Código: PDD0438
ESTUDO DA CORRELAÇÃO ENTRE QUALIDADE VOCAL E DISFAGIA PÓS-ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL: ASPECTOS ACÚSTICOS, FISIOLÓGICOS E PERCEPTIVOS.
 
Autores: Luciana Gomes Carrijo Andrade, Sandra Madureira, Zuleica Camargo
Instituição: LIAAC-LAEL / PUC-SP
 
Introdução

A fonação é uma função adaptada que depende da ação conjunta das estruturas do aparelho respiratório e digestivo. Pode-se dizer que as funções da respiração e deglutição são interligadas, de forma que o desequilíbrio de uma pode acarretar alteração na outra. Desta forma, esta integração pode estar prejudicada nos casos da disfagia.
O sinal vocal é um elemento informativo a respeito de diversos eventos na região das vias aerodigestivas superiores, não restritos à geração do sinal sonoro, sendo assim relevante para o levantamento de hipótese relacionada à disfagia (Andrade e Camargo, 2000 e Andrade e Marchi, 2001).
Esse trabalho traz um novo olhar sobre a correlação entre os aspectos vocais e da deglutição a partir de uma análise diferencial, não invasiva, com aplicação de forma rápida,que pode servir como uma complementação da avaliação diagnóstica e de controle nos casos de disfagia. Vale ressaltar também a contribuição deste estudo a vários campos de conhecimento (Fonoaudiologia, Lingüística, Medicina, Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional).

Objetivo

Este estudo propõe-se a investigar a qualidade vocal relacionada à disfagia, a partir da análise acústica associada à avaliação videoendoscópica da deglutição e à análise perceptivo-auditiva com o objetivo de se compreender as mudanças na qualidade vocal de indivíduos com disfagia pós Acidente Vascular Cerebral (AVC). A teoria acústica da produção da fala (Fant, 1970) e o modelo fonético de descrição da qualidade vocal (Laver, 1980) fundamentam teoricamente o trabalho.


Metodologia

A casuística deste estudo foi composta por três indivíduos adultos (duas mulheres, C1-62 anos e C2-80 anos e um homem, C3-46 anos) com disfagia pós Acidente Vascular Cerebral (AVC), confirmado por Tomografia Computadorizada ou Ressonância Nuclear Magnética.
A coleta dos dados incluiu informações sobre a avaliação fonoaudiológica realizada no leito do indivíduo estudado e, posteriormente, e no mesmo dia, a avaliação videoendoscópica da deglutição realizada no ambulatório otorrinolaringológico da mesma instituição. Os dados do prontuário médico-hospitalar foram coletados previamente às avaliações mencionadas.
A coleta das amostras de fala dos indivíduos avaliados foi realizada em várias etapas do exame otorrinolaringológico. Inicialmente e após o término do exame, o indivíduo foi solicitado a realizar a emissão da vogal [a] em padrão sustentado e dentro da sentença piloto acompanhada de sons consonantais plosivos surdos e sonoros nas respectivas sentenças : “Digo papa baixinho” e “Digo baba baixinho”.
Durante o estudo dinâmico da deglutição, o indivíduo avaliado foi solicitado a emitir a vogal [a] de forma sustentada imediatamente após a deglutição de cada consistência (pastoso e líquido) e volume testado (3, 5 e 10ml).
Os dados dos exames foram coletados com uso de gravador digital com microfone (com a distância de 5 cm da boca dos indivíduos do grupo estudado) e mini disco MD.
As amostras de fala foram digitalizadas na freqüência de amostragem de 22050 Hz, no programa Sonic Foundry Sound Forge 6.0 e analisadas acusticamente no software Multispeech da Kay Elemetrics Corporation. Foram selecionados para análise acústica – traçado da forma da onda, espectrograma da banda estreita e banda larga, espectro LPC, freqüência fundamental (Fo), padrão dos formantes e tempo de início de sonorização (VOT).
As amostras de fala foram editadas e gravadas em formato áudio para julgamento auditivo referentes à avaliação perceptiva da qualidade vocal com motivação fonética e aos julgamentos de inteligibilidade de fala e de umidade (presente ou ausente). A gravação foi apresentada conjuntamente para três examinadores, selecionados em função de formação e experiência para julgamento de qualidade de voz.
O material elaborado foi apresentado juntamente com o roteiro impresso para que os examinadores selecionados identificassem a palavra inserida na frase veículo (julgamento de inteligibilidade- etapa 1) e analisassem, a partir da proposta de avaliação, versão traduzida do Vocal Profile Analysis – VPAS (Laver, 2000) por Camargo (2002), os ajustes de qualidades de voz utilizados tanto nas emissões orais dos enunciados - “Digo papa baixinho” e “Digo baba baixinho” (etapa 2) quanto nas emissões orais das vogais [a] sustentadas (etapa 3) realizadas pelos três indivíduos do estudo (antes, durante e após o exame otorrinolaringológico).
Os examinadores também foram solicitados a marcar a percepção de qualidade de voz com componente de umidade com um x (podendo ser em toda a emissão ou em parte da emissão- etapa 3) nos enunciados e nas vogais [a] de forma sustentada realizadas pelos três indivíduos (C1, C2 e C3) no mesmo roteiro impresso das respectivas etapas (2 e 3).
A leitura dos dados foi conduzida pela análise em conjunto dos resultados do sinal acústico associado com a avaliação perceptivo-auditiva e avaliação videoendoscópica da deglutição, primeiramente de cada indivíduo estudado e, posteriormente, cruzando-se os achados do três indivíduos estudados.


