Código: PIL0142
ALIMENTAÇÃO E LINGUAGEM: MARCAS NO SUJEITO |
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Autores: Cristiane Angelini |
Instituição: PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE SÃO PAULO |
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Este trabalho traz à luz a questão de que há sintomas que freqüentemente gravitam nas margens dos sintomas principais nos quadros de linguagem, o que parece indicar um transtorno sobredeterminante, o simbólico.
A alimentação é um lugar muito freqüente dessa encenação, não devendo ser vista fora dessa ordem de sobredeterminação, ou seja, a alimentação é grande lugar de sintoma, juntamente com as questões de linguagem. De fato, a clínica aproxima uma e outra questões (a linguagem e a alimentação), o que faz evidentes certos problemas com o método clínico fonoaudiológico que a tradição postula, já que tais questões são tomadas em separado, decisão a que os “pacientes” sempre se rebelam por meio de seus sintomas.
As crianças, por exemplo, quando adjetivadas por transtornos de linguagem apresentam com muita freqüência alterações de alimentação que se representam ou 1) em quadros importantes de disfagia, ou 2) em quadros diversos de deglutição atípica ou mesmo em idiossincrasias nos rituais alimentares ou, então, 3) em transtornos nutricionais, como a desnutrição, a anorexia e a obesidade, entre outros. Esta coincidência pode estar apontando para uma implicação entre uma e outra coisa, no sentido da fala e a alimentação serem umas das grandes possibilidades de cartografia simbólica, daí os sintomas estarem embaraçados.
Para além deste contexto, num outro ambiente de doença, já não com crianças, algumas dessas observações se repetem. Nota-se no atendimento de idosos senis que há insistentemente um discurso sobre a “comida” encenado 1) por pedidos persistentes, 2) por reclamações rotineiras sobre qualidade e quantidade de alimento, além de 3) narrativas dispersas sobre perversidade, como roubo, desaparecimento e troca indevida de comida, uma encenação que, evidentemente, não encontra suporte no real. Nestes contextos, observa-se que há uma sobredeterminação mostrando um discurso implicado com a questão da sobrevivência, que no caso dos idosos está escancarado, potencializando a natureza simbólica da alimentação. É através do pedido ou da queixa alimentar que o idoso faz (e também as alterações mecânicas e alterações nos rituais alimentares que as crianças igualmente apresentam), que se coloca como sujeito desejante, assegurando à alimentação seu caráter simbólico, ou seja, é um modo de funcionar que configura uma existência como humano. A criança pequena igualmente ai expressa suas dificuldades.
Porém, os transtornos ligados à alimentação são, via-de-regra, abordados fundamentalmente como resultado de desvios anatomo-funcionais. A Medicina e a tradição fonoaudiológica consideram os problemas alimentares como resultantes de problemas mecânicos, todavia, quando não existem questões mecânicas que justifiquem o transtorno, este fica na ordem da suposição, sendo alçado à condição de uma doença “transitória e secundária”.
Quando há transtornos em que não se encontram aspectos fisiológicos que se deixam ver, ou melhor dizendo, não se encontram sinais que justifiquem o modo de funcionamento do corpo, fica atribuída à “doença” uma certa categoria nosológica: “doenças funcionais”. Segundo Camargo e Teixeira (2002), as doenças funcionais são assim descritas, porque apresentam sintomas que não são percebidos pelo clínico e apresenta poucos sinais, ou seja, aquilo é aparente e perceptível é escasso e o que o paciente sente é abundante. A insistência do par transtorno de linguagem/ transtorno de alimentação nem parece apenas efeito de uma coincidência nem tampouco resultados de fatores “inespecíficos” e ”transitórios”.
Esse trabalho tem como o objetivo principal deste trabalho é discutir a alimentação e as queixas alimentares como uma questão, também e principalmente, simbólica.
Para tanto, revisitamos as indicações teóricas sobre a alimentação e seus transtornos: a disfagia, a hipofagia e a hiperfagia. Discutimos tais transtornos como um sintoma simbólico e, nesta medida, os relacionaremos com os quadros de linguagem.
Na tradição deste campo a “alimentação” (“fagia” ou o “comer”) é apresentada como questão de “deglutição” e, conseqüentemente, alterações de ordem mecânica são privilegiadas. O desenvolvimento da alimentação, nessa perspectiva, nada mais é que o alcance gradual de um padrão funcional adequado e suficiente da sucção, da deglutição e da respiração e, assim, o corpo ganha um estatuto primordial para a realização das funções orais. No entanto, ao alimentar uma criança, a mãe não está somente provocando estímulos sensório-motores para ao bom desenvolvimento topográfico, funcional do sistema oral. Está, sobretudo, colocando a criança na rota da linguagem, da instância simbólica. A alimentação é um momento para a troca entre a mãe e a criança, pode-se supor que engasgar, vomitar, regurgitar, engordar, emagrecer e etc são sintomas e falam para além de questões fisiológicas, isto é, além de um problema físico.
Os transtornos alimentares como a hipofagia (anorexia/bulimia) e hiperfagia (obesidade) e a disfagia são grandes lugares para se pensar na sobredeterminação simbólica no funcionamento do corpo. Porém, como tais transtornos não implicam em alterações “mecânicas”, o campo fonoaudiológico não os observa. Apenas a disfagia surge como questão.
Fazem parte, em alguns casos, das doenças que são chamadas doenças funcionais por apresentarem poucos sinais (aquilo que é aparente e perceptível) e muitos sintomas (aquilo que o paciente sente, mas não é perceptível ao médico/observador). Daí, podemos pensar que é por esse motivo que alguns autores ao falarem de disfagia sem “causas mecânicas” são breves e superficiais, já que a disfagia pode também se enquadrar nessa categoria.
Contudo, a disfagia também nos permite pensar que apesar de ser um “sintoma” que denuncia um sofrimento manifesto no corpo, pode não estar diretamente ligado a um produto de alteração mecânica, ainda que ganhe essa aparência. O mesmo pode se pensar para a obesidade e para a anorexia.
A obesidade não está ligada a alterações do sistema sensório motor oral e assim a fonoaudiologia não trabalha neste campo. Porém, aqui estará presente por uma questão de argumentação porque as crianças com transtornos de linguagem são, muitas vezes, obesas, o que pode estar indiciando uma dispersão em sua constituição simbólica que não se expressa apenas na fala.
Como nos quadros de obesidade, a anorexia não está ligada a alterações do sistema sensório motor oral e a fonoaudiologia não trabalha no campo. Mas, pela mesma razão comparece neste trabalho.
Estes quadros são reveladores que a alimentação e a linguagem são da ordem do afeto e, desta forma, não podem ser pensadas apenas na ordem fisiológica. Talvez assim, os transtornos de linguagem e os transtornos alimentares não sejam considerados estranhamente coincidentes.
Podemos conceber o corpo de três maneiras: 1) como funcionamento principalmente fisiológico; 2) como uma relação entre fatores (mas o fisiológico continua sendo o primeiro e o principal) que pode inibir ou atrapalhar o processo e 3) conceber o corpo como submetido a uma sobredeterminação, como algo que não é principalmente fisiológico.
Diante do exposto, consideramos de extrema importância que o fonoaudiólogo esteja atento às questões de alimentação e linguagem para que estas não sejam vistas de maneira dissociada. Pois, a linguagem e a alimentação são grandes possibilidades de cartografia simbólica e de encenação de sintomas. |
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