Código: PIL0492
FAMÍLIA DA CRIANÇA AUTISTA: SEU LUGAR NA CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
 
Autores: Carolina Morais Moura
Instituição: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
 
Considerando que os sintomas de linguagem apresentados por pacientes trazem, em seu bojo, conflitos e manifestações das relações familiares, muitos fonoaudiólogos por não possuir na sua formação teórica e metodológica questões relacionadas a família e ao autismo, não sabem lidar com tais assuntos, passando a trabalhar com um quadro patológico e técnicas que ajudam na reabilitação, excluindo a escuta familiar. A falta de conhecimento a respeito do funcionamento familiar em conjunto com a falta de formação, faz com que o profissional se distancie da família diminuindo suas possibilidades de compreensão e enfraquecendo os limites de sua atuação, por não perceber o contexto de vida de seu paciente.
Se pensarmos que a linguagem do indivíduo se constitui através de relacionamentos interpessoais, primeiramente no contexto familiar, pode-se pressupor que conhecer a linguagem de um indivíduo significa conhecer a história de vida dentro do seu grupo social. A aquisição de linguagem da criança configura-se então como um processo de subjetivação, onde a criança passa da posição de interpretado à posição de intérprete.
Embora sejam comuns referências teóricas em relação à família, no percurso acadêmico não são contempladas disciplinas que discutam a importância da família na clínica fonoaudiológica, podendo ser freqüentemente observados, profissionais não instrumentalizados para enfrentar questões que se colocam na clínica de linguagem, desconhecendo como lidar com um quadro patológico e com técnicas que ajudariam na sua reabilitação.
O envolvimento familiar é algo que antecede o nascimento, ou seja, antes do indivíduo nascer ele já está inserido numa ordem simbólica, ou seja, ele já é falado, existe no imaginário do casal, onde estes projetam na criança idéias ou fantasias relacionadas a própria existência familiar. Dessa forma, a criança passa a ser atravessada pela linguagem, já que esse desejo é falado pelos pais. Portanto, se o primeiro contexto social de um indivíduo é a família, então para o terapeuta de linguagem, a compreensão sobre esse indivíduo passa, necessariamente, pelo entendimento de sua dinâmica familiar. E um relação terapêutica que se baseia na valorização do indivíduo, procura levar em consideração suas manifestações, sua individualidade e sua história de vida.
Dessa forma, o objetivo dessa pesquisa foi o de investigar a importância dada pelos fonoaudiólogos a família da criança com atraso de linguagem secundário a autismo, analisar o conhecimento dos fonoaudiólogos sobre o papel da família na clínica fonoaudiológica e identificar o espaço dado pelos fonoaudiólogos a família da criança com atraso de linguagem secundário a autismo.
Com a finalidade de investigar a importância dada pelos fonoaudiólogos a família da criança autista, faz-se necessário um estudo que possa aprofundar questões familiares na perspectiva da clínica fonoaudiológica, portanto procurei expor a importância da família, bem como o seu espaço na clínica de linguagem e como esta pode auxiliar a criança a construir sua subjetividade de forma mais sadia. Destacarei o conceito de autismo numa ótica psicanalítica, o papel da família no desenvolvimento da linguagem e o lugar da família na clínica fonoaudiológica, para auxiliar o entendimento do funcionamento de linguagem nas situações de interação entre crianças e adultos.
No intuito de compreender questões referentes ao autismo, e minimizar os conflitos referentes à inserção da família na prática fonoaudiológica foi necessário uma apropriação de teorias que pudessem dar conta da constituição e funcionamento da subjetividade do sujeito. Dessa forma, o fonoaudiólogo tomará a família como implicada na manifestação do sintoma da criança, para que, assim, possa se entender a linguagem situada no sujeito e o seu funcionamento.
A partir da análise de recortes discursivos dos três fonoaudiólogos entrevistados, onde estes deveriam pensar sobre a participação da família em sua prática terapêutica, seu conhecimento sobre a importância da família no atendimento com crianças autistas, pude identificar que, de forma geral, a inserção da família é realizada, porém a postura pedagógica assumida pelos terapeutas, leva ao afastamento da família, uma vez que seu papel ainda é o de constatar evoluções e/ ou insucessos, não implicando a família no sintoma da criança. Dessa forma os objetivos do trabalho com a família segue o modelo de orientação, como forma de assegurar o bom andamento da terapia.
Apesar dos fonoaudiólogos compartilharem que é essencial a participação da família no processo terapêutico, essa participação é feita, muitas vezes, apenas na presença física dos pais, sem que essa participação possa representar uma implicação da família nas questões referentes aos sintomas da criança.
Foi observado que os fonoaudiólogos entrevistados afirmaram ser essencial a inserção da família da criança com atraso de linguagem secundário a autismo na clínica fonoaudiológica, porém essa inserção foi estabelecida de duas formas. Uma com base no paradigma da objetividade, onde a linguagem está circunscrita a um conceito de língua enquanto código, sendo sua função principal a comunicação, onde o terapeuta irá averiguar e tratar a patologia apresentada pelo paciente, apagando a sua subjetividade e enaltecendo a dimensão orgânica do paciente como um ser patológico. E a outra no paradigma da subjetividade, em que o terapeuta trabalha com a compreensão do movimento da criança na linguagem, levando em consideração o próprio funcionamento da linguagem. Nesse modelo de clínica é essencial a escuta do fonoaudiólogo, logo essa escuta só é possível de acontecer em um espaço discursivo, onde os significantes são postos em circulação para que a interpretação possa se fazer presente. Fica claro então que a escuta familiar é imprescindível, visto que o seu dizer não comporta um único sentido, e portanto o fonoaudiólogo precisa escutar, pois só assim pode-se criar sentidos para a fala dessa família.
Concluo a pesquisa, enfatizando a importância de subsídios teóricos que possam embasar a prática fonoaudiológica e dessa forma poder pensar não apenas na inserção da família da criança autista, mas de todas as crianças com sintomas de linguagem. Torna-se necessário portanto, a revisão e ampliação da atuação do fonoaudiólogo junto à dinâmica familiar, uma vez que só podemos pensar na constituição de um sujeito inserido no meio familiar e que muitos dos sintomas apresentados emergem da dinâmica familiar. Além disso, o fonoaudiólogo irá se deparar com mudanças que o processo terapêutico podem causar no sujeito e que poderão implicar em mudanças na família.
Felizmente o reconhecimento da importância da inserção da família na prática fonoaudiológica tem sido cada vez maior e o caminho para que se torne cada vez mais consistente é garantindo informações e básicas sobre o tema aos estudantes de graduação.
 
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