QUESTÕES METODOLÓGICAS E AS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL |
Cristina Broglia Feitosa Lacerda
Palestrante |
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Tradicionalmente as pesquisas em Fonoaudiologia têm sido pautadas por metodologias quantitativas, como na maioria das áreas dos estudos em saúde. Todavia, mais recentemente, alguns pesquisadores têm buscado realizar pesquisas nessa área que levem em conta o sujeito, seu contexto e sua história desenvolvendo metodologias de pesquisa mais próximas às abordagens qualitativas, valorizando mais os processos evolutivos que os produtos finais alcançados (Barros, Cecatti e Turato, 2005).
Visando discutir tais questões metodológicas, esse texto traz alguns pressupostos que norteiam as pesquisas desenvolvidas por meu grupo (Panhoca, Lacerda e Freitas, 2000; Lacerda, 2000; Lacerda e Caporali, 2000) nessa área que, em geral, privilegiam processos de aquisição e desenvolvimento de linguagem e processos de construção de conhecimentos como seu foco preferencial.
O sujeito e o objeto de estudo
Aquele que é investigado (aprendiz/professor/terapeuta/paciente/família) é visto como \\\\\\\"sujeito da cultura\\\\\\\" e não como \\\\\\\"sujeito do conhecimento\\\\\\\" sendo, então, libertado da condição de \\\\\\\"sujeito epistêmico\\\\\\\" e a linguagem é lugar da produção (conjunta) de significações. O sujeito é visto como autor das transformações sociais e a linguagem ocupa lugar central neste processo já que é nela e por ela que são produzidos os sentidos (Kramer, 1997).
O objeto de estudo privilegiado é o desenvolvimento, a língua e os processos de construção de conhecimentos que são estudados de forma a não serem \\\\\\\"dissociados do homem\\\\\\\" (Perroni, 1996). A resposta não é provocada, interessa aquilo que o sujeito tem a dizer, sua fala em movimento. A partir das produções do sujeito emergem dados, que não são concebidos a priori, mas que são alçados da língua em atividade.
A abordagem metodológica
Em estudos recentes que focalizam aspectos metodológicos é crescente o reconhecimento de que a linha teórica eleita pelo pesquisador tende a ser determinante da metodologia por ele adotada. Em outras palavras, não é qualquer metodologia que pode ser aplicada a qualquer teoria enfocada. A própria opção por uma metodologia está ancorada na teoria que lhe dá sustentação.
A metodologia experimental é a que tem sido mais freqüentemente utilizada em estudos na Fonoaudiologia. O método experimental é um procedimento de investigação no qual uma situação de observação é deliberadamente criada, com controle e manipulação de variáveis passíveis de atuar no fenômeno estudado. Este método é defendido porque se alega que ele permite objetividade de análise; replicabilidade (os experimentos podem ser reaplicados por outros pesquisadores, com sujeitos diferentes); exame de grande quantidade de sujeitos favorecendo acesso mais fácil a generalizações. Todavia, este método sofre também uma série de críticas já que na busca pela generalização tendências gerais podem se configurar como uma criação do investigador não servindo para nenhum sujeito em particular. A objetividade tão perseguida pode não ser alcançada, já que o dado colhido nunca é individual, uma vez que a linguagem se constitui nas relações e o outro presente (experimentador, investigador entre outros) participa da produção do sujeito ainda que este aspecto não seja considerado.
Assim, para os estudos com a linguagem a Fonoaudiologia poderia valer-se de uma outra forma de abordagem metodológica, mais adequada aos seus propósitos de estudo. A investigação na área da linguagem precisa preocupar-se em recuperar a história do dado, por meio da descrição de suas condições de produção. Interessa quem fala, sobre o que fala, com quem fala e em que contexto. A produção de linguagem precisa ser tomada de modo natural, no fluxo dialógico e não em condições especialmente criadas para a investigação. Reconhecendo o desenvolvimento como um processo dinâmico, em constante fluxo, busca-se dar conta da continuidade dos fatos, uma vez que, a realidade é vista como um processo em constante movimento, e o foco das análises deve recair sempre sobre a emergência dos processos de mudança e permanência das dinâmicas próprias dos espaços pesquisados e das interações entre os sujeitos que constituem este espaço.
Assim sendo, os dados analisados são construídos, pois se assume que eles se configuram a partir de um processo de elaboração ao qual são submetidos os fatos. A partir da teoria assumida os fatos geram escolhas e suscitam recortes que conformam os dados. Além disso, a análise a ser desenvolvida leva em consideração, também, aquilo que é particular e global na ocorrência dos fatos. Esta questão admite, na verdade, duas dimensões: uma delas diz respeito à importância de se atentar aos fatos singulares, uma vez que estes podem conter informações relevantes que as abordagens de caráter global, pela sua natureza, são levadas a desconsiderar (Ginzburg, 1987). A outra se refere às múltiplas inter-relações que se estabelecem entre instâncias tais como: a clínica como prática social, os processos de significação, os processos de subjetivação e a construção da identidade.
