O ESPECTRO AUTÍSTICO E O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Daniela Regina Molini- Avejonas
Palestrante
Instituição: CEUNSP/USP
 
O autismo, hoje, faz parte dos chamados, Distúrbios Globais do Desenvolvimento, que não correspondem a uma entidade nosográfica única, mas a um complexo de síndromes das mais variadas etiologias e que tem um repertório comportamental peculiar, caracterizado por um prejuízo severo e invasivo em diversas áreas do desenvolvimento, como habilidades de interação social, de comunicação, ou presença de comportamento, interesses e atividades estereotipadas (Gilberg, 1990). Dentro deste conceito, cabem quadros diversos, não apenas o Autismo Infantil. Assim sendo, quando falamos em Autismo Infantil, já partimos com uma grande dificuldade: a diversidade dos critérios diagnósticos. Como a Psiquiatria Infantil não apresenta uma nosografia plenamente estabelecida e aceita, a definição dos quadros clínicos fica dependente da escola psiquiátrica a que o profissional se filia, assim como da capacidade e experiência deste profissional. Segundo a APA (1994), a perturbação deve ser manifestada por atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas antes dos 3 anos de idade: interação social, linguagem usada para a comunicação social, ou jogos simbólicos ou imaginativos. Não existe, em geral, um período de desenvolvimento inequivocadamente normal, embora 1 ou 2 anos de desenvolvimento relativamente normal sejam relatados em alguns exemplos. Em uns poucos casos, os pais relatam uma regressão no desenvolvimento da linguagem, geralmente, manifestada pela cessação da fala após a criança ter adquirido de 5 a 10 palavras. Por definição, se houver um período de desenvolvimento normal, ele não pode estender-se além dos 3 anos de idade (op.cit.). Faz-se necessário entender, também, que assim como ocorre na maioria das patologias, a variabilidade do quadro clínico está presente. Não só a variabilidade de sinais e sintomas, como da intensidade com que eles podem se apresentar. Para o diagnóstico da síndrome Autista o DSM IV propõe uma lista com dezesseis itens divididos em três grupos e estabelece que devem ocorrer pelo menos dois sintomas do primeiro grupo e um de cada grupo subseqüente, totalizando um mínimo de oito sintomas. Entretanto, não deixa de ser uma análise clínica e subjetiva. Sendo assim, é freqüente que frente a casos mais leves da patologia, questione-se a respeito do diagnóstico, pois se imagina que a criança autista tem de apresentar todas as características descritas nos casos típicos. A variabilidade do grau de comprometimento nestes sujeitos é tanta, que atualmente aceita-se a existência de um continuum autístico, com várias formas de apresentação desta patologia. Em alguns casos, quando o diagnóstico não está muito claro, mas existem alterações sociais, comunicativas e de comportamento, diagnostica-se Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Não Especificado. Esta patologia é muito mais freqüente do que se imagina, pois aí estão todos os casos que não apresentam as características típicas das patologias pertencentes ao grande grupo chamado Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. A idéia da existência de um continuum autístico traz pouca discordância entre os autores, sendo que o autista clássico apareceria em uma ponta do espectro e seu grau mais leve, a síndrome de Asperger, em outra ponta. No meio destes dois distúrbios, estariam todos os outros graus de severidade, caminhando no continuum conforme a gravidade (Tanguay et. al., 1998). É comum o fonoaudiólogo ser um dos primeiros profissionais que a família procura devido à ausência de fala. Também ocorre uma grande variabilidade nas alterações de comunicação. Pode ocorrer tanto a ausência de fala como nos sujeitos falantes, dificuldade para iniciar ou mesmo manter uma conversa. A fala pode ser estereotipada e podem ocorrer ecolalias, alterações na prosódia (ritmo, acentuação e inflexão), pedantismo, rigidez de significado e inversão pronominal. As alterações pragmáticas também estão presentes. Deve-se iniciar então, uma avaliação criteriosa e minuciosa. Devido à alteração de comunicação que as crianças autistas apresentam, pode ocorrer o diagnóstico errôneo de Distúrbio Específico de Linguagem. A conduta nestes casos, em que o profissional observar pelo menos uma das características já citadas acima no seu paciente, é encaminhá-lo para profissionais mais experientes e especializados na área, alertar a família para a possibilidade de diagnóstico de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento e sugerir o diagnóstico multidisciplinar. Outra característica que pode ser indicativa de um transtorno autístico é a ausência ou prejuízo no contato ocular, assim como dificuldades em compreender expressões faciais ou mesmo, expressá-las. Estudos atuais demonstram que a criança autista diferentemente da criança normal, quando frente a uma pessoa, prefere olhar para partes do corpo dessa pessoa ao invés de olhar para os olhos. Muitos não compreendem o sentido comunicativo embutido na direção do olhar. Outra alteração de comportamento é a grande dificuldade dessas crianças em lidar com a mudança de rotina. A vida desses sujeitos é sempre padronizada e repetitiva. As vezes a simples mudança de um móvel dentro de casa é capaz de desestruturá-los. Costumam demonstrar um intenso interesse em determinada área (por exemplo, animais marinhos) e é só o que consegue chamar a atenção deles. Só falam destes animais, só desenham estes animais, querem assistir filmes e desenhos sobre o assunto, passam horas “conversando” sobre o tema, ou mesmo lendo a respeito. Associado a grande capacidade de memória visual que estes pacientes possuem, os mesmos acabam se tornando “mestres” no assunto, deixando seus familiares maravilhados. Faz-se necessário chamar a atenção para a inconstância que essas crianças apresentam em suas ações e reações. Fato este que, muitas vezes, faz o profissional se questionar sobre o diagnóstico. Em uma sessão, o terapeuta tem certeza que aquela criança não é autista e na outra tem certeza do contrário. Uma outra inabilidade que está presente nestas crianças, é a incapacidade de predizer a mente do outro, ou seja, atribuir estados mentais a outros (Teoria da Mente). A criança não é capaz de atribuir uma crença ao outro, não sabendo dizer o que a pessoa irá pensar ou sentir sobre determinado assunto. Vale ressaltar que estas características citadas acima não estão presentes em todas as crianças autistas e muitas vezes se encontram em grau tão brando que é quase imperceptível a olhos mais leigos. Volto a frisar a importância desta criança ser avaliada por um fonoaudiólogo com formação e experiência na área, assim como este deve fazer seu diagnóstico baseado nas discussões com demais profissionais (psiquiatras, psicólogos, professores...) e familiares. A troca de informações multidisciplinar só traz benefícios para o paciente.
 
Contato: fonodaniela@terra.com.br
 

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