Código: PPL1778
ALTERAÇÕES MORFOSSINTÁTICAS E FONOLÓGICAS EM INDIVÍDUOS COM A SÍNDROME DE MOEBIUS
 
Autores: Renata Cavalcante Barbosa, Célia Maria Giacheti
Instituição: SERVIÇO DE FONOGENÉTICA - HIAS / FORTALEZA -CE
 
A Síndrome de Moebius constitui uma importante condição genética desencadeada por fatores genéticos, ou, na maioria dos casos por fatores de origem ambiental. O crescimento do número de casos, especialmente nas regiões mais pobres do nosso país, reflete o uso indiscriminado do medicamento Cytotec® em práticas malsucedidas de abortos clandestinos (COELHO, 1991), expondo o feto à ação teratogênica do seu princípio ativo, a substância misoprostol (ALBANO et al, 1993). Nos casos em que possui base genética, o principal gene candidato da síndrome localiza-se próximo à banda q12.2 do cromossomo 13 ou no próprio cromossomo 13 (SLEE; SMART; VILJOEN, 1991). A síndrome se caracteriza pela ocorrência de alterações congênitas de alguns nervos encefálicos, a saber, paralisia facial geralmente bilateral, paralisia do nervo abducente e ocasionalmente dos nervos hipoglosso e glossofaríngeo (OXFORD MEDICAL DATABASE, 1996). Associados a esses achados são esperadas anormalidades esqueléticas, como pés tortos congênitos, hipomelia, sindactilia ou outras anomalias digitais (SMITH, 1989). Quanto ao espectro fonoaudiológico, comprometimentos das funções orais, da deglutição e da articulação da fala são bem descritos, estando diretamente relacionados ao grau de comprometimento neurológico e muscular das crianças acometidas com a síndrome. Dentre as manifestações possíveis nessas áreas, ressalte-se a ocorrência de Disfagia orofaríngea (ARVEDOSON; BRODSKY, 1993) e de Disartrofonia (MURDOCH; JOHNSON; THEODOROS, 1997), presentes na quase totalidade dos casos em graus variáveis de gravidade. Estudos sobre a linguagem em crianças com esta síndrome ainda são escassos. Recentemente, a presença de comprometimento da linguagem oral tem sido pesquisada na Síndrome de Moebius, haja vista a prática clínica evidenciar a presença de tais alterações em inúmeras crianças com esta condição. Barbosa e Giacheti (2003) identificaram a presença de comprometimento da linguagem oral de maneira isolada em 46.7% dos indivíduos com a Síndrome de Moebius avaliados em seu estudo e associado a alterações de fala em 40.0% dos casos. Assim, tendo em vista a crescente preocupação com a ocorrência de manifestações lingüísticas na Síndrome de Moebius, o objetivo deste estudo é descrever e correlacionar alterações morfossintáticas e fonológicas em quatro crianças com a síndrome, sendo 50% do gênero masculino e 50% do gênero feminino, com variação etária de 7 anos e 4 meses a 13 anos e 1 mês de idade. Para a coleta dos dados foram aplicados os seguintes instrumentos de avaliação: Avaliação Fonológica da Criança (YAVAS, HERNANDORENA; LAMPRECHT, 1992), em que o sistema fonológico foi considerado adequado ou inadequado com base na identificação de ocorrência acima de 75% dos fones contrastivos (fonemas) de acordo com o esperado para a idade cronológica da criança, bem como, ausência de processos fonológicos persistentes e/ou patológicos. Quando da impossibilidade de sua realização, a análise das habilidades fonológicas foi realizada em situação de fala encadeada, por meio da observância do nível de inteligibilidade da expressão verbal, sendo considerada ocorrência de alteração a presença de ininteligibilidade parcial ou total da fala ou mesmo ausência de linguagem oral. A avaliação das habilidades morfossintáticas foi realizada utilizando cartelas de figuras situacionais, que serviram de estímulo para a narração de histórias relacionadas, a fim de investigar a capacidade da criança para empregar os elementos morfossintáticos e os diversos tipos de sentenças de acordo com o contexto apresentado. Na vigência de amostra de fala muito reduzida ou mesmo ausência de linguagem oral expressiva, avaliamos apenas a capacidade da criança compreender enunciados gradativamente mais complexos do ponto de vista sintático. Desse modo, tais habilidades foram consideradas adequadas quando a criança apresentou nível de construção frasal, estágio sintático, habilidade de narrativa e compreensão auditiva de enunciados compatíveis com o esperado para a sua idade cronológica. Os resultados evidenciaram que 50% dos indivíduos apresentaram alteração fonológica e 50% déficit na capacidade articulatória; 100% demonstraram alteração da inteligibilidade da fala, manifesta, em 50% dos casos com grau moderado de severidade e em 50% com grau severo; Alteração na formação de frases e construção de narrativas foi identificada em 75% da amostra, estando uma criança (25%) no estágio sintático de fala telegráfica, em que são preservados os elementos funcionais da sentença e omitidos os elementos classe fechada ou conectivos e duas (50%) no estágio de produção de sentenças com três ou mais sintagmas, estruturadas com substantivo, verbo e complemento; uma única criança (25%) se encontrava no estágio sintático de sentenças complexas, produzidas com mais de um verbo. Correlação positiva entre alteração fonológica e morfossintática foi observada em 50% dos indivíduos, correlação negativa em uma criança (25%) e alteração sintática na ausência de alteração fonológica em um caso (25%). O desenvolvimento fonológico pressupõe o amadurecimento de habilidades de recepção, estocagem e decodificação fonêmica, bem como de recuperação e expressão da informação fonológica. Tais habilidades envolvem, além dos aspectos articulatórios da produção da fala, o processamento central dos fonemas empregados na linguagem oral. Na Síndrome de Moebius, o comprometimento neuromuscular das estruturas orofaciais e/ou de palato mole repercute diretamente na capacidade motora da fala (CHEVRIE-MULLER; NARBONA, 2005) e ainda na habilidade do falante para apreender os sons com valor opositivo de sua língua materna na medida em que afeta tanto a expressão quanto o processamento central da informação fonológica, justificando assim a ocorrência de alteração fonológica na síndrome, desencadeada por comprometimento na entrada e na saída da informação auditiva. Desse modo, é imprescindível considerar que mesmo na vigência de comprometimento periférico das estruturas orofaciais atuantes no processo de produção da fala, como ocorre na Síndrome de Moebius, pela paralisia de nervos cranianos, é possível a ocorrência de dificuldades da fala não estarem relacionadas a estas alterações (YAVAS; HERNANDORENA; LAMPRECHT, 1992). Em adição, de acordo com Hall (1983), o mecanismo de produção da fala envolve a capacidade de adequação estrutural e funcional, assim, a interdependência de tais habilidades pode justificar a presença de comprometimento articulatório, fonético e/ou fonológico na Síndrome de Moebius. Este fato torna-se ainda mais explícito quando adotamos o modelo de produção da fala que não se limita à distinção binária fonética x fonologia, assim como proposto por Hewlett (1985) que considera a existência de três níveis durante a produção da fala: a fonologia, nível cognitivo mais complexo que envolve a seleção de palavras de acordo com a sua representação fonológica; a fonética, nível organizacional do controle e coordenação motora que envolve a seleção, ordenação e sequencialização de padrões motores estocados e a articulação, nível periférico de produção da fala, responsável pela elaboração dos movimentos articulatórios. Ressalte-se ainda, que o grau de severidade da ininteligibilidade da fala esteve diretamente relacionado à presença de comprometimento fonológico, revelando o impacto da assimetria do sistema fonológico, ocasionada pela perda de múltiplos contrastes fonológicos, na habilidade da criança para produzir uma fala compreensível (WERTZNER, 2003). A presença de correlação positiva entre alteração sintática e fonológica, identificada em 2 dos 4 sujeitos, evidencia a magnitude que o comprometimento da linguagem oral pode atingir indivíduos com a Síndrome de Moebius, agravando ainda mais as suas habilidades comunicativas, já afetadas pelo prejuízo da expressão facial e da produção motora dos sons. Não obstante, o espectro de manifestações lingüísticas na síndrome é diverso, haja vista a ausência de correlação em um dos nossos casos, que evidenciou alteração sintática e de narrativas na ausência de déficit fonológico, confirmando a possibilidade de os componentes da linguagem oral apresentarem grau e forma de comprometimento variável. Assim, concluímos que a ausência de prejuízo fonológico não descarta a presença de comprometimento da linguagem oral, haja vista ser possível a ocorrência simultânea ou não de alterações morfossintáticas e fonológicas em indivíduos com a Síndrome de Moebius. Tais achados contribuem para melhor compreensão acerca da natureza e da gravidade do distúrbio de linguagem nesta síndrome, fatores estes, de extrema relevância para a caracterização do diagnóstico e delineamento do processo de reabilitação fonoaudiológica.
 
