Código: PIL0633
O PAPEL DO DESENHO NA CLÍNICA FONOAUDILÓGICA: PROFISSIONAIS FALAM DE SUA PRÁTICA |
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Autores: Karen Fontes Luchesi, Lucia Helena Reily |
Instituição: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP |
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Introdução
A fonoaudiologia se interessa especialmente pelo desenvolvimento da linguagem na criança; sabemos que atividades simbólicas, como o desenho, favorecem esse desenvolvimento, atuando como mediadores das funções psicológicas (Araújo, 2002). O desenho contribui para o desenvolvimento da linguagem oral, visto que oportuniza a construção de narrativas importantes para sua estruturação, segundo Lacerda (1995).
O desenho provoca determinadas verbalizações, enquanto está sendo produzido, e a fala promove uma série de marcas gráficas, afirma Silva (2000), que estudou o processo de produção de desenhos em pré-escolares. Linguagem verbal e desenho estão ligados de múltiplas maneiras, reveladas no decorrer da atividade gráfica. Geralmente a criança fala quase o tempo todo enquanto desenha, e o faz de diversas formas. A fala é também construtora do desenho; muitos detalhes gráficos são verbais, unidos e encadeados apenas oralmente. Em algumas ocasiões, ao invés de apenas nomear os elementos isolados, as crianças contam pequenas histórias a partir dos desenhos, unindo as figuras representadas no papel.
Além de contribuir para o desenvolvimento da linguagem oral alguns autores, como Vygotsky e Emília Ferreiro, concebem o desenho como um estágio preliminar no desenvolvimento da escrita. Cabe lembrar que a fonoaudiologia se interessa não apenas pela linguagem oral como também pela escrita da criança.
Sabe-se que as crianças desenham no contexto da clínica fonoaudiológica, porém essa produção não tem recebido a atenção merecida, uma vez que, na literatura fonoaudiológica, o desenho é pouco tematizado. Ele pode ser visto como atividade lúdica e prazerosa; em alguns casos, é compreendido como facilitador da interação do terapeuta com a criança, mas raramente como recurso terapêutico genuíno (Araújo, 2002).
Há autores que apresentam a possibilidade de utilizar os desenhos produzidos pelas crianças como parte da avaliação fonoaudiológica, assim os dados colhidos podem auxiliar na compreensão e andamento dos casos (Rahal e Rolim, 1999).
Dentre as formas de uso do desenho, muitas vezes são propostos desenhos prontos. Essa prática é veementemente criticada por profissionais do ensino da arte, como Lowenfeld e Brittain (1977) e Kellogg (1969). Alguns adultos acreditam que o desenho da criança deve ajustar-se a modelos preconcebidos com proporções e esquemas figurativos estereotipados, por isso oferecem desenhos prontos para pintar ou “completar”. Há também os tradicionais desenhos destinados a datas comemorativas, cujos modelos atravessam gerações. Muitas vezes não é permitido à criança expressar-se legitimamente, dentro das possibilidades do comportamento infantil. Para que sua produção seja considerada “bonita” ou “adequada” deve seguir o padrão estabelecido pelo adulto.
Do ponto de vista dos professores de arte, bem como de psicólogos escolares, os desenhos prontos são prejudiciais e podem levar à limitação do potencial criativo e expressivo da criança. “Depois de ver tanto patinho e coelhinho tão bonitinhos que a ‘tia’ lhe deu pra colorir, ela não tem mais confiança para tentar fazer os rabiscos do seu jeito, que afinal têm muito mais graça do que qualquer desenho comercializado” (Reily, 1989, p.58). Ela pode deixar de desenhar, para não correr o risco de frustrar as expectativas do adulto, quando apenas determinado tipo de desenho é permitido ou valorizado (Silva, 2002).
