil no séc XXI. Mimeo. http://www.inovacao.unicamp.br/report/inte-pacheco-brito.pdf
 
Contato: cidacoelho@iron.com.br
 

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