A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELOS CIDADÃOS: O CASO DO DISTÚRBIO DA VOZ RELACIONADO AO TRABALHO
Márcia Tiveron de Souza
Palestrante
 
Resumo: Relato de elaboração de texto técnico que deve subsidiar as ações oficiais do INSS e do Ministério da Saúde no campo do Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho. A Saúde do Trabalhador é a área da Saúde Pública que tem como objeto de estudo e intervenção as relações entre o trabalho e a saúde. Seus objetivos são a promoção da saúde, a prevenção dos agravos à saúde do trabalhador e a organização e prestação de assistência aos trabalhadores. Seus pressupostos são que a saúde é determinada pelos condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais e que os trabalhadores são, individual e coletivamente nas instituições, partícipes das ações de saúde. As ações desenvolvidas para alcançar os objetivos propostos são a definição e implantação de estratégias e metas para reduzir as doenças e acidentes, articulado à rede SUS, a criação de referências municipais e regionais em Saúde do Trabalhador, por meio de capacitação da rede SUS, a cooperação técnica aos municípios e a elaboração de NormasTécnicas. Considerando a importância das questões relacionadas à utilização da voz enquanto instrumento de trabalho, foi formada uma comissão para a elaboração de um documento técnico a ser encaminhado para o Ministério da Saúde e para o Instituo Nacional de Seguridade Social (INSS). O objetivo é normatizar as ações relacionadas ao diagnóstico, prevenção, tratamento e reabilitação dos portadores de distúrbios da voz relacionados ao trabalho. Várias instituições foram convidadas a participar da Comissão, considerando-se importante não só o conteúdo técnico, como também a vivência dos profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho. As instituições foram: SBFa, CRFa, DESAT/PMSP, HSPM/PMSP, PUC/Grupo de Voz, Sindicatos, Ministério da Previdência Social, Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho, ANAMT, SBLV, SBORL, HSPE e Centros de Referência em Saúde do Trabalhador. O documento foi redigido seguindo o modelo do Manual de Doenças Relacionadas ao Trabalho, do Ministério da Saúde (2001), organizado com a seguinte estrutura: SEÇÃO I 1. Introdução 2. Definição da doença/ descrição 3. Epidemiologia 4. Fatores de risco de natureza ocupacional conhecidos 5. Fatores de risco de natureza não-ocupacional conhecidos 6. Quadro clínico e diagnóstico 7. Tratamento e reabilitação 8. Prevenção e proteção 9. Notificação SEÇÃO II Procedimentos Administrativos e Periciais para Avaliação da Incapacidade Laborativa Na introdução foi apresentada a definição de disfonia como qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz (Behlau e Pontes, 1995), sendo classificada em orgânica, funcional e organofuncional. Na seqüência, a VOZ PROFISSIONAL é conceituada como uma forma de comunicação oral utilizada por indivíduos que dela dependem para exercer sua atividade ocupacional (Pró-Consenso Voz Profissional, 2002). Ela pode ser classificada por categoria profissional e ambiente de trabalho (Ferreira, 1998), demanda vocal e impacto da disfonia na execução da atividade (Koufman e Isacson, 1991) ou por demanda, requinte, dependência e repercussão no trabalho (Costa 2000). A partir dessa definição inicial, foi apresentado o DISTÚRBIO DA VOZ RELACIONADO AO TRABALHO como qualquer alteração vocal diretamente relacionada ao uso da voz durante a atividade profissional que diminua, comprometa ou impeça a atuação e/ou a comunicação do trabalhador. Os fatores ambientais e organizacionais atuam como fatores de risco para o desenvolvimento da doença, que freqüentemente ocasiona incapacidade laboral temporária. Pode ou não haver lesão histológica nas pregas vocais secundária ao uso vocal. Procurou-se justificar a relevância do tema, apresentando dados de prevalência do agravo em professores: 54% a 79,6% de queixas relacionadas à voz (SESI, 2000;Simões 2001; Zanon, 2001; Alves, 2002; Lima, 2002; Ferreira et al 2003) e 97% das readaptações funcionais por distúrbios da voz estão concentradas entre as profissões relacionadas ao ensino (Carneiro, 2003). Outra importante categoria profissional afetada é a de Operadores de telemarketing, vários estudos apontam queixas importantes como ressecamento na garganta, cansaço ao falar, rouquidão, perda da voz, falta de ar, tosse constante, dor ao falar e ao engolir (Algodoal, 1995); tensões musculares (Quinteiro, 1997; Junqueira Alloza e Salzstein, 1998). Um importante diferencial do documento é a consideração dos fatores organizacionais - jornada de trabalho prolongada; acúmulo de atividades; demanda vocal excessiva, ausência de pausas, etc., além dos fatores ambientais – físicos, químicos e ergonômicos, alterações advindas da idade, alergias, infecções de VAS, influências hormonais, medicações, tabagismo, etilismo e falta de hidratação. O refluxo gastroesofágico é também citado como importante na definição do diagnóstico (Boone, 1994). É fundamental constar num documento deste tipo, que na presença de um fator não ocupacional, para este ser significativo como causa, são necessárias intensidade e freqüência similar àquela dos fatores ocupacionais conhecidos. O achado de uma doença não ocupacional não descarta a existência concomitante do distúrbio da voz relacionado ao trabalho. O estabelecimento do diagnóstico está condicionado aos procedimentos de levantamento da história ocupacional, clínica e epidemiológica do paciente e da empresa, conhecimento das condições e fatores de risco ambientais e organizacionais do trabalho, avaliação clínica, de laringe e outros exames complementares, avaliação fonoaudiológica incluindo exame funcional da voz e o levantamento de comportamentos e hábitos relevantes. É evidenciada no documento a importância da realização do diagnóstico precoce, das ações coletivas relacionadas ao ambiente e à organização do trabalho e da instalação de um Programa de Tratamento e Reabilitação, envolvendo equipe multidisciplinar. Havendo suspeita de diagnóstico de distúrbio da voz relacionado ao trabalho deve ser emitida a CAT Comunicação de Acidente de Trabalho, instrumento do INSS e do SUS para o desencadeamento de ações que garantam os direitos dos trabalhadores acometidos, assim como de ações de vigilância que avaliem as condições de trabalho e indiquem as modificações necessárias. Esse documento foi encaminhado ao Ministério da Saúde e ao INSS e, a Comissão está tentando acompanhar seu caminho burocrático e político rumo à publicação oficial. A elaboração de um documento técnico por vários profissionais é um processo difícil, pois depende da discussão, acordo e às vezes desacordo, que levará a um texto final. O resultado é um texto que procura não ser polêmico, trazendo questões já conhecidas da comunidade científica e consideradas importantes pelos trabalhadores. É uma importante experiência e exemplo da construção de políticas públicas que se originam de uma demanda dos interessados, quais sejam, os técnicos da área e os trabalhadores. Cabe ao serviço público organizar essas iniciativas e acompanha-las, para que não se percam e possam produzir frutos. Os profissionais de saúde não devem eximir-se de suas responsabilidades junto aos pacientes e, quando estamos diante de uma doença evitável, é fundamental que possamos orienta-los em relação a nocividade do trabalho e encaminha-lo a serviços especializados.
 
Contato: marcia.tiveron@gmail.com
 

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