INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA: ASPECTOS METODOLÓGICOS
Luisa Barzaghi- Ficker
Palestrante
 
O objetivo deste trabalho é apresentar alguns aspectos do atendimento à criança deficiente auditiva desenvolvido no Serviço de Audiologia Educacional da Derdic-PUC/SP. O uso da audição a partir da amplificação ou implante coclear e o desenvolvimento da linguagem oral têm sido a tônica desta proposta. O trabalho fonoaudiológico, por ser o eixo do programa, confere à proposta de atendimento um caráter eminentemente clínico. Assim sendo, não estabelecemos um perfil para os casos a serem atendidos no PAE, o que significa dizer, que os pacientes não são selecionados a priori, tampouco é definido previamente o processo terapêutico. A heterogeneidade da população atendida é grande e procuramos evitar generalizações prematuras quanto ao prognóstico e condutas a serem adotadas. Ao longo do processo terapêutico, o maior conhecimento sobre a criança, seu quadro audiológico, bem como o seu desenvolvimento, vão sinalizando suas necessidades e definindo as estratégias terapêuticas. Na idade pré-escolar, em alguns casos, terapeuta e família podem optar pela escola regular, desde que seja garantido o acompanhamento cuidadoso de sua evolução. Na maioria dos casos, entretanto, aspectos audiológicos, sociais, emocionais, presença ou não de outros comprometimentos, diagnóstico tardio e o desenvolvimento da linguagem oral mais lento, levam à opção pelo ensino especializado, além da continuidade do processo terapêutico fonoaudiológico. Estas crianças, em geral, necessitam de um grande investimento para o desenvolvimento da linguagem oral. O atendimento fonoaudiológico de pacientes com deficiência auditiva inclui, em seus objetivos, a otimização da audição residual por meio de sistemas de amplificação e/ou estimulação elétrica, visando ao uso funcional da audição, principalmente no que se refere à percepção de fala. Autores como Ewing, Ewing (1971); Mencher (1976); Sanders (1977); Ling (1978,1989); Pollack (1985); Boothroyd (1982); Estabrooks (1994); Bevilacqua, Formigoni (1997); Mello, Novaes (2001), entre outros, argumentam que o aumento das possibilidades de receber o som de fala, por meio de recursos de amplificação, aumenta as chances de aquisição da linguagem falada, embora apenas esses recursos não sejam suficientes para eliminar as dificuldades em relação à linguagem de pessoas com deficiência auditiva. O impacto das deficiências auditivas sobre a linguagem não pode ser considerado apenas do prisma da privação sensorial. As dificuldades de linguagem da criança surda em muito ultrapassam as condições fisiológicas de seu sistema auditivo, embora seja inegável que essas dificuldades tenham sua origem justamente na captação parcial e distorcida dos sinais acústicos. A fala concretiza-se no sinal acústico, que, sendo processado em níveis auditivo e cognitivo, possibilitará a compreensão do enunciado de um falante. Apesar de existir, seguramente, uma forte relação entre os limiares audiométricos e as habilidades de percepção da fala, sabemos que a configuração do audiograma não é suficiente para prever as habilidades de percepção auditiva da fala (Sammeth et al, 1996), uma vez que reflete apenas uma medida de audibilidade dos sons nas várias freqüências. A percepção auditiva da fala com uso de amplificação não pode ser prevista apenas com base no audiograma, pois as deficiências auditivas podem interferir também na resolução temporal, de freqüência e de intensidade (Dorman, Hannley, 1985). Crianças com perdas de audição congênitas ou adquiridas no início de suas vidas têm grande dificuldade em adquirir linguagem oral, porque percebem a fala do outro de forma muito distorcida e entrecortada, o que interfere no monitoramento do som de suas produções vocais. Nesses casos, o trabalho clínico fonoaudiológico, voltado para a aquisição da linguagem oral, enfatiza a orientação para o evento acústico como um potencial fator facilitador desse processo. Segundo Balieiro, Barzaghi-Ficker (2004), no trabalho terapêutico, grande ênfase é dada ao uso da audição. A situação terapêutica permeada por um “jogo”, do qual “ouvir” faz