Código: PTL0579
PERFIL FUNCIONAL DA COMUNICAÇÃO DE CRIANÇAS COM AUTISMO, SÍNDROME DE DOWN E NORMAIS PAREADAS PELO DESEMPENHO SÓCIO-COGNITIVO
 
Autores: Daniela Regina Molini-avejonas, Fernanda Dreux Miranda Fernandes
Instituição: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FACULDADE DE MEDICINA)
 
Introdução
A pragmática é uma das mais recentes linhas de pesquisa, embora não seja mais uma novidade, nos distúrbios da linguagem infantil. À medida que os pesquisadores concentram-se na identificação dos problemas e metodologias legítimos para uma investigação científica deste tipo, seguem-se debates consideráveis a respeito da natureza e importância do desenvolvimento de uma teoria pragmática dos distúrbios da linguagem infantil, as prioridades para um cronograma de pesquisa associado e a padronização dos protocolos de pesquisa apropriados. Este debate é animado, ardoroso e fundamental para o processo de um paradigma emergente.
As perspectivas pragmáticas em psicolingüística têm fornecido elementos para a consideração dos aspectos funcionais dos distúrbios da comunicação e de suas correlações com outros aspectos do desenvolvimento da criança, especialmente seu desenvolvimento sócio-cognitivo (Hermelin e Frith, 1991; Baltaxe e D’Angiola, 1996).
Sendo assim, para entendermos a linguagem das crianças com autismo, são interessantes e de grande importância para a prática fonoaudiológica, as pesquisas que relacionam os dados sócio-cognitivos e o desempenho lingüístico dos sujeitos.
Nesse estudo, a pesquisadora elegeu como grupo experimental, o grupo de crianças autistas e como grupos-controle, crianças com síndrome de Down e crianças normais. Optou-se pela síndrome de Down como grupo controle devido ao fato destas crianças apresentarem sua maior dificuldade nos aspectos cognitivos e os sujeitos autistas apresentarem maior alteração nos aspectos sociais.
A revisão da literatura indica que as pesquisas mais recentes comparando estes dois grupos envolvem, em geral, um número reduzido de sujeitos. Dessa forma, a possibilidade de investigar um número significativo de sujeitos representa uma contribuição importante para as pesquisas na área. Outra característica destas pesquisas é a forma pela qual os sujeitos são pareados: alguns estudos utilizam idade cronológica, outros “mean lenght of utterance (MLU)” e outros coeficiente de inteligência verbal - QI verbal, ou apenas teste de QI (p. ex., Loveland e Tunali, 1991; Libby et. al., 1997; Libby et. al., 1998; Sigman et. al., 1999 e etc.). Existem algumas críticas quanto à utilização destes métodos de pareamento e sendo assim, a pesquisadora procurou utilizar um outro método de pareamento para esta população, que neste estudo foi o desempenho obtido nos testes sócio-cognitivos elaborados por Molini (2001).
Objetivos
A proposta deste estudo visa investigar e comparar o perfil funcional da comunicação (modelo proposto por Fernandes, 2000) de três diferentes grupos de sujeitos (crianças com Autismo, com síndrome de Down e normais) pareados segundo os desempenhos sócio-cognitivos, os quais foram testados segundo o modelo elaborado por Molini (2001) e analisados segundo os critérios propostos por Wetherby e Prutting (1984).
Métodos
Sujeitos:
Grupo 1 (GA): 20 sujeitos, entre 2 e 11 anos de idade, com diagnóstico de Autismo, estabelecido por um psiquiatra, segundo os critérios do DSM-IV ou CID-10. Estes sujeitos estavam em avaliação fonoaudiológica no LIF nos Distúrbios Psiquiátricos da Infância do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP.
Grupo 2 (GD): 20 sujeitos, entre 2 e 11 anos de idade, com diagnóstico de síndrome de Down, pareados com os sujeitos do grupo 1, segundo o desempenho sócio-cognitivo. Estes sujeitos são atendidos no LIF em Síndromes e Alterações Neuro-Motoras do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP.
Grupo 3 (GN): 20 sujeitos normais, entre 1 e 3 anos de idade, pareados com os sujeitos do grupo 1 e 2, segundo o desempenho sócio-cognitivo. Estes sujeitos são alunos da Creche Maria de Nazaré, que se situa nas redondezas da clínica, onde os sujeitos do grupo 1 e 2 são atendidos.
Coleta de Dados:
A investigadora aplicou o teste sócio-cognitivo elaborado por Molini (2001) o qual é capaz de verificar o desempenho sócio-cognitivo dos sujeitos nos aspectos de: intenção comunicativa gestual e vocal, imitação gestual e vocal, uso de objeto mediador, jogo combinatório e simbólico.
Após a aplicação deste teste e sua análise, foi feito o pareamento dos sujeitos em trios (1 com Autismo, 1 com síndrome de Down e 1 normal). Para serem considerados pertencentes ao mesmo trio, os sujeitos tiveram que apresentar os mesmos escores nos sete aspectos sócio-cognitivos analisados pelo teste.
Em uma segunda etapa, os sujeitos pareados foram filmados em situação de brincadeira individual espontânea, durante 30 minutos, na presença de uma fonoaudióloga, que procurou estabelecer uma interação a partir dos interesses manifestados pela criança.
Análise dos Dados:
Inicialmente, foram coletados os dados do grupo 1, posteriormente, os dados referentes aos grupos 2 e 3. Através de uma escolha arbitrária foi selecionada qual a ordem de análise inter e intra grupos.
