Código: PTV1325
ANÁLISES PERCEPTIVO-AUDITIVA, ACÚSTICA E DA CONFIGURAÇÃO LARÍNGEA DE INDIVÍDUOS COM VOZ ADAPTADA E DISFÔNICA PRÉ E PÓS APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE FIRMEZA GLÓTICA.
 
Autores: Camila Ribeiro Mercatelli, Mara Suzana Behlau
Instituição: UNIFESP - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
 

Introdução
O processo de aperfeiçoamento vocal, assim como o tratamento fonoaudiológico das disfonias visa não somente oferecer uma melhor voz, mas também melhorar a comunicação do indivíduo, a fim de contemplar as diferentes demandas pessoais, sociais ou profissionais (1).
Com a evolução do conhecimento científico, classificações das principais abordagens empregadas na terapia de voz foram sendo propostas e modificadas(1,2). Para tanto, são necessários estudos com o intuito de verificar os efeitos das diversas técnicas propostas, realizados tanto com indivíduos normais como portadores de disfonia. Os resultados obtidos a partir destas pesquisas são essenciais para fundamentar a prática clínica baseada em evidências científicas.
A técnica de firmeza glótica foi desenvolvida por Behlau (1994) (1,2,3) e faz parte do método de competência fonatória, cujo objetivo principal é conseguir uma melhor coaptação das estruturas laríngeas à fonação. A técnica de firmeza glótica atua por meio de manipulação do trato vocal, que é semi-obstruído com a mão e produz, desta forma, uma impedância retroflexa que favorece um novo equilíbrio muscular. Esta técnica também é considerada útil na reabilitação pós-operatória de lesões benignas laríngeas, particularmente quando há fenda glótica residual ou área de menor vibração de mucosa, como nódulos, pólipo e edema de Reinke, atuando positivamente também nas situações em que há o envolvimento indesejado das estruturas supraglóticas.

Objetivo
Considerando-se a importância de se obter dados para uma prática clínica nas disfonias baseada em evidências científicas, o objetivo do presente trabalho foi verificar os efeitos da técnica de firmeza glótica em indivíduos sem queixa vocal, com voz normal e sem lesão de massa nas pregas vocais (grupo controle - GC) e em indivíduos com queixa vocal, voz alterada e presença de lesão benigna nas pregas vocais (grupo experimental - GE).

Método
Todos os indivíduos desta pesquisa foram informados sobre a sua realização, os procedimentos envolvidos e assinaram, voluntariamente, o termo de consentimento livre e esclarecido pertencente ao projeto de pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIFESP.
Participaram deste estudo 49 indivíduos, de ambos os sexos, com faixa etária delimitada entre 18 e 55 anos, que foram divididos em dois grupos: grupo controle (GC), composto por 24 sujeitos (12 homens sem lesão (HSL) e 12 mulheres sem lesão (MSL) e grupo experimental (GE) com 25 sujeitos (11 homens com lesão (HCL) e 14 mulheres com lesão (MCL). Foi realizada avaliação em três dimensões, que consistiu na análise perceptivo-auditiva da voz (escala GRBAS), acústica de parâmetros selecionados (programa Vox Metria, versão 1.1) e perceptivo-visual das imagens de laringe (análise nasoendoscópica) pré e pós a realização de um minuto do procedimento usual da técnica de firmeza glótica. Para isso, os sujeitos foram orientados a realizar o exercício, com a oclusão quase total da boca com a palma da mão sobre os lábios e produzir, sem esforço, uma emissão indiferenciada (semelhante à produção grave de “u” ou “v”), mantendo a língua relaxada e em posição baixa na boca, sem inflar as bochechas, por um minuto. As amostras de fala e as imagens visuais da configuração laríngea foram analisadas separadamente, em ordem casual, por três fonoaudiólogas especialistas em voz; e para verificar a concordância e a confiabilidade dos julgamentos intra e intersujeitos foram repetidas as avaliações de 10% das amostras. A confiabilidade média mostrou nível de excelência, com cerca de 95% de equivalência nos julgamentos. Os resultados foram submetidos a tratamento estatístico para comparação entre os grupos (com e sem lesão laríngea), entre os gêneros (feminino e masculino) e pré e pós-aplicação da técnica de firmeza glótica.

