Código: PIV0392
ANÁLISE PERCEPTIVO-AUDITIVA E CARACTERIZAÇÃO DOS RECURSOS VOCAIS DE QUATRO ESTILOS DE LOCUÇÃO COMERCIAL
 
Autores: Marina Paoliello, Mara Behlau, Ana Cristina Côrtes Gama
Instituição: CENTRO DE ESTUDOS DA VOZ
 

INTRODUÇÃO

A propaganda engloba um conjunto de atividades e técnicas de persuasão, destinadas a influenciar opiniões e comportamentos, determinando valores e costumes de um determinado público. A voz e a fala se fazem presentes na maioria dos comerciais e, assim, muito da eficácia destas peças publicitárias se baseia no trabalho do locutor comercial.

Cada profissão possui um estilo próprio, uma maneira de expressar; esta opção tem um amplo poder intuitivo (1). Os traços e o perfil vocal preferido nestes profissionais é a qualidade vocal flexível e adaptada ao produto e ao público alvo, voz grave, fluida, velocidade de fala reduzida com pausas e articulação precisas (2,3,4,5). O locutor precisa convencer com sua voz e, por isso, em seu estilo deve transmitir credibilidade, sinceridade, deve ter capacidade de persuasão (6,7).

Diversos autores descreveram e estudaram os diferentes subgrupos de radialistas (8,9) e vários estudos traçam o perfil vocal dos locutores (10,11,12,13). Entretanto, neles não se encontra documentação, classificação e descrição dos diferentes estilos de locução comercial. Somente Borrego (14) citou dois estilos de locução comercial, clássico e varejão. A definição dos estilos de locução, dentro da locução publicitária, é uma tarefa difícil, uma vez que não existe nada documentado ou que, de alguma forma, classifique os estilos. O que existe é uma classificação intuitiva, baseada na prática (15).

Partiu-se da hipótese de que, locutores comerciais utilizam diferentes recursos vocais de acordo com o estilo de locução. Destacou-se, então, quatro grandes grupos de estilos e, em seguida, dentro de cada um, procurou-se encontrar variações significativas de recursos de voz e de fala que terminariam por definir, indiretamente, cada um dos respectivos estilos.



OBJETIVOS

O objetivo do presente trabalho é verificar se fonoaudiólogos categorizam os diferentes estilos de locução comercial, demonstrar quais destes estilos são mais facilmente identificáveis e quais os recursos de voz e de fala são característicos de cada um; por meio de uma análise perceptivo-auditiva das locuções demonstrativas do arquivo do Clube da Voz.



MÉTODOS

Foram utilizadas vinte locuções publicitárias produzidas pelo Clube da Voz, exemplos do repertório de vozes masculinas dos anos de 2000 a 2003, representativas de quatro estilos: clássico, caricato, varejo e interpretado, com cinco exemplos de cada. A utilização das vozes foi autorizada pelo Clube da Voz e o presente projeto foi aprovado pela Comissão de Ética da instituição em que foi desenvolvido. A escolha, nomeação e definição dos quatro estilos foi realizada por dois locutores integrantes do Clube da Voz e um diretor de som publicitário. O estilo clássico é o exemplo típico de locução, é a voz típica do locutor. Normalmente, é a assinatura ou fechamento do comercial, dependendo do cliente ou do clima do comercial. Pode ter pequenas variações de entonação, mas, normalmente, é usado um tom neutro e sem grandes modulações. A voz é quase sempre séria, impessoal. O estilo interpretado é a locução dita da maneira mais natural possível, bem modulada, como uma pessoa sem experiência e
conhecimento, faria. A mensagem pode ser transmitida de forma cantada, em diálogo, podendo ser quase uma poesia, etc. O estilo varejo é uma locução que deve transmitir pressa, tensão, ansiedade, como se fosse uma feira livre. Pode ser falado com seriedade ou com alegria; o objetivo é criar um clima de urgência no qual, se você não fizer isto ou aquilo, perderá uma grande oportunidade. Finalmente, o estilo denominado caricato é uma locução onde a mensagem é transmitida por uma voz engraçada, não esperada ou pela caricatura de alguma personalidade. Neste estilo de locução cabe qualquer recurso para dar ênfase à mensagem (cantar, fazer imitações, falar em outro idioma, etc).