Genericamente, podemos afirmar que a amostra apresenta Distribuição Gaussiana (normal). Sendo assim, o teste de ANOVA (Análise de Variância) foi utilizado. Foi aplicado também, a Análise de Correlação de Spearman, com o objetivo de identificar possíveis relações entre pares de variáveis. O terceiro teste utilizado foi a “Análise de aglomerados (Clusters)”, para identificar subgrupos específicos (quais os mais semelhantes e quais os mais diferentes entre si).
Resultados
Grupo com Autismo:
 apresentou o pior perfil funcional da comunicação, ocupando o menor espaço comunicativo, utilizando o menor número de funções interpessoais e a menor porcentagem de atos comunicativos interpessoais; demonstrando a característica mais marcante: incapacidade de interagir com o interlocutor;
 apresentou um menor número de correlações entre os aspectos sócio-cognitivos e o perfil funcional da comunicação;
 deixa claro que o grupo apresenta um distúrbio de desenvolvimento, principalmente nos aspectos analisados: linguagem, socialização e cognição;
 apenas os atos comunicativos verbais correlacionaram-se com todos os aspectos sócio-cognitivos, demonstrando que a comunicação do autista explica-se por fatores relacionados às habilidades sociais e cognitivas.
Grupo com síndrome de Down:
 apresentou um maior número de atos comunicativos por minuto, de funções comunicativas totais e interpessoais, demonstrando a característica própria: grande capacidade de interação social;
 apresentou a maior correlação entre a porcentagem de atos comunicativos interpessoais e os aspectos sócio-cognitivos;
 demonstra a característica própria: grande capacidade de interação social;
 os trios que apresentaram altos escores no desempenho sócio-cognitivo apresentaram o perfil funcional da comunicação mais próximo do grupo normal. Provavelmente, a habilidade social destas crianças influenciou no cognitivo e na linguagem, aproximando-as das crianças normais;
 quando apresentaram baixo desempenho sócio-cognitivo, aproximaram-se mais das crianças autistas; demonstrando que com baixa capacidade social, este grupo aproxima-se mais do outro que tem como característica básica a dificuldade de interação.
Grupo Normal:
 apresentou a maior porcentagem de atos comunicativos interpessoais e de espaço comunicativo; mostrando que embora muito novas, já vêem a interação social como um meio para expressar desejos e sentimentos e vêem a linguagem como o veículo para expressar tais sentimentos;
 apresentou a menor porcentagem de atos verbais e a maior de atos vocais e gestuais; justificado pela idade, ainda estão em fase de aquisição e desenvolvimento de linguagem verbal. Sendo a característica própria deste grupo: estão dentro do esperado para o desenvolvimento normal.
 a intenção comunicativa vocal se correlacionou com todos as variáveis do perfil funcional da comunicação, o que parece confirmar a idéia de que, havendo intencionalidade, o desempenho comunicativo tende a ser melhor.
Quando os trios apresentaram bom desempenho sócio-cognitivo:
 também apresentaram um bom desempenho no perfil funcional da comunicação, comprovando a inter-relação entre: cognição, socialização e linguagem;
 o GN apresentou o melhor desempenho no perfil funcional da comunicação (5 de 7 aspectos);
 o GA apresentou o pior desempenho funcional da comunicação (5 de 7 aspectos).
Quando apresentaram baixo desempenho sócio-cognitivo:
 os trios apresentaram baixo desempenho no uso funcional da comunicação;
 o GD foi o que apresentou o melhor desempenho no perfil funcional da comunicação;
Os atos comunicativos gestuais apresentaram correlação negativa com todos os aspectos sócio-cognitivos e com as demais variáveis do perfil funcional da comunicação; demonstrando que quanto melhor a habilidade de linguagem oral das crianças, melhor será seu desempenho comunicativo, assim como o desenvolvimento social e cognitivo, retomando o princípio da heterocronia de Bates (1979).
Dendogramas:
O primeiro critério de agrupamento para GD e GN foi a presença ou não de linguagem verbal. O segundo critério foi a maior ou menor porcentagem de atos comunicativos interpessoais. Já para GA, o primeiro critério de divisão foi a porcentagem de atos interpessoais e o segundo, a presença ou ausência de fala, demonstrando que o que separa as crianças autistas é sua dificuldade de interação e não a ausência de fala.
Conclusão
Foi possível identificar diferenças e semelhanças estatisticamente significativas no perfil funcional da comunicação dos sujeitos pareados pelo desempenho sócio-cognitivo, demonstrando características próprias e individuais de cada grupo.
As crianças que mais se aproximam das autistas, em relação ao perfil funcional da comunicação, são as com síndrome de Down. Entretanto, o mesmo só ocorre quando este grupo apresenta um baixo desempenho sócio-cognitivo. Do contrário, ele se aproxima mais das crianças normais.
Unindo as duas conclusões anteriores à grande correlação encontrada entre os aspectos sócio-cognitivos e o perfil funcional da comunicação e ao número significante de sujeitos desta pesquisa, podemos concluir que o desempenho sócio-cognitivo pode ser usado como critério de pareamento para esta população.
 
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Contato: fonodaniela@terra.com.br
 

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