Código: PIL1057
ANÁLISE DA NARRATIVA ESCRITA DE AFÁSICOS, PARTICIPANTES DO PROJETO SÓCIO-CIENTÍFICO CULTURAL DE INCLUSÃO SOCIAL PARA PORTADORES DE PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS
 
Autores: Elba Cavalcanti Manzi, Maria Lúcia Gurgel da Costa, Thais Gusmão Moreira da Silva
Instituição: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
 
Em uma sociedade letrada, como a nossa, a linguagem escrita apresenta-se como familiar e de uso fácil. Trabalhos como os de Tfouni (1993) discutem em que sentido a escrita aparece como possibilidade ou exigência de comunicação, dados certos contextos sócio-econômicos-culturais.A afasia é entendida classicamente como qualquer comprometimento do sistema nervoso central que leve a alterações no sistema lingüístico, já Fonseca (1995) refuta esta visão, baseada nas deficiências lingüísticas, apontando que “a afasia é a linguagem em funcionamento”, entendendo linguagem como uma estrutura complexa que vai além do simples ato verbal; como um processo ativo que envolve uma partilha constante entre interlocutores e que não se encerra pela supressão do falar.Não é de hoje que se procura compreender os distúrbios da leitura e da escrita nos afásicos. Há, na literatura, uma vasta classificação desses distúrbios e a constatação que a
afasia compromete a linguagem gestual, oral e a escrita, variando de grau de sujeito para sujeito. Esta pesquisa teve como objetivo investigar o uso da escrita, junto aos portadores de afasia, através de atividades relacionadas à produção da escrita, identificando a escrita como um processo alternativo de comunicação para esses sujeitos. Foi realizada em uma Instituição de Ensino Superior e teve como sujeitos adultos afásicos alfabetizados que freqüentam o grupo de convivência para portadores de doenças neurológicas desta IES.Constitui-se como um estudo descritivo apoiado em observações, entrevistas e no atendimento quinzenal de adultos afásicos alfabetizados.O pesquisador registrou cada encontro em um diário de campo.A linguagem é o lugar da ideologia afinal ela só existe se lhe atribuem significado. A palavra inexiste até que lhe seja atribuído significado, e o significado é arbitrário, não existe uma relação com o concreto que possa explicá-lo, ou seja, a palavra existe de
acordo com o significado atribuído, a escolha fonética, é arbitrária. Sendo que a palavra em si é polissêmica guardando em si diferentes significados: “toda palavra da lingüística não tem um único significado, ela é um tema, com vários significados que a ela foram incorporados. Não existe autoria total, o falante guarda em si diversos autores anteriores que permutaram consigo diferentes interlocuções, ao produzir o discurso oral são trazidas falas que vêm impregnadas de ideologia, ela vai explicitar valores e culturas, na linguagem e na língua guardam-se as produções de milhares de falantes” (BURKE). Não existe uma escrita descontextualizada, assim como não existe fala descontextualizada, a produção só existe enquanto sentido se entendida dentro de um contexto, o que também não garante que a interpretação dada ao que se produz corresponda a feita pelo que interpreta a produção. É aí que reside a importância de entender a produção em uso e não desconfigurada de seu contexto. É
preciso ater-se ao estudo da linguagem não apenas aos seus traços sintático-semantico-léxico-fonêmicos, é preciso estar atento aos traços supra-segmentais, e aos discursos subliminares presentes no discurso, à polifonia do discurso. É nessa polifonia que as relações de poder se estabelecem. Autores como Santana (2001) e Coudry (1988) comentam que o processo que envolve um sujeito com manifestações afásicas vai além da “simples” perda ou alteração da fala, atinge diretamente o lugar social ocupado por este sujeito, trazendo a tona situações fronteiriças que colocam o sujeito diante de aspectos áridos, que envolvem seu contexto familiar, afetivo, profissional, social, e sua auto-imagem, fundamentais na autoria de um discurso.Diante do que foi discutido, justifica-se o desenvolvimento desse trabalho, pois procurou mostrar o avanço dos aspectos relevantes para a comunicação e a influencia desses aspectos nas produções escritas desses sujeitos afásicos e contribuir com estudos
fonoaudiológicos nessa área. Metodologia: trata-se de um estudo descritivo apoiado em observações, entrevistas e atendimentos individuais com 5 adultos alfabetizados portadores de afasia em oficinas de leitura/escrita. Inicialmente foi feita a seleção dos sujeitos da pesquisa entre os afásicos que freqüentam o grupo de convivência para portadores de doenças neurológicas da Universidade Católica de Pernambuco, onde foi realizada a pesquisa. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: Ser adulto, alfabetizado e afásico; freqüentar o grupo de convivência para portadores de doenças neurológicas; não possuir déficit auditivo relevante, deficiência mental ou distúrbio psicológico grave.Após a seleção, realizou-se uma entrevista com os familiares dos sujeitos da pesquisa. Em seguida, procedeu-se uma avaliação para determinar o tipo de afasia de cada sujeito e outra da sua linguagem oral e escrita. Foram avaliadas as várias nuances que envolvem as questões orgânicas, funcionais e
sociais desses sujeitos que vivem a experiência da afasia, para a construção de ações que poderiam beneficiar os sujeitos e, indiretamente, aqueles que estavam a eles relacionados. Realizaram-se atendimentos quinzenais individuais, com duração de, aproximadamente, quarenta minutos, onde foram estimulados e desenvolvidos os processos de comunicação dos sujeitos da pesquisa, mediados pela escrita e encontros mensais com os familiares dos afásicos com a finalidade de obter-se informações a respeito das possíveis mudanças na integração social e na qualidade comunicativa daqueles. O aluno pesquisador organizou um diário de campo onde foram registrados os atendimentos e os encontros com os familiares dos sujeitos da pesquisa. Foram utilizados, também, os materiais a seguir: Gravador, filme e/ou fotografia, câmera fotográfica, filmadora, papel A4, tinta impressora, testes específicos e cadernos para anotações do aluno pesquisador.As anotações do diário de campo, os relatos dos