As locuções foram analisadas por nove fonoaudiólogas com experiência em voz profissional e treinadas em análise perceptivo-auditiva, sendo sete delas especialistas em voz. O treinamento com as avaliadoras foi realizado por meio de outras 12 amostras identificadas e discriminadas nos quatro estilos, apresentadas seqüencialmente.

A seguir, outras vinte e quatro locuções gravadas em ordem aleatória foram apresentadas para que as avaliadoras realizassem a avaliação perceptivo-auditiva. Havia repetição de uma locução por estilo (20% desta amostra), para testar a confiabilidade das respostas intra-sujeito. As avaliadoras ouviram as locuções e após cada amostra, fazia-se uma pausa de 10 segundos para que assinalassem em uma folha de respostas o estilo identificado, fundamentando, em seguida, a(s) razão(ões) de sua seleção: tipo de voz, pitch, loudness, ressonância, articulação, velocidade de fala, ritmo, entonação, prolongamento de vogais e/ou pausas. Cada trecho foi escutado uma única vez, sendo apresentado simultaneamente a todas as avaliadoras em uma sala silenciosa, por meio de um microsystem marca PHILIPS AZ1050.

Para o levantamento dos dados obtidos foram consideradas, a identificação do estilo de cada locução e a escolha dos recursos que melhor caracterizavam aquele estilo. Para a realização das análises estatísticas dos resultados foram utilizados, porcentagem e o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 10.0, adotando o nível de significância de 5% (0,050) para a aplicação dos testes estatísticos. Foi também verificada a análise de confiabilidade intra-sujeito e de concordância inter-sujeitos. Foi considerado como boa confiabilidade intra-sujeito o nível de 75% de acerto, sendo eliminadas as avaliadoras que não atingiram esse critério.



RESULTADOS

Os resultados da análise auditiva dos quatro diferentes estilos de locução comercial encontram-se nas tabelas abaixo. Convém ressaltar que os resultados referem-se aos dados obtidos de sete avaliadoras, tendo sido excluídas duas com concordância intra-sujeito abaixo do critério estabelecido de 75%. A confiabilidade intra-sujeito foi de 100% em 5 avaliadoras e de 75% em 2 avaliadoras. A concordância inter-sujeitos para a identificação dos estilos foi de 87,14%.



Tabela 1 - DISTRIBUIÇÃO NUMÉRICA E PERCENTUAL REFERENTE AOS ACERTOS E ERROS DA IDENTIFICAÇÃO DOS ESTILOS DAS LOCUÇÕES

Estilos
Identificação dos Estilos
Acertos
Erros
Total
N
%
N
%
N
%
Varejo
33
94,3
2
5,7
35
100
Caricato
31
88,6
4
11,4
35
100
Clássico
29
82,9
6
17,1
35
100
Interpretado
29
82,9
6
17,1
35
100

A tabela 1 mostra que o estilo varejo foi o de mais fácil reconhecimento para as avaliadoras, seguido pelo caricato e pelos estilos clássico e interpretado. Este alto índice de acerto demonstra que existem diferentes estilos, facilmente identificáveis, dentro da locução comercial, o que reforça a importância deste conhecimento no desenvolvimento de um trabalho específico e direcionado para os locutores e alunos de locução.


