ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR NA FALA EM DISTÚRBIOS DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR |
Esther M. Gonçalves Bianchini
Palestrante |
Instituição: CEFAC (CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA)/ FCMSCSP (FAC. CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO) |
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A atuação fonoaudiológica em motricidade orofacial associa-se as funções e disfunções do sistema estomatognático. Esse trabalho depende de conhecimento específico quanto à anatomia e fisiologia das estruturas desse sistema, além da compreensão acerca da interdependência de suas funções uma vez que não existe diferenciação estrutural específica para cada uma delas.
As funções estomatognáticas, incluindo fala e produção da voz, parecem ter relação direta com a possibilidade e liberdade dos movimentos mandibulares proporcionando modificações de espaço para viabilizar as diferentes posturas articulatórias e movimentação da língua, além da modificação das caixas de ressonância possibilitando clareza da voz. Em protocolo de avaliação fonoaudiológica, é descrita a verificação das estruturas orais, da musculatura orofacial, dos movimentos mandibulares e da articulação temporomandibular (ATM), como fundamentais para delinear a possibilidade de amplitude livre do movimento mandibular na fala (1-7).
Verifica-se que a liberdade de amplitude desses movimentos depende da saúde e integridade das estruturas que compõem e associam-se à ATM e à ação dos músculos esqueléticos. Entretanto condições desfavoráveis são freqüentes, pois a articulação precisa suportar e acomodar adaptações oclusais, musculares e cervicais. Se a demanda de adaptações funcionais exceder a tolerância estrutural e funcional da ATM, podem ser desencadeados distúrbios funcionais e até degenerativos acompanhados de sintomatologia dolorosa, que modificam as condições musculares e articulares, acarretando alterações nos movimentos mandibulares e nas funções estomatognáticas a eles associadas (8). Esse quadro caracteriza as disfunções temporomandibulares (9).
Estudos epidemiológicos mostram que, aproximadamente 75% da população apresenta ao menos um sinal de disfunção da ATM, como por exemplo, presença de ruído articular durante o movimento mandibular (9-11). Porém, a disfunção temporomandibular é considerada crônica quando existem ao menos três características, tais como: dor localizada na musculatura mastigatória, na região pré-auricular e/ou na ATM; limitações funcionais associadas aos movimentos mandibulares e ruídos articulares que perdurem por mais de seis meses (9,12,13). Os resultados de estudos quanto à prevalência da disfunção temporomandibular apontam que cerca de 30 a 35% da população apresenta quadro doloroso compatível com este distúrbio (14,15).
Assim, as disfunções temporomandibulares definem reais dificuldades ao restabelecimento miofuncional orofacial, uma vez que na presença de algia são desencadeados mecanismos neuro-motores adaptativos, secundários ao problema, visando possibilitar as funções estomatognáticas minimizando o esforço e injúrias provocadas pela própria função.
A reabilitação desse quadro envolve diagnóstico e tratamento específico interdisciplinar, no qual a área odontológica tem principal papel. A partir da definição diagnóstica quanto ao envolvimento muscular e/ou articular é realizada a desprogramação da musculatura por meio de modificações realizadas na oclusão e/ou na posição das bases ósseas, viabilizando a posição condilar correta e organização da musculatura (16).
Em muitos casos, as adaptações que foram sendo realizadas e a presença de hábitos deletérios mantidos, dificultam ou até mesmo inviabilizam os resultados satisfatórios que tenham sido obtidos. Nesses casos, a atuação fonoaudiológica torna-se importante ferramenta complementar direcionando o comportamento muscular e os ajustes funcionais finais, promovendo estabilização do quadro.
Quando necessária, a atuação fonoaudiológica é diversificada dependendo da situação em que se encontra o paciente e da etapa de tratamento odontológico, podendo incluir desde uma abordagem genérica visando remoção de fatores agravantes, instalação de mecanismos simples de alívio e oxigenação da musculatura; até uma abordagem específica na qual promove-se o direcionamento muscular e funcional com base no diagnóstico do problema. Essa abordagem diretiva deve ser cuidadosamente estudada uma vez que os procedimentos podem ser contra indicados em alguns tipos de alterações (14).
A abordagem fonoaudiológica, sempre associada ao tratamento odontológico específico, será relatada por meio de casos clínicos, exemplificando-se as possibilidades de ajuda oriundas da terapêutica fonoaudiológica.