Araújo (2002) ressalta a importância de estudos sobre a relação entre desenho e interesses fonoaudiológicos, uma vez que há poucas publicações nesta aérea. “O desdobramento de estudos sobre o tema fará com que futuras transformações prosperem, propiciando profundidade ao olhar da prática terapêutica”. (p.84)
Objetivos
Embora não haja estudos estimativos a respeito, sabe-se que fonoaudiólogos tendem a utilizar desenhos em sua prática. Sendo assim, o presente trabalho buscou informações sobre o uso do desenho na clínica fonoaudiológica com crianças. Procurou saber quais são os tipos de atividades artísticas utilizadas por esses profissionais; se usam e porque usam desenhos prontos e se conhecem as críticas feitas por profissionais de arte-educação a esse respeito. A pesquisa também discutiu o conteúdo relacionado ao desenho que é trabalhado na formação do fonoaudiólogo e levantou possibilidades de atividades envolvendo arte/artesanato projetadas para o contexto da clínica fonoaudiológica, contribuindo para o desenvolvimento da criatividade infantil.
Método
Neste estudo, foram entrevistados cinco fonoaudiólogos de clínicas particulares, docentes e alunos de três cursos de graduação (Unicamp, Unimep e Puc-Campinas), sendo dois docentes e um aluno de quarto ano de cada curso de fonoaudiologia. Para as entrevistas foi elaborado um roteiro parcialmente dirigido. Foram coletados dados sobre atuação clínica, currículo da universidade, aspectos teóricos relevantes a respeito do desenvolvimento gráfico, concepções de criatividade e desenho infantil. As entrevistas tiveram duração de aproximadamente 45 minutos e foram gravadas em fita magnética e transcritas para análise dos dados.
A análise foi realizada com base nas seguintes categorias: abordagem teórica; concepção de criatividade; concepção de desenvolvimento gráfico; funções do desenho na clínica; atividades artísticas utilizadas; justificativa para uso de desenhos prontos e livres; formas de adaptação do desenho a cada paciente; formas de interpretação do desenho; conhecimento a respeito do desenho obtido durante a graduação; atividades terapêuticas que necessitam de motivação especial; atividades sugeridas.
As respostas também foram estudadas para diferenciar ou não concepções de profissionais atuantes em contexto clínico versus acadêmico e as propostas de formação das três universidades, segundo visão de alunos e professores. Além disso, foi investigada a coerência entre concepções de desenho e literatura sobre o desenho infantil citada pelos entrevistados.
Resultados
Quanto ao uso do desenho pelos entrevistados, apenas um dos profissionais procurados afirmou desconhecer o trabalho com esse tipo de atividade na clínica fonoaudiológica. Os demais utilizam desenho e consideram-no importante na prática com crianças.
Alguns entrevistados concebem o desenho como uma atividade simbólica, representativa de sentimentos, emoções e experiências tanto concretas quanto imaginárias. Outros vêem-no somente como atividade lúdica motivadora no contexto terapêutico.
A maioria dos fonoaudiólogos usa o desenho tanto na avaliação como na terapia. Em avaliação é utilizado com o intuito de conhecer a respeito dos aspectos emocionais, motores e cognitivos da criança e de aproximá-la do terapeuta. Em terapia o desenho assume diversos papéis, desde construtor dos conceitos de esquema corporal e espacial até auxiliar em exercícios de motricidade oral e voz.
Quanto à função do desenho na clínica, seu uso foi predominante no trabalho com linguagem oral e escrita (falar enquanto está desenhando, falar e/ou escrever sobre o que desenhou, desenhar sobre o tema da conversação, sobre o que o leu etc).
No momento de interpretar o desenho da criança os profissionais disseram ficar atentos a organização das marcas na folha (espaço preenchido, direção da folha); às cores usadas (grande parte acredita que devam corresponder ao objeto real); ao desenho da figura humana (alguns acreditam que a ausência de membros ou desproporção marcante é significativa de atraso ou problemas emocionais); fazer comparações do traçado da criança com dados psicométricos sobre a norma esperada para o desenvolvimento gráfico; avaliar a relação entre nível lingüístico e produção gráfica. É importante ressaltar que alguns entrevistados não souberam verbalizar quais aspectos avaliavam no desenho.