atendimentos e os dados das entrevistas nortearam as discussões, o desenvolvimento das reflexões e análises da pesquisa, que foi desenvolvida à partir da proposta de análise qualitativa dos dados.Resultados e Discussão: Os dados coletados apontaram para a importância de conhecer o funcionamento da escrita em sujeitos afásicos e despertaram reflexões que seguem abaixo.Autores como Tfouni (1993) discutem em que sentido a produção da escrita aparece como possibilidade e exigência de comunicação dados certos contextos sócio-econômicos culturais. Contudo, os dados colhidos nas entrevistas revelaram que apenas um sujeito voltou a utilizá-la como meio de comunicação após o acometimento da afasia.Um outro sujeito apresentou um significativo avanço na produção da escrita, porém apresenta uma grande dificuldade motora, o que dificulta a coordenação motora no ato da escrita.A avaliação revelou que um dos sujeitos é capaz de fazer uso da mão direita (utilizada antes do acometimento cerebral)
para escrever, apresentando letra legível, mas um pouco trêmula, com ortografia razoável e capacidade de elaborar frases isoladas.Quanto à linguagem oral desse mesmo sujeito, não foi observado tal progresso significativo. Os outros sujeitos apresentam dificuldade motora à direita, necessitando utilizar a mão esquerda para a escrita. São capazes de escrever apenas o próprio nome.E em um desses sujeitos,com grave comprometimento motor e linguístico, a produção da escrita só se deu através da copia. Os afásicos da pesquisa demonstraram significativa dificuldade em elaborar textos, com exceção de um sujeito que apresentou uma razoável elaboração do texto, destaca-se a grande a motivação deste para tal. A metodologia empregada nas oficinas de leitura/escrita foi fundamentada em Santana (2002) e Limonge(2004), defendendo a importância de atividades de leitura e a escrita contextualizadas e portanto significativas para seus usuários. As atividades propostas voltavam-se ao interesse do
sujeito, tais como: fazer lista de compras, escrever cartas ou bilhetes, receitas culinárias, priorizando sempre o incentivo à criatividade e o uso de expressões do seu dia-a-dia. Ao apresentar alguma dificuldade o interlocutor buscava auxiliar sugerindo alguma palavra ou letra (oralmente ou visualmente), utilizando como apoio uma prancha com o ABCdário. Enfim, o terapeuta participou como co-autor dos textos escritos pelo afásico. Através da vivência com as situações significativas da linguagem escrita, visualizou-se a re-apropriação da linguagem escrita pelos sujeitos.Ao terapeuta coube o papel de interlocutor privilegiado, compreendendo as dificuldades, analisando os processos de leitura e escrita e propondo meios alternativos para superá-las. Estabeleceu atividades, completou lacunas discursivas, interpretou gestos, expressões corporais e faciais, já que esses aspectos mostraram-se importantes para que o sujeito com afasia continuasse sendo um sujeito da/na linguagem,
participando de diálogos, lendo e escrevendo, apesar de suas dificuldades. Os resultados apresentados até o momento indicam avanços discretos, porém, significativos em relação ao processo na produção da escrita e de sua linguagem oral. Observou-se melhora da auto-imagem dos sujeitos e das relações com seus familiares e amigos, à medida que participam das atividades das oficinas de leitura/escrita. Houve apenas duas desistências dos sujeitos da oficina,um por motivos pessoais ,e o outro por se apresentar tímido no momento das atividades e discussões e mostrou que essa dinâmica em grupo, que acontecia na oficina,não era o que estava querendo no momento.Porém os outros sujeitos afásicos apresentam-se bastante motivados a realizar as atividades propostas, havendo uma melhora de humor a cada encontro. Conclusões: A análise qualitativa dos dados colhidos através do diário de campo, das entrevistas e avaliações confirma a influência da atividade da escrita/leitura tanto no avanço da
comunicação como na “(re) construção” da linguagem oral do sujeito afásico. Percebem-se também benefícios em aspectos bio-psico-socioculturais dos afásicos, como melhora da auto-estima e da relação com seus familiares e amigos, que acabaram por incidir ainda sobre a qualidade das produções orais e gráficas dos sujeitos do estudo.
 
COUDRY, M.I.H. Diário de Narciso: discurso e afasia. Martins Fontes, São Paulo, (1988)

LIMONGI, Fernanda Papaterra. Orientação à Família de um Adulto Afásico. Revista Fono Atual. São Paulo, ano 1, n° 1, p. 19 – 21, jan. 1997. Trimestral.

PARLATO. E.M. Da impossibilidade de dizer o mesmo: reflexão sobre a paráfrase no discurso de sujeitos afásicos. Tese de Mestrado. Curso de Lingüística: Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Unicamp. Campinas, 1999.

SANTANA, Ana Paula. Da Escrita à fala: reflexões da afasiologia. In. Revista Fonoaudiologia Brasil.Vol.1-n. 2. São Paulo, 2001

SANTANA, Ana Paula. Escrita e Afasia: O lugar da linguagem escrita na afasiologia. São Paulo. Plexus Editora, 2002.

SMOLKA, A.L. Inatividade da leitura e o desenvolvimento das crianças: considerações sobre a constituição de sujeitos leitores. In SMOLKA, Ana Luiza “et al”. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. São Paulo: Papirus, 1993

___________________ Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes Editores, 1998.
 
Contato: thatagusmao@hotmail.com
 

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