GAGUEIRA: ENFOQUE PSICOSSOCIAL |
Silvia Friedman
Coordenador(a) |
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O objetivo desta mesa é abordar a compreensão da gagueira e de seu tratamento dentro da perspectiva dialética histórica de produção de conhecimento. Para situar essa perspectiva, começamos por considerar que a relação entre o pesquisador e a realidade que pretende estudar não é direta, ou seja, o pesquisador precisa sempre definir o modo por meio do qual olhará para a realidade de seu interesse. Sendo assim, entre o pesquisador e realidade que pretende estudar existe sempre um modelo, um modo de olhar para seu objeto de estudo, sendo que os diferentes modelos são conhecidos como os paradigmas da ciência.
Se olhar para a realidade depende sempre de um modelo, é fácil entender que cada modo de olhar sempre produzirá alguma deformação sobre a realidade olhada. Os dois grandes modelos ou paradigmas que marcam a produção do conhecimento científico hoje são o positivista e o dialético histórico.
O primeiro é históricamente o mais antigo na ciência ocidental e, por isso, mais largamente empregado e aceito. É ele quem marca todo nosso processo de edução formal, seja no âmbito do ensino de primeiro e segundo graus, seja no do ensino universitário. Nessa condição, muitos universitários conhecem apenas essa forma de produzir conhecimento e, por isso, supõe que seja a única.
Para entender, em linhas gerais, o que distingue um modelo do outro no modo de produzir conhecimento, temos que a proposta positivista sustenta que a realidade complexa deve ser dividida em partes mais simples para poder ser adequadamente estudado, tornando assim essa realidade ascessível e compreensível. Acredita que a soma das partes é igual ao todo, de modo que por meio da soma das parcelas de conhecimento obtido o todo pode ser reconstruído. Essa forma de abordar a realidade permite a criação de espécies, tipos, gêneros, classes e possibilita uma visão quantitativa dos fatos.
A perspectiva dialético histórica se distingue da primeira, porque acredita que a soma das partes não é igual ao todo e que o estudo de uma realidade complexa em suas partes isolodas, mesmo que posteriormente somadas, promove excessiva deformação na sua compreensão. Por essa razão estuda processos de constiuição de fenômenos, procurando apreender e compreender como a ação recíproca entre diferentes aspectos da realidade concorrem para a sua constituição. Essa forma de abordar a realidade permite a criação de descrições qualitativas.
A fala, dentro da perspectiva dialético histórica, é apreendida como realidade complexa que, para se efetuar, envolve a articulação de, no mínimo, três aspectos: o orgânico, o psíquico e sócio cultural. Nessa medida, a fala não é vista separada de linguagem, mas antes como linguagem prática, linguagem manifestada, linguagem em ação.
A gagueira, por sua vez, entendida com uma forma de produção de fala, é explicada por meio da articulação entre os três aspectos mencionados, sendo que existe mais de uma explicação a seu respeito na verternte dialético histórica, como é o caso da explicação lingüístico discursiva, da psicanalítica e da psicossocial. Essas compreensões, mais do que antagonismos apresentam pontos de concordância e coerência, como acredito as apresentações das colegas Nadia Azevedo e Polyana Silva de Oliveira poderão mostrar.
Para estabelecer essas pontes apresento sucintamente a compreensão de gagueira na qual tenho trabalhado e que pertence à vertente psicossocial. Ela se organiza a partir da visão de que a fala é, como dissemos, um contecimento complexo. Complexo porque se efetua na dialética entre o organismo, o psiquismo e a sociedade/cultura, de tal forma que, sob diferentes condições pessoais e dentro de diferentes contextos sociais pode se produzir de forma mais ou menos fluente. Isso significa que o falar é entendido como dinâmica singular entre fluir e disfluir. Singular, porque varia de falante para falante, assim como também pode variar para um único falante em diferentes momentos.
A essa visão de fala articula-se a visão da ideologia do bem falar que circula no imaginário social. Sua principal característica é a crença de que a fala normal é dotada de fluência absoluta e de que a disfluência, especialmente a que se manifesta na infância, é problema que deve ser combatido.
Fazendo confluir essas duas visões entendemos a presença de não aceitação de padrões naturais de fala, especialmente no que diz respeito à fala infantil e o efeito de desorganização que essa não aceitação pode gerar na capacidade espontanea de falar, conforme demonstraram nossas pesquisas.
Desse modo, mostramos que a não aceitação do padrão de fala espontâneo de um falante, o coloca numa condição subjetiva paradoxal em relação a sua fala, porque não sabe falar de outro modo que não o que lhe é espontâneo; porque, ao mesmo tempo deixa de se sentir à vontade para continuar falando desse modo na medida em porque foi rejeitado e, ainda, poruq não pode abandonar a situação de fala já que interlocutor que o rejeitou tem expectativas de ele fale de outro modo.
Essa condição subjetiva revelou ser geradora de tensões para falar e, nessa medita, ser auto mantenedora de si, porque gera mais não aceitação da parte do outro.
Essa condição subjetiva ainda, revou-se potencialmente geradora de uma imagem estigmatizada de falante, que desloca a não aceitação do outro, para auto não aceitação e engendra, como solução, a antecipação dos momentos de gagueira para tentar evitá-los. Isso permite que a produção da fala se cristalizare num padrão marcado por esforços e tensões constantes, geradores de mais antecipações para evitá-los e consequentemente de mais tensões.
Mostramos assim condições socio culturais (ideologia do bem falar e não aceitação do padrão espontâneo de fala) geradoras de condições subjetivas (imagem estigmatizada de falante e antecipação da gagueira para tentar falar bem), que alteram o funcionamento do organismo para falar, constituindo a forma sofrida de falar conhecida como gagueira.
A pesquisa de Azevedo traz interessantes contribuições a respeito do sentido (momento de subjetivação) e do porquê (auto correções) da disfluência infantil; a respeito do efeito da interpretação dessa disfluência como gaga sobre o falante (não aceitação e imagem de mau falante); bem com a respeito de um aprofundamento da compreensão sobre o paradoxo em que a fala fica lançada. (noção da fala com saber que não se sabe).
O trabalho de Oliveira traz interessantes contribuições sobre a natureza do trabalho clínico terapêutico com gagueira na vertente dialético histórica e, em especial, sobre a forma que esse trabalho pode assumir com crianças, tendo por instrumento o livro infantil.
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Contato: silfriedman@terra.com.br |
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