Resultados


Foram selecionados pontos relevantes dos resultados de cada avaliação realizada nesta pesquisa. Na avaliação fonoaudiológica, salientemos a presença de disartrofonia nos três indivíduos estudados (C1,C2 eC3); na avaliação videoendoscópica da deglutição, presença de paralisia de prega vocal esquerda, penetração laríngea para 10ml de pastoso e 10ml de líquido em C1, pregas vocais móveis e penetração laríngea para 10ml de líquido em C2 e paralisia de prega vocal esquerda e aspiração para todas as consistências e volumes testados em C3.
Como relação às características perceptivo -auditivas dos ajustes de qualidade vocal dos enunciados e vogais dos indivíduos disfágicos pós AVC, podemos dizer que o ajuste fonatório de voz áspera esteve presente em todas as amostras de fala analisadas, associados com outros ajustes fonatórios e supralaríngeos para cada caso.
Os resultados perceptivo- auditivos dos ajustes de qualidade vocal para os enunciados foram: ajuste voz áspera e acoplagem velar nasal para C1, C2 e C3. Com relação aos resultados dos ajustes supralaríngeos dos enunciados encontramos: língua abaixada e constrição faríngea para C1 e C2 e língua abaixada e retraída para C3.
No que diz respeito aos resultados de julgamento de inteligibilidade de fala, deve-se pontuar a atribuição de sons fricativos surdos [f] e [s] para a consoante plosiva surda [p] para C1 e C2 e o julgamento de fala do som plosivo sonoro [b] como som nasal [m] por C1.
Com relação aos resultados dos ajustes de qualidade vocal presente nas vogais [a], constataram-se mudanças relevantes nos ajustes fonatórios (voz áspera, hiperfunção, vocal fry/ crepitância) e supralaríngeos (constrição faríngea) da qualidade vocal e presença de voz molhada diante do impedimento da função da deglutição nos indivíduos estudados.
O achado da voz molhada esteve presente em parte ou em toda a emissão da vogal [a] sustentada nos três indivíduos estudados e pôde ser relacionada com vários sinais clínicos, são eles: resíduo em valécula e recessos piriformes (C1, C2 e C3); estase salivar em vestíbulo laríngeo e faringe (C3); penetração laríngea (C1, C2) e aspiração traqueal (C3).
Os resultados da inspeção acústica das amostras de fala passam a ser comentados. Com relação ao traçado da forma da onda, houve um aumento da perturbação com formas distintas da onda, principalmente com a presença da voz molhada, penetração laríngea e aspiração (vogais). No espectrograma de banda estreita, irregularidade no espaçamento de harmônicos com ruído entre componentes harmônicos e ruído transiente (enunciados e vogais). No espectrograma de banda larga, ruído contínuo nas freqüências altas (enunciados e vogais). No espectro LPC, a amplificação da energia nas freqüências altas (vogais).
Com relação às medidas da freqüência fundamental (Fo), houve uma diminuição dos valores do [a] antes do exame para o [a] pós exame em C1, C2 e C3. Nos resultados do padrão dos formantes, houve uma aproximação de F1-F2 após ocorrência de penetração laríngea e presença de voz molhada (C1 , C2).
Nas medidas de VOT foi encontrado valores encurtados da plosiva surda [p] para os três indivíduos estudados quando comparados com os valores de referência (Camargo,2002). Registraram-se valores de VOT diminuídos do som plosivo sonoro [b] pós exame videoendoscópico da deglutição quando comparado com [b] antes do exame nos três indivíduos com disfagia pós AVC.


Conclusão

Os resultados obtidos sugerem que os indivíduos com disfagia pós AVC realizam mobilizações no plano laríngeo (fonatório) e supralaríngeo (articulatório) como mecanismo de proteção das vias aéreas durante a fonação que guardam semelhança com a atividade fisiológica da fase faríngea da deglutição e da produção dos sons faríngeos.
Nesta abordagem, os sinais clínicos do comportamento vocal (voz molhada associada com um conjunto de ajustes da qualidade vocal) são relevantes para o levantamento de hipóteses relacionadas à presença de resíduos de bolo alimentar ou de estase salivar na região glótica e/ou supraglótica, penetração laríngea e risco de aspiração.
A contribuição deste estudo reside na possibilidade de implementação da avaliação vocal, incluindo dados da análise acústica, como instrumento não–invasivo e como parte integrante e indispensável para o raciocínio clínico nas avaliações diagnósticas e reabilitações das disfagias orofaríngeas.
Diante do exposto, a investigação detalhada dos aspectos acústicos e perceptivos (fonatório e supralaríngeo) da avaliação vocal com e sem a implicação da deglutição, pode complementar o entendimento nos casos das disfagias orofaríngeas.
 
Andrade LGC, Camargo ZA. Estudo preliminar da relação entre qualidade vocal e disfagia: uma abordagem acústica. [trabalho de conclusão de curso]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2000.

Andrade LGC, Marchi SMOL. Avaliação Fonoaudiológica e Nasofibrolaringoscópica da deglutição em pacientes pós Acidente Vascular Cerebral. [trabalho de conclusão de curso de aprimoramento]. São Paulo: Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo; 2001.

Camargo ZA. Análise da qualidade vocal de um grupo de indivíduos disfônicos: uma abordagem interpretativa e integrada de dados de natureza acústica, perceptiva e eletroglotográfica. [Doutorado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem]. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002.

Fant G. Acoustic theory of speech production. 2ed.Paris: Mouton, 1970.

Laver J. The phonetic description of voice quality. Cambridge University Press,1980

Laver J. Phonetic evaluation of voice quality. In: Kent RD, Ball MJ. Voice quality measurement. San Diego: Singular Publishing Group Inc; 2000, p. 37-48.
 
Contato: lugca@ig.com.br
 

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