Resultados
Tabela 1 – Média dos parâmetros da análise perceptivo-auditiva (protocolo GRBAS – valor absoluto), da análise acústica (Fo Moda, Fo Média, Fo mínima e máxima em Hertz, Shimmer em porcentagem, GNE, em dB e TMF, em segundos) e dos parâmetros da análise perceptivo-visual das imagens da laringe (presença e ausência de constrição do vestíbulo laríngeo e fendas glóticas – valor absoluto), pré e pós-aplicação da técnica de firmeza glótica.

  HCL Média MCL Média HSL Média MSL Média
Parâmetros Pré Pós Pré Pós Pré Pós Pré Pós
Grau Global 1,94 1,75 1,60 1,35 1,10 0,99 1,02 0,61
Rugosidade 1,86 0,78 0,85 0,69 0,84 0,82 0,57 0,83
Soprosidade 1,33 0,89 4,66 0,67 0,89 0,87 0,94 0,78
Astenia 0,13 0,45 0,17 0,61 0,12 0,41 0,15 0,56
Tensão 0,39 0,67 0,23 0,33 0,36 0,41 0,46 0,44
Fo Moda 135,50 139,12 221,06 217,32 131,13 134,79 207,14 202,13
Fo Média 134,03 137,00 220,70 216,45 130,58 140,56 207,13 202,16
Fo Mínima 112,02 119,80 204,29 197,70 121,72 126,31 197,29 193,39
Fo Máxima 149,80 153,11 249,30 247,50 141,86 155,30 222,2 222,36
TMF 12,22 14,58 10,48 12,42 15,04 16,76 10,74 11,88
Shimmer 5,80 6,42 3,56 3,24 4,04 4,09 3,03 2,58
GNE 0,67 0,71 0,67 0,69 0,78 0,79 0,85 0,89
Sem constr. vest. 2,00 2,00 6,00 8,33 2,33 4,00 5,67 6,67
Com constr. vest. 10,00 10,00 9,00 6,33 11,67 10,00 7,34 6,33
Sem fendas glóticas 2,33 3,00 0,67 3,67 8,00 8,33 3,00 3,00
Com fendas glóticas 9,67 9,00 14,33 11,33 6,00 5,67 10,00 10,00

Discussão
Muitos pesquisadores, especialmente a partir do século XX, vem estudando a laringe e o efeito dos diversos exercícios, técnicas e métodos propostos para compreender o impacto da reabilitação vocal (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10).
A técnica de firmeza glótica parece produzir um impacto clínico bastante evidente, contudo, faltava uma avaliação científica de seu impacto. A opção pela realização de uma análise múltipla, auditiva, acústica e visual, reflete a necessidade de se compreender os diferentes efeitos dessa técnica e comparar os resultados pré e pós-execução, para indivíduos sem queixa vocal e com disfonia.
A partir dos resultados, foi possível constatar uma série de modificações nas três dimensões de análise avaliadas. Na análise perceptivo-auditiva houve redução nos desvios dos parâmetros, para todos os grupos, sendo que a soprosidade, no grupo de mulheres com lesão, apresentou a modificação mais evidente. Isso nos permite concluir que a técnica de firmeza glótica favoreceu uma produção de voz mais adaptada, por meio de modificação dos ajustes da laringe para a produção vocal, melhorando a impressão auditiva da voz (11). Quanto à análise acústica, houve uma tendência à redução dos valores da freqüência fundamental (F0) para o grupo das mulheres e, uma tendência de aumento para o grupo dos homens, o que provavelmente reflete as diferenças na configuração glótica e supraglótica de acordo com o gênero(12). Como, por meio da técnica de firmeza glótica, houve um provável relaxamento dessa região, a laringe, posicionada mais baixa e confortável no pescoço, com melhor coaptação glótica, deslocou a freqüência das mulheres para os graves. Já no gênero masculino, os motivos do deslocamento para os agudos não são tão claros e pode envolver tensão na realização dos exercícios ou aspectos musculares (13, 14, 15).
O aumento dos valores de GNE, que significa redução dos componentes de ruído, para todos os grupos pesquisados nos evidenciou a melhora do padrão de coaptação das pregas vocais e do processo vibratório (16).
Quanto à análise visual das imagens da laringe, pudemos evidenciar um menor envolvimento da supraglote após a realização da técnica, que favoreceu o equilíbrio muscular em nível glótico e supraglótico, além da redução das fendas para todos os grupos estudados.
O aumento do tempo máximo de fonação para todos os grupos estudados pós técnica pode ser explicado pela re-equilíbrio na configuração laríngea e melhor coaptação das pregas vocais, favorecendo o controle das forças mioelásticas e aerodinâmicas da produção vocal.