A análise dos dados indicou várias tendências quanto ao uso do desenho pronto. Aproximadamente metade dos entrevistados disse usar esse tipo de desenho para avaliar e trabalhar coordenação motora e/ou cores. Alguns não tinham clara a finalidade para que o utilizavam. Os mesmos entrevistados que disseram usar desenhos prontos relataram que a maioria das crianças prefere o desenho livre e parece mais atenta em sua produção. Dentre os modelos utilizados estão os de datas comemorativas, revistinhas para colorir, e desenhos para ligar pontos.
Encontrou-se de um lado, profissionais com um repertório limitado de opções para o trabalho com desenho, e de outro, evidência da busca de formas criativas para trabalhar a imagem e a produção gráfica na clínica.
Grande maioria dos entrevistados relatou não ter recebido base teórica a respeito do desenho na graduação. O que sabem atualmente advém de leitura e experiência prática. Referiram a necessidade do fonoaudiólogo em conhecer mais os fundamentos teóricos do desenho, dado a freqüência com que é utilizado. Também referiram que a pequena quantidade de publicações a respeito do desenho na literatura fonoaudiológica, restringe a aquisição de conhecimento específico.
Quanto ao conteúdo correspondente ao desenho fornecido aos graduandos, constatou-se que os dados obtidos no presente estudo foram insuficientes para que conclusões fossem obtidas a respeito das diferenças entre universidades.
Também não foi possível verificar a coerência entre concepções de desenho e literatura sobre o desenho infantil porque foram poucos os entrevistados que souberam citar nomes de autores.
Conclusões
A partir dos dados coletados foi elaborado um material em CD-ROM, trazendo os resultados da pesquisa, uma reflexão sobre o uso do desenho na prática fonoaudiológica e um conjunto de 20 sugestões de atividades artísticas alternativas à utilização de desenhos prontos. Na composição desse conjunto de atividades, cabe ressaltar a contribuição das sugestões oferecidas pelos entrevistados. Esse material foi oferecido gratuitamente aos participantes da pesquisa, e será disponibilizado aos interessados.
É preciso que a graduação em fonoaudiologia amplie os estudos a respeito do grafismo infantil, a fim de capacitar os alunos a procurarem referências de qualidade quanto ao desenho infantil. Dado a imensa riqueza que há na criação da criança, não basta que o desenho seja utilizado como atividade lúdica ou maturacionista. |
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ARAÚJO, C. C. M. Linguagem e desenho: uma parceria promissora na clínica fonoaudiológica. 2002. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas/SP.
KELLOGG, R. Analyzing children’s art. Palo Alto, California: National Press Books, 1969.
LACERDA, C. B. F. de. Inter-relação entre oralidade, desenho e escrita: o processo de construção do conhecimento. São Paulo/SP: Robe Editorial/Cabral Editora, 1995.
LOWENFELD, V. & BRITTAIN, W. L. Desenvolvimento da capacidade criadora. Tradução: Alvaro Cabral. São Paulo/SP: Metre Jou, 1977.
RAHAL, A.; ROLIM, D. B. Desenho infantil e sua aplicação na avaliação fonoaudiológica. Revista Cefac – Atualização científica em fonoaudiologia. Rio de Janeiro, volume 1, número 1, p. 1-7, 1999.
REILY, L. H.,Os usos da arte na pré-escola: alternativas. IN: CAMARGO, L. (org.). Arte-Educação da pré-escola à universidade. 1°edição. São Paulo/SP: Nobel, 1989.
SILVA, S. M. C. da. A constituição Social do Desenho da Criança. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2002. |
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Contato: karenluchesi@yahoo.com.br |
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