parte, possibilita que a criança volte sua atenção para os sons do ambiente e da fala e, junto com o terapeuta, chegue a partilhar seus sentidos e significados. O que se espera é que o “jogo” em sua totalidade e não apenas o som em si seja enfatizado, sendo o aspecto relevante a relação dialógica estabelecida entre terapeuta e criança, na qual se introduz a dimensão sonora. A informação auditiva (disponibilizada mediante recursos tecnológicos) irá contribuir para o processo de percepção da fala em diferente medida, de acordo com as habilidades auditivas de cada indivíduo e as habilidades de percepção visual e tátil das informações disponíveis para essas modalidades sensoriais, seja a partir do próprio falante, seja mediada por recursos tecnológicos, tais como vibradores táteis e softwares que tornam visíveis características acústicas dos sons de fala. . Hoje, a clínica fonoaudiológica, sustenta-se no conhecimento desenvolvido pelas ciências da audição e ciências da fala que favoreceram o desenvolvimento de recursos e técnicas que podem minimizar dificuldades relativas à captação do sinal acústico da fala. O fonoaudiólogo também necessita dos conhecimentos relativos à aquisição de linguagem e constituição do sujeito, referenciais fundamentais para uma clínica que tem como meta o desenvolvimento da linguagem. Crianças com perda de audição não vivem as mesmas experiências que a criança que ouve, uma vez que a deficiência auditiva limita o acesso aos significantes lingüísticos, deixando-a excluída de muitas situações do dia-a-dia. A nossa experiência, ao acompanhar a trajetória de crianças com deficiências auditivas, tem trazido, além de muitas perguntas, a certeza de que as propostas devem ser individualizadas, considerando condições particulares da criança e sua família/comunidade e, que não devem ser limitadas/limitantes a priori, por uma condição que não pode ser conhecida de pronto. Nesse sentido o diagnóstico nos primeiros meses de vida é essencial, desde que seguido de imediato atendimento terapêutico-fonoaudiológico. Atualmente entende-se por intervenção precoce quando identificação, diagnóstico e início do processo terapêutico ocorrem antes dos seis meses de idade. De acordo com pesquisas estrangeiras (Yoshinaga-Itano, 1998, Moeller, 2000), crianças que são identificadas logo após o nascimento e recebem intervenção apropriada tem desenvolvimento de linguagem significativamente melhor e melhores habilidades de produção de fala do que as crianças que são identificadas mais tarde e não receberam atendimento durante essa fase tão importante do desenvolvimento do ser humano. Beams (2001) avalia o impacto da triagem auditiva em recém nascidos, sobre as famílias e crianças em que a deficiência auditiva foi identificada em programas de triagem auditiva e encontram-se envolvidas em programa de intervenção. Os depoimentos das mães, segundo a autora, mostraram uma atitude positiva das famílias no auxílio a seus filhos, apontando para a importância e validade dos programas de triagem auditiva. Cita entre os fatores positivos o fato de o processo terapêutico não ser iniciado já a partir de um atraso na linguagem e os benefícios oferecidos pelo uso da amplificação nos primeiros meses de vida, favorecendo o desenvolvimento da função auditiva nesse período tão importante para o desenvolvimento da linguagem. Posteriormente, com a criança mais velha destacamos o trabalho com a língua escrita, que tem sido privilegiado como possibilidade de desenvolvimento da linguagem e de acesso ao conhecimento. Nesse sentido, temos investido no Serviço de Audiologia Educacional da Derdic-PUC/SP, em projetos específicos que tem como objetivo oferecer muitas oportunidades para a criança surda na aquisição da língua escrita. Esse trabalho desenvolvido como Oficinas de Escrita, está baseado no estudo de Balieiro (2002), que propõe a escrita como trabalho em linguagem para a criança deficiente auditiva, considerando tanto a aquisição de novos conhecimentos quanto a aquisição da língua portuguesa. Alguns princípios norteadores dessa proposta incidem sobre o discurso da escrita, ou seja, a inserção da criança nesse discurso não repousa sobre a discutida dificuldade