Conclusões
A partir da análise dos efeitos da técnica de firmeza glótica, realizada em 49 indivíduos, sem e com queixa vocal e lesão laríngea, de ambos os sexos, podemos concluir que:
1. Houve efeitos positivos em todos os grupos estudados e nas três dimensões de avaliação, de modo mais evidente nas mulheres e nos indivíduos com disfonia e lesão laríngea;
2. A análise perceptivo-auditiva evidenciou melhora da produção vocal pós-técnica, tanto na emissão da vogal sustentada como da fala encadeada, para ambos os grupos e gêneros.
3. A análise acústica mostrou aumento de tempo máximo de fonação, para todos os grupos e tendências diversas de acordo com o gênero, observando-se redução dos parâmetros relacionados à freqüência fundamental para as mulheres e tendência e aumento destes mesmos parâmetros para os homens, independente da presença ou não de lesão laríngea;
4. A análise da configuração laríngea mostrou redução da interferência negativa das estruturas supraglóticas e menor ocorrência de fendas glóticas, para todos os grupos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1, Behlau M, Madazio G, Feijó D, Azevedo R, Gielow I, Rehder MI. Aperfeiçoamento vocal e tratamento fonoaudiológico das disfonias. In: Behlau M (Org.) O livro do especialista vol. II. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
2. Behlau M, Proposta de classificação das abordagens de terapia de voz: métodos, seqüências, técnicas e exercícios. Fono Atual 2002;5:8-11.
3. Behlau M. Técnicas de reabilitação vocal. São Paulo: Apostila do Curso de Especialização. Centro de Estudos da Voz, 1994.
4. Gutzmann H. Phonoastenie Pädagog Mschr Sprachleik 1910;20:55-61.
5. Froeschels E. Chewing method as therapy. Arch Otolaryngol 1952;56:427-34.
6. Reed CG. Voice therapy: a need for research. J Speech Hear Disord 1980;45:157-69.
7. Boone D. Is your voice telling on you? San Diego: Singular,1991.
8. Stemple JC. Principles of óbice therapy. In: Stemple J. Voice therapy. Clinical studies. St. Louis: Mosby, 1993.
9. Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise, 1995.
10. Ramig L, Verdolini K. Treatment efficacy: voice disorders. J Speech Lang Hear Res 1998;41:S101-16.
11. Behlau M, Madazio G, Pontes P. Disfonias Organofuncionais. In: Behlau M (Org.) Voz – o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.
12. Azevedo R. Procedimentos terapêuticos na disfonia – enfoque fisiológico. In: Ferreira LP, Lopes DMB, Limongi SCO (Org.) Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 2004. 34-41p.
13. Carrara E. Análise comparativa da configuração laríngea, perceptual-auditiva e espectrográfica acústica da qualidade vocal pré e pós emissão vocal em registro basal. Monografia. Especialização. Escola Paulista de Medicina. São Paulo, 1991.
14. Boone DR, McFarlane SC. A critical view of the yawn-sigh as a voice therapy technique. J Voice 1993;75-80.
15. Sundberg J. Vocal tract resonance. In: Sataloff RT. Vocal Health an Pedagogy. San Diego, Singular, 1998.
16. Michaelis D., Gramss T, Strube HW. Glottal to noise excitation ratio – a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica 1997. 700-6p.

 
Contato: camilamercatelli@uol.com.br
 

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