PESQUISA EM PROCESSOS TERAPÊUTICOS EM LINGUAGEM: TEORIA DA MENTE |
Fabiola Ferrer Del Nero Mecca
Palestrante |
Instituição: UNIVERSIDADE GUARULHOS/ LIF SURDEZ E LINGUAGEM FM-USP/ FE-USP |
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Introdução
No curso do desenvolvimento normal, a criança desenvolve uma série de habilidades referente à metarrepresentação, que significa a habilidade geral de utilizar representações de eventos hipotéticos, elaborada a partir de construções mentais, resultantes de um sistema sofisticado e de várias entidades abstratas e interdependente, que possibilitam um modelo casual capaz de explicar, interpretar e predizer o comportamento humano (Courtin e Melot, 1998). A metarrepresentação está relacionada com a compreensão de que outra pessoa possa ter uma crença que não condiz com a realidade. A essa compreensão sobre os estados mentais denomina-se Teoria da Mente (TdM)( Miller, 2001).
A TdM é fundamental para que a criança entenda um conjunto de fenômenos, tais como intenções, desejos e crenças. Ainda, possibilita que uma série de operações (descrição, explicação e predição) seja realizada. Ela ferramenta à criança com habilidades sociais para a interação com o outro, facilitando a sua comunicação e a sua interação social (Russel et al, 1998).
É aproximadamente em torno dos cinco anos que a criança obtém a TdM, com o domínio de um sistema de metarrepresentação, no qual as representações mentais são dadas como construções, interpretações e transformações sobre um determinado estado de realidade. A criança é capaz de entender, por um conjunto de fenômenos, que o outro possui o seu próprio sistema de conhecimentos e crenças (Courtin e Melot, 1998). Em particular, a criança entende porque um objeto ou um evento é diferente da sua representação mental ele pode apresentar diferentes representações e algumas delas, podem ser falsas.
Diversos testes têm sido utilizados para investigação da habilidade da criança em TdM. Um típico exemplo de atividade que pode ser utilizada para testar este conhecimento na criança foi descrito por Melot (1999) como: “Um objeto é colocado num lugar (X) na presença da pessoa (ou um fantoche), que depois deixa o local. Enquanto a pessoa está fora, o objeto é colocado em um outro local (Y). Quanto a pessoa retorna, ela quer o objeto. Pergunta-se à criança, que está testemunhando esta cena, a seguinte questão: “: Onde a pessoa irá procurar o objeto, no local X ou Y?. A criança deve desconsiderar seu próprio conhecimento (que o objeto foi transferido do local X para o local Y) e predizer a ação da outro pessoa baseado no conhecimento e na representação do outro. A este processo denomina-se falsa-crença (a pessoa acredita que o objeto está em X e, portanto, irá procurá-lo em X).
Sparrevohn e Howie (1995) propuseram uma bateria de testes para investigar a TdM, incluindo as tarefas de crença inferida (CI), crença de outro (CO), falsa crença explícita (CE) e falsa crença completa (FC). De acordo com Fernandes (2002) tais atividades podem ser entendidas da seguinte forma:
“1- Crença inferida – considerada o componente mais simples, a criança deve atribuir uma crença baseada no conhecimento a respeito do que o protagonista da história viu”.
2- Crença de outro – nesta tarefa, a criança e o protagonista têm crenças conflitantes, mas o componente da falsa crença não está presente, pois a criança não sabe qual das crenças é a falsa.
3- Falsa crença explícita – nesta tarefa, a criança recebe a informação explícita de que o protagonista tem uma crença que é falsa. Desta forma esta tarefa não inclui a necessidade de a própria criança ter que inferir que o protagonista tem uma falsa crença.
4- Falsa crença completa - Smaties/Mentex– Esta é uma tarefa de falsa crença freqüentemente utilizada, em que a criança deve inferir a falsa crença de um personagem\" (p. 43-44).
As tarefas envolvendo TdM foram freqüentemente utilizadas na investigação da performance das crianças autistas. Diversos estudos apontam significativo déficit na aquisição da TdM nestas crianças (Leslie e Frith, 1985; Peterson e Siegal,1995; Fernandes, 2002), e indicando que os quadros autistas poderiam ser resultantes da dificuldade dessas crianças na representação dos estados mentais (Leslie e Frith; 1988; Baron-Cohen et al, 1985, Fernandes, 2002).
Nos últimos dez anos, a TdM vem sendo objeto de diversos estudos envolvendo crianças surdas, discutindo a hipótese de que essas crianças apresentariam falha ou atraso na aquisição desta teoria.
Pioneiramente, Peterson e Siegal (1995) investigaram o desenvolvimento da TdM em um grupo de 26 crianças australianas surdas sinalizadoras, com inteligência normal, na idade de 8 a 13 anos. Os resultados indicaram que 65% dessas crianças falharam em simples provas envolvendo falsa-crença, nas quais tanto as crianças \"normais\" quanto as com retardo mental rotineiramente passam na idade mental de 4 a 5 anos.Conforme apontam os autores, um dos aspectos que justifica a falha na tarefa de TdM nas crianças surdas é a ausência ou exposição parcial à conversação. As conversas usualmente se referem a aspectos concretos e as crianças não são expostas em suas casas ao tipo de conversação espontânea, que parece estar associada com o desenvolvimento da TdM.