Outro pressuposto metodológico que também interessa para os estudos de linguagem é aquele preconizado pela análise microgenética, que procura destacar um comportamento em particular e através dessa situação entender a totalidade dos processos pelos quais passa o sujeito, de modo a entender o como acontece e não somente o que acontece. Trata-se de um trabalho que requer detalhamento, atentando para o recorte de episódios e situações, cuja preocupação centraliza-se no estudo dos processos descritos e não de produtos ou objetos. A análise microgenética somada às contribuições dos estudos de Vygotsky (1988) preocupa-se com os processos humanos, que por sua vez têm gênese nas relações com o outro e com a cultura, sendo essas relações relevantes e passíveis de investigação.
Assim, os dados são analisados \\\\\\\"qualitativamente\\\\\\\" considerando-se sempre a evolução de cada sujeito no contexto das relações interindividuais, tendo em vista a condição sócio-histórica de cada um.
Coleta de Dados e Material
Para o estudo/diagnóstico, faz-se necessário um trabalho de campo, com o objetivo de criar um banco de dados que permita uma análise satisfatória da situação a ser investigada. Gravações em áudio e vídeo são recursos muito interessantes já que permitem registrar acontecimentos dialógicos em seu fluxo, e posteriormente analisa-los em detalhes.
Gravações em áudio são historicamente mais presentes na prática fonoaudiológica. Registrar a fala dos pacientes para posterior transcrição é atividade corrente do fonoaudiólogo. O que se destaca é a possibilidade de uso deste recurso não para a transcrição fonética apenas, mas para análise da situação dialógica e dos modos de atuar na e pela linguagem do sujeito investigado.
As gravações em vídeo são um recurso mais recente (embora já bastante incorporado) e podem ser realizadas com a câmara filmadora em posição fixa ou em movimento, dependendo da atividade desenvolvida no contexto a ser estudado. Há sempre preocupação com o posicionamento dos sujeitos a serem focalizados nas situações, uma vez que uma posição desfavorável impede registros das interações.
A presença da câmara filmadora causa, muitas vezes a princípio, uma certa agitação no ambiente, já que os sujeitos podem se distrair com a situação de gravação. Entretanto, com o decorrer das sessões, a novidade da câmara é esquecida, o que favorece o desenvolvimento da investigação.
As gravações são de extrema importância, pois permitem que sejam observadas de forma integral dinâmicas das atividades e interações entre sujeitos, além de registrar as falas, os sinais, gestos e produções dos interlocutores, o que permite uma análise fidedigna dos acontecimentos.
Os registros vídeo gravados são então transcritos integralmente, respeitando-se a linguagem oral, língua de sinais (quando é o caso), gestos e atitudes produzidas para a comunicação entre sujeitos. Trata-se de tarefa minuciosa que requer muitas horas de trabalho para cada trecho de fita gravada.
O trabalho de transcrição consiste em, primeiramente, desdobrar isoladamente as falas, gestos e movimentos dos participantes e, posteriormente, integrar todas as manifestações de acordo com sua ocorrência. Com base nas gravações em vídeo e transcrições são realizadas as análises, apoiadas nos princípios metodológicos anteriormente discutidos.
Referências Bibliográficas
BARROS, NF de; CECATTI, J G e TURATO, E R Pesquisa qualitativa em saúde – Múltiplos Olhares. Campinas: Unicamp, 2005.
GINZBURG, C. (1991). Chaves do Mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. In Eco, U e Sebeok, T A (orgs), O signo de três. São Paulo: Editora Perspectiva S.A .
KRAMER, S. (1997). Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter Benjamin. In Kramer, S e Leite, M. I. (orgs), Infância: fios e desafios da pesquisa.. 2a ed. Campinas: Papirus.
LACERDA, C. B. F. de (2000) – A criança surda e a língua de sinais no contexto de uma sala de aula de alunos ouvintes- Relatório Final FAPESP Proc. nº 98/02861-1
____________________ e CAPORALI, S. A (2000) - O papel do instrutor surdo no ensino de língua de sinais para a comunidade surda e familiares usuários da clínica de fonoaudiologia. Relatório Final FAP/UNIMEP Proc. SEAC/CEPE 211-98
PANHOCA, I; LACERDA, C.B.F. de e FREITAS, A P.- A constituição da linguagem no grupo-terapêutico fonoaudiológico. Relatório Final FAP/UNIMEP Proc. SEAC/CEPE 217-05/98
PERRONI, M. C. (1996). O que é o dado em aquisição de linguagem. In Castro, M.F.P. (org.), O método e o dado no estudo da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, pp. 15-29.
VYGOTSKY, L. S. (1988). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. |
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Contato: clacerda@unimep.br |
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