ALBANO, L. M. J. et al. Atresia de coanas: relato de um caso em que o uso do misoprostol como abortivo falhou. Rev. Paul. Pediatr., v. 11, n. 3, p.217-20, set. 1993.
ARVEDSON, J.; BRODSKY., L. Pediatric swallowing and feeding: assessment and management. San Diego: Singular Publishing Group, 1993.
CHEVRIE-MULLER, C.; NARBONA, J. A linguagem da criança: aspectos normais e patológicos. 2 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
COELHO, H. L. O que está em jogo no caso Cytotec. Ciência Hoje, v. 13, n. 76, p. 60-3, set. 1991.
HALL, P.K. The oral mechanism. In: WEINBER, B.; MEITUS, I.J. (Ed). Diagnosis in speech-language pathology. San Diego: Singular Publishing Group, 1983. p. 66-97.
HEWLETT, N. Ohonological versus phonetic disorders some suggested modifications to the corrent use of the distinction. Brit Dis Comm. v. 20, p. 155-164, 1985.
MURDOCH, B. E.; JOHNSON, S. M.; THEODOROS, D. G. Physiological and perceptual features of dysarthria in Moebius syndrome: directions for treatment. Pediatr. Rehabil., United Kingdom, v. 1, n. 2, p. 83-97, Apr.-June 1997.
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SMITH, D. W. Síndromes de malformações congênitas: aspectos genéticos, embriológicos e clínicos. 3. ed. São Paulo: Manole, 1989.
WERTZER, H.F. Distúrbio Foológico. In: LIMONGI, S.C.O. (Org.) Fonoaudiologia – informação para formação/Linguagem: desenvolvimento normal, alterações e distúrbios. 1 ed. Guanabara, 2003. p. 33-47.
YAVAS, M.; HERNANDORENA, C.L.M.; LAMPRECHT, R. R. Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
 
Contato: renatabarbosa@unifor.br
 

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