Inúmeros estudos derivaram a partir do trabalho de Peterson e Siegal (1995), ampliando a tentativa compreender a relação e o desenvolvimento da TdM em crianças surdas. De forma geral, estes estudos sugerem que as crianças surdas apresentam um atraso no desenvolvimento da TdM (Coutin e Melot, 1998; Russel et al., 1998, , Figueras-Costa e Harris, 2001;). Objetivo: Verificar o desempenho nas provas de TdM de crianças surdas, filhas de pais ouvintes.
Método
Este estudo integra o estudo 2 de uma tese de Doutorado, realizado com trinta crianças surdas, filhas de pais ouvintes, na faixa etária de 7 a 12 anos, usuárias da Libras e da Língua portuguesa na modalidade oral,. As crianças foram distribuídas em dois grupos: Grupo 1 idade média 7,6 anos; Grupo 2 idade média 11,9 anos). Para avaliação da TdM utilizou-se as provas de Fernandes (2002) de crença inferida, crença de outro, falsa crença explícita e falsa crença completa, adaptada para crianças surdas. Todos os sujeitos foram avaliados individualmente em uma sala grande silenciosa e bem iluminada. Duas pessoas participaram da avaliação: a criança e o examinador. A avaliação teve duração média de quinze minutos, sendo registrada em filmagens por meio de câmara filmadora JVC GR-AX10U. Cada gravação foi transcrita e os dados correspondentes foram registrados em um protocolo elaborado para especificamente este fim.
Resultado
Com relação à prova de TdM as crianças do grupo 1 realizaram a prova com menor freqüência do que as crianças do grupo 2 Esta diferença entre os grupos se mostrou estatisticamente significante.
Das crianças que realizaram as provas, nenhuma do grupo 1 (média 7,6 anos), passou na prova da TdM de falsa crença completa. Apenas três crianças surdas, filhas de pais ouvintes, do grupo 2 passaram na prova de TdM de falsa crença completa. De forma geral, as tarefas de CI e CO apresentaram maior percentual de repostas corretas.
Discussão
Os resultados obtidos nesta prova sugerem que (1) as crianças surdas, filhas de pais ouvintes que integraram este estudo apresentam um atraso na aquisição da TdM. Estes achados corroboram os estudos de Peterson e Siegal (1995 e 1999); (2) a maturação biológica interferiu na aquisição da TdM das crianças surdas filhas de pais ouvintes que participaram deste estudo. Somente as crianças de maior idade obtiveram bons resultados nas tarefas de falsa-crença. Este achado está de acordo com o trabalho de Figueras-Costa e Harris (2001) que relacionam um melhor desempenho na TdM das crianças surdas com o aumento da idade cronológica. (3) Há estreita relação entre competência lingüística e realização das tarefas de Teoria de mente. Quanto menor a competência lingüística, maior é a dificuldade para realização das provas. (4) Há uma tendência para a aquisição completa da habilidade de predizer o comportamento do outro baseado em uma falsa crença das crianças surdas, filhas de pais ouvintes, e, portanto na aquisição da TdM, conforme o aumento da faixa etária e/ou o aumento do domínio lingüístico. A realização correta das provas de CI e CO podem ser indicativas desta tendência.
Referência Bibiliográfica
BARON-COHEN, S. The autistic Childs theory of mind: a case of specific developmental delay. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 1985, 30, 285-298.
COURTIN, C.; MELOT, A-M. Development of theories of mind in deaf children p. 79-102In.: MARSCHARK, M.; CLARK, M.D. (eds.). Psychological Perspectives on Deafness. Vol. 2. Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, London, 1998.
FERNANDES, F.D.M; Atuação fonoaudiológica com crianças com transtornos do espectro autístico [Tese] São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002.
FIGUERAS-COSTA; B. HARRIS, P. Theory of mind development in deaf children: a nonverbal test of false-belief understanding. Journal of deaf Studies and deaf Education, 2001, 6(2), 92-102.
LESLIE, A.m.; FRITH, U. Autistic children\'s understanding of seeing, knowing and believing. British Journal of developmental psychology, 1988, 6, p. 315-324.
MILLER, C. A. False belief understanding in children with specific language impairment. Journal of Communication Disorders, 2001 (34), p. 73-86.
RUSSEL, P.A.; HOSIE, J.A.; GRAY, C.D.; SCOTT, C. HUNTER, N.; BANKS, J.S.; MACAULAY, M. C., Development of theory of mind in Deaf children. Journal of Child Psychology and Psychiatry. , 1998, 39(6), 903-910.
SPARREVOHN, R.; HOWIE, P.M. Theory of mind in children with autistic disorder: Evidence of developmental progression and the role of verbal ability. Journal of Child Psychology and Psychiatric 1995 36 (2) p. 249-263.
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