Em caso de disfunção temporomandibular articular, caracterizada por desarranjo interno, observa-se: presença de cefaléia em região temporal, dor referida em região de masseteres, cervical posterior e bilateral; dor articular; redução de amplitude dos movimentos mandibulares e aumento de crises de algia durante mastigação, fala e bocejo; ruídos articulares do tipo estalo em função e em movimentos dirigidos com ocasionais episódios de travamento articular durante a abertura de boca. Ao exame clínico interdisciplinar foram constatados os sintomas descritos e verificadas interferências oclusais específicas, com determinação de maiores contatos unilaterais e interferências em movimentos protrusivos e em lateralidade. Musculatura assimétrica e com regiões de pontos gatilho de dor, além de sinais de deslocamento anterior de disco com redução bilateral, porém com recaptura assimétrica. Os exames por imagens mostraram aumento de espaço intra-articular anterior e redução desse espaço posteriormente, confirmando deslocamento de disco articular em repouso. Foram também observadas modificações na superfície da cabeça da mandíbula, com aplainamento superior e anterior bilateral, caracterizando remodelação óssea. A terapêutica inicial envolveu: procedimento odontológico com adaptação de placa interoclusal, ajustes semanais para distribuição dos pontos de contato e conseqüente desprogramação da musculatura. Após a estabilização dos contatos na placa, foi iniciada a terapêutica fonoaudiológica, com quatro sessões nessa primeira fase, constando de percepção dos hábitos presentes de apertamento dentário e da tensão excessiva da musculatura peri-oral; oxigenação da musculatura por meio de massagens em região dos músculos temporais e masseteres, mobilização ritmada da musculatura peri-oral e alongamento por meio de manipulações específicas. Obtida a desprogramação da musculatura e redução da sintomatologia dolorosa, os trabalhos voltaram-se para estabilização da posição do disco articular. Por seis semanas, paralelamente ao trabalho odontológico foram propostos treinos específicos e manobras para direcionar o movimento mandibular com o disco reposicionado. Foi orientado: percepção e manobra de recaptura de disco articular, nesse caso com utilização de discreto movimento mandibular protrusivo anterior à abertura mandibular. A partir da verificação do reposicionamento, todos os movimentos mandibulares: abertura, protrusiva e lateralidade; foram treinados sem o retorno à posição de intercuspidação máxima, evitando-se assim novo escape do disco. A utilização da placa interoclusal é fundamental durante todo o treino, devidamente ajustada quanto à sua altura pela equipe odontológica. Com a remissão dos sintomas, estabilização da posição mandibular e início dos ajustes oclusais, tornou-se possível o trabalho fonoaudiológico funcional, voltado para finalização por meio de treinos específicos de mastigação e deglutição seqüenciais, além de ampliação e adequação dos movimentos mandibulares na fala.
Existem também casos mais limitados, como aqueles com seqüelas de ressecção e radioterapia, cujo comprometimento estrutural limita o prognóstico(17). Porém a atuação conjunta odontologia-fonoaudiologia tem direcionado maiores possibilidades de tratamento visando principalmente a melhora da qualidade de vida desses pacientes. Nesses casos mais complexos, o trabalho fonoaudiológico também é proposto em cada uma das fases: cirúrgica e odontológica, com terapêutica e objetivos específicos em cada etapa. Por meio de manipulações orientadas, exercícios de grande amplitude e manobras de alongamento em regiões irradiadas; propicia-se oxigenação muscular minimizando sintomatologia dolorosa e viabilizando flexibilidade da musculatura acometida, readaptação funcional voltada para a efetividade das funções estomatognáticas, e acompanhamento em longo prazo.
A partir da reabilitação dentária desses pacientes por meio de coroas, próteses removíveis ou implantes, a resposta miofuncional pode então ser diretamente orientada, estabelecendo-se adaptações pertinentes, respeitando-se as limitações impostas por cada problema.
Referências Bibliográficas
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17. Bianchini EMG. Articulação Temporomandibular: Implicações e possibilidades de trabalho fonoaudiológico. In: Carrara-de-Angelis E, Furia CLB, Mourão LF, Kowalski LP, organizadores. A atuação da Fonoaudiologia em câncer de cabeça e pescoço. São Paulo:Lovise; 1999a. p.239-56.
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Contato: esther.bianchini@uol.com.br |
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