HIPERACUSIA E ZUMBIDO: ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR |
Mariana Lopes Fávero
Palestrante |
Instituição: DERDIC E HOSPITAL DO SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL DE SÃO PAULO |
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O zumbido é definido como uma percepção consciente de um som gerado dentro do organismo do indivíduo, sem que haja uma fonte sonora externa. Estatísticas mostram que esse sintoma atinge cerca de 17% da população em geral, sendo que em idosos esse número aumenta para 33% da população. É considerado o terceiro pior mal que pode atingir o ser humano, só perdendo para a dor e a tontura intensa, segundo pesquisa realizada pela Public Health Agency of América, em 1984/1985.
A grande maioria das pessoas com zumbido não refere nenhum distúrbio ou grau de incômodo gerado por esse sintoma, no entanto, cerca de 25% dessas sentem-se tão incomodadas que podem apresentar alterações graves na qualidade de vida, com prejuízo intenso do estado emocional e, em alguns casos, podendo até levar ao suicídio.
O zumbido pode ser dividido em duas grandes categorias: zumbidos causados por alterações nas estruturas paraauditivas, mais comumente vasos arteriais e venosos da região cervical e músculos da orelha média, e os originados pelo sistema auditivo sensorioneural. Especificamente em relação ao segundo grupo, numerosas hipóteses para a geração e manutenção do zumbido têm sido postuladas. A partir da descrição do modelo neurofisiológico de entendimento do zumbido, feita por Pawel Jastreboff em 1990, tornou-se um consenso que o zumbido é resultado de uma atividade neural anormal em qualquer ponto do sistema auditivo, mais freqüentemente na cóclea, e que é erroneamente interpretado como som por alguns centros do sistema nervoso central, incluindo vias auditivas e não auditivas.
Várias teorias têm sido postuladas nos últimos anos na tentativa de se explicar a gênese do zumbido. Uma delas relaciona uma disfunção do sistema auditivo eferente, mais especificamente do trato olivococlear medial, como fator desencadeante ou mantenedor desse sintoma.
O trato olivococlear medial age sobre os movimentos das células ciliadas externas (CCE) provocando uma hiperpolarização através da liberação de acetilcolina na fenda sináptica. Esta hiperpolarização ocorre em oposição à despolarização, induzida naturalmente pelos estímulos sonoros e mantém a membrana basilar em uma posição adequada para a transdução fiel das características do estímulo auditivo.
Segundo muitos autores, a hiperpolarização é evidenciada pela redução da amplitude das emissões otoacústicas (EOA) com o uso de uma estimulação acústica na orelha contralateral e sofre influência da lateralidade do sistema nervoso central seguindo os padrões de predominância hemisférica, não apresentando, portanto, resultados semelhantes entre as orelhas direita e esquerda de indivíduos destros e canhotos.
Uma disfunção do sistema eferente leva a perda de modulação das células ciliadas externas, ou seja, deste equilíbrio entre despolarização e hiperpolarização, gerando uma atividade elétrica anormal e exacerbada que pode ser erroneamente interpretada como som pelo Sistema Nervoso Central. Esta alteração na modulação pode ocorrer em função de uma lesão específica das células ciliadas externas, levando a uma redução dos estímulos eferentes inibitórios, ou por uma alteração intrínseca do equilíbrio entre o componente excitatório e inibitório, com predomínio do primeiro .
Como evidência desta disfunção, há relatos de pacientes com zumbido apresentando diminuição ou ausência de supressão das EOA durante a estimulação acústica contralateral.
Um dos maiores problemas no entendimento do zumbido é a falta de medidas objetivas que podem ser empregadas na sua análise. Por ser, na maioria dos casos, um sintoma subjetivo, há uma grande dificuldade na sua caracterização, da mesma forma que no desenvolvimento de pesquisas e de modelos animais. A tarefa se torna mais complexa ainda quando se tenta classificar e se correlacionar o grau de incômodo do zumbido com os mais diversos fatores psicológicos, audiométricos e etiológicos.
Já em relação à sua caracterização psicoacústica, ou seja, a determinação da intensidade, freqüência, caracterização sonora e mascarabilidade, muitas pesquisas têm mostrado uma fraca relação entre essas especificações e a evolução clínica desse sintoma, isto é visto claramente em vários pacientes com um zumbido de fraca intensidade determinada pela análise psicoacústica que têm referido alto grau de desconforto, enquanto que, zumbidos de alta intensidade nem sempre são responsáveis por um grau de incômodo tão grave. O grau de incômodo do zumbido parece ser mais facilmente determinado se o correlacionamos com fatores psicológicos como depressão, problemas de concentração, irritabilidade, alterações de sono do que com as características audiométricas, simplesmente.
Do ponto de vista terapêutico, várias opções de tratamento já foram tentadas, entre elas medicamentos, cirurgia, mascaramento, aparelhos de amplificação auditiva, acupuntura, com melhores ou piores resultados, dependendo de cada caso. O sucesso de cada tipo de tratamento está intimamente relacionado com o diagnóstico etiológico do zumbido por isso somente uma avaliação otorrinolaringológica criteriosa será capaz de identificar alguma afecção otológica, metabólica, neurológica, cardiovascular, odontológica ou psicológica. Descobrindo-se a causa fica mais fácil indicar a melhor opção entre as várias existentes para o controle e o alívio deste sintoma.
Um outro método de tratamento do zumbido é a TRT (Tinnitus Retraining Therapy) ou terapia de habituação ou retreinamento do zumbido, descrita por Jastreboff e baseada em seu modelo neurofisiológico, ou seja, em fundamentos da neurofisiologia e na transmissão de sinais pelo sistema nervoso. Esta terapia é utilizada em várias clínicas de zumbido distribuídas pelo mundo e consiste na estimulação da plasticidade do sistema nervoso central, visando a enfraquecer as alças de ativação do sistema límbico e do sistema nervoso autônomo, reduzindo progressivamente o grau de incômodo e posteriormente a percepção auditiva do zumbido. Como se baseia em mudanças nas relações neuronais, esta terapia requer tempo, o que as vezes pode gerar alguma ansiedade no paciente. Apesar de haver algumas pessoas que se habituam rapidamente, para a maioria, este processo ocorre em 12 a 18 meses e o acompanhamento é realizado com 1, 3, 6, 12 e 18 meses. Esta terapia têm sido empregada no ambulatório de Zumbido e Hiperacuusia do Hospital do Servidor Publico Municipal de São Paulo desde o ano de 2001 com resultados satisfatórios.
Apesar de muitos casos, principalmente os mais graves, ainda não terem cura, uma abordagem diferenciada feita por profissionais com formação para atender estes pacientes, com identificação e tratamento dos fatores associados com o aparecimento deste sintoma, pode ajudar na redução do grau de incômodo e na melhora da qualidade de vida destas pessoas.
Bibliografia:
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