da criança surda para ler e escrever, mas sim sobre as novas possibilidades que o recurso da escrita oferece. Além do atendimento fonoaudiológico individual essa atividade vem ampliando as possibilidades de interlocução e vivências, tanto a partir de atividades de leitura, como de escrita. As oficinas realizadas (História em Quadrinhos, livros, texto teatral) diferem do atendimento clínico individual porque enfoca o trabalho específico com o texto escrito, produção de escrita e produção de leitura. A idéia é que no trabalho com a criança surda, não se busca apenas superar as deficiências lingüísticas, mas sim trabalhar no sentido de auxiliar a criança a modificar sua relação com a língua, fazendo-a perceber-se como sujeito-autor, ou seja, aquilo que ela diz produz sentido para outros interlocutores ou leitores. Com a finalidade de articular o trabalho com a língua escrita e oral, ampliamos o trabalho das Oficinas de Escrita com a proposta de Oficinas de Teatro, que além de introduzir o trabalho com o texto teatral, promove a encenação de peças, com espaço para o trabalho de percepção e produção de fala. A melhora da inteligibilidade de fala é apenas um entre os inúmeros pontos a serem considerados no atendimento terapêutico de pessoas com alterações de audição. O trabalho fonoaudiológico visa prioritariamente ao desenvolvimento da linguagem, que vai favorecer a participação da pessoa com alteração auditiva na sociedade. Entretanto, a possibilidade de falar de forma mais inteligível e compreender melhor a fala do outro, mesmo não sendo determinante, contribui sobremaneira para esse propósito. Referências Bibliográficas Balieiro, C. R. A escrita na clínica fonoaudiológica e a pessoa surda: possível lugar de constituição do sujeito e da linguagem. Rev. Dist. Comum., 14 (1): 9-25, 2002. BALIEIRO, C. R.; BARZAGHI-FICKER,L.. Reabilitação auditiva: a clínica fonoaudiológica e o deficiente auditivo. In: Editor: Otacílio Lopes Filho; coordenadores: Alcione Ramos Campiotto; Cilmara Levy; Maria do Carmo Redondo; Wanderlene Anelli-Bastos. (Org.). Tratado de Fonoaudiologia. 2ed ed. Ribeirão Preto, 2004, v. , p. 365-375. Balieiro CR, Ficker LB. Reabilitação aural: a clínica fonoaudiológica e o deficiente auditivo. In: Lopes Filho O, editor. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p.311-25. BEAMS, D. - From the heart: impact of newborn hearing screening on outcomes for children and families, 2001, Hands & Voice, disponível [Internet 24/03/2003], Http://www.handandvoieces.org/about.html. Bevilacqua MC, Formigoni GMP. Audiologia educacional: uma opção terapêutica para a criança deficiente auditiva. Carapicuiba (SP): Pró-Fono; 1997. Boothroyd A. Hearing impairments in young children. Englewoods Cliffs (NJ): Prentice Hall; 1982. Estabrooks W. Auditory-verbal therapy for parents and professionals. Washington (DC): Alexander Graham Bell Assoc Deaf; 1994 Ling D. The foundation of spoken language for hearing-impaired children. Washington (DC): Alexander Graham Bell Assoc Deaf; 1989. Ling D, Ling AH. Aural habilitation: the foundation of verbal learning. Washington (DC): Alexander Graham Bell Assoc Deaf; 1978 Mello ME, Novaes BCAC. Caderno de experiências no processo terapêutico de uma criança portadora de deficiência auditiva. Pró-Fono 2001; 13: 242-48. Mencher GT. Early identification of hearing loss. Basel: S. Karger; 1976. Moeller MP. Early intervention and language development in children who are deaf and hard of hearing. Pediatrics 2000; 106: E43. Pollack D. Educational audiology for the limited hearing infant and preschooler. 2nd ed. Illinois (US): Charles C Thomas; 1995. Sammeth CA, Tetzli M, Ochs MT. Consonant recognition performance of hearing impaired listeners using one linear and three non linear hearing aids. J Am Acad Audiol 1996; 7: 240-50. Sanders DA. Auditory perception of speech: an introduction to principals and problems. Englewoods Cliffs (NJ): Prentice Hall; 1977. YOSHINAGA-ITANO, C. ; Sedey A.L.; Coulter, D.K.; Mehl,A.L. 1998 Language o early- and later-identified children with hearing loss. Pediatrics102 (5); 1161-1171.
 
Contato: luisa@pucsp.br
 

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