Tabela 2 - DISTRIBUIÇÃO NUMÉRICA E PERCENTUAL DA IDENTIFICAÇÃO CORRETA DOS ESTILOS E DA IDENTIFICAÇÃO DE DIFERENTES ESTILOS

Estilos Apresentados
Estilos Identificados
Varejo
Caricato
Clássico
Interpretado
N
%
N
%
N
%
N
%
Varejo
33
94,3
0
0
0
0
2
5,7
Caricato
0
0
31
88,6
0
0
4
11,4
Clássico
0
0
0
0
29
82,9
6
17,1
Interpretado
0
0
2
5,7
4
11,4
29
82,9

A tabela 2 mostra que os estilos varejo, caricato e clássico, quando não foram considerados como tal, foram apenas entendidos como sendo o estilo interpretado; já o estilo interpretado quando não foi considerado como tal, foi entendido como sendo o estilo caricato ou clássico. Apesar desses erros de identificação, a estatística mostrou que existe uma relação significante entre os estilos apresentados e os estilos identificados.


Tabela 3 - RECURSOS VOCAIS SELECIONADOS NA IDENTIFICAÇÃO DE CADA ESTILO DE LOCUÇÃO

Recursos Vocais
Estilos Identificados Corretamente
Varejo
Caricato
Clássico
Interpretado
N
%
N
%
N
%
N
%
Tipos de Voz
4
12,1
19
61,3
9
31,0
7
24,1
Pitch
10
30,3
23
74,2
23
79,3
13
44,8
Loudness
9
27,3
0
0
0
0
0
0
Ressonância
12
36,4
13
41,9
6
20,7
7
24,1
Articulação
4
12,1
7
22,6
6
20,7
2
6,9
Velocidade de fala
25
75,8
10
32,3
10
34,5
12
41,4
Ritmo
18
54,6
13
41,9
8
27,6
16
55,2
Entonação
20
60,6
24
77,4
17
58,6
25
86,2
Prolongamento de vogais
4
12,1
6
19,4
8
27,6
12
41,4
Pausas
0
0
5
16,1
11
37,9
11
37,9




A análise dos resultados da tabela 3 mostra que os recursos vocais selecionados variaram de acordo com o estilo de locução. A velocidade de fala, entonação e ritmo foram os recursos vocais mais marcantes do estilo varejo, já o estilo caricato caracterizou-se pela entonação, seguido pelo pitch e tipo de voz; enquanto o clássico pelo pitch, entonação e pausas; por fim, o estilo interpretado foi caracterizado pela entonação, ritmo e pitch. Vale ressaltar que a loudness foi característica apenas no estilo varejo.

CONCLUSÕES

A partir da análise perceptivo-auditiva de vinte amostras de quatro diferentes estilos de locução comercial, foi possível verificar que há diferenças observáveis nos quatro estilos classificados como: varejo, caricato, interpretado e clássico, com baixa ocorrência de erros de identificação.

Os recursos utilizados pelos locutores em cada um dos estilos permitiram sua identificação, com mínima porcentagem de erro e com caracterização diferenciada: o estilo caricato caracteriza-se, primordialmente pela entonação, pitch e tipo de voz; o estilo clássico pelo pitch, entonação e pausa; já o estilo interpretado pela entonação, ritmo e pitch; e, finalmente, o estilo varejo foi caracterizado pela velocidade de fala, entonação e ritmo, sendo que, a loudness foi característica apenas neste estilo.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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6.Gallois S, Callan VJ. Decoding Emotional Messages: Influence of Ethnicity, Sex, Message Type, and Channel. Journal of Personality and Social Psychology; 1986.
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13.Penteado RZ. Comunicação Mediática e o Uso Profissional da Voz: caracterização vocal de locuções publicitárias. In: Marchesan IQ, Zorzi JL, Gomes ICD. Tópicos em Fonoaudiologia 1997/1998. São Paulo: Lovise; 1998: 597-618.
14.Borrego MCM. Expressividade no Rádio. In: Kyrillos, LR. Expressividade: Da Teoria à Prática. Rio de Janeiro: Revinter; 2005:149-160.
15.Medrado RB. Locução publicitária: análise perceptivo-auditiva e acústica de recursos vocais [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2002.
 
Contato: marinapaoliello@hotmail.com
 

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