Código: PPL0891
MIELOMENINGOCELE: RELAÇÃO ENTRE A ÉPOCA DE TRATAMENTO CIRÚRGICO E O DESEMPENHO COMUNICATIVO |
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Autores: Melina Evangelista Whitaker, Luciana Paula Maximino De Vitto, Dionísia Aparecida Cusin Lamônica, Adriano Yacubian Fernandes |
Instituição: FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE BAURU/ USP; FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU/ UNESP |
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A mielomeningocele é uma malformação congênita, que consiste na falta de fechamento do tubo neural, durante a quarta semana da embriogênese, acarretando malformação congênita, caracterizada por protrusão cística que contém meninges anormais, líquido cefalorraquidiano, elementos da medula espinhal e nervos. Assim, a medula espinal e as membranas de revestimento se projetam na parte de trás da cabeça ou das costas, dependendo da localização. Por este motivo, é necessário que seja realizada a cirurgia de fechamento desta lesão até as primeiras setenta e duas horas após o nascimento, de forma que sejam preservadas as estruturas nervosas e recuperadas suas funções, o mais precocemente possível, evitando riscos nos quatro sistemas afetados, sistema nervoso central, aparelho geniturinário, aparelho de locomoção e pele1.
A gravidade das manifestações clínicas da mielomeningocele varia desde as discretas deficiências sensitivo-motoras de localização distal e disfunção neurogênica dos esfíncteres até a paralisia completa, malformações ósseas graves e uma série de anomalias concomitantes do desenvolvimento e do sistema nervoso, com déficits da cognição, da percepção ou da atenção que afetam a deambulação, a independência das atividades de vida diária, o desempenho na escola e a qualidade de vida2,3.
Uma criança com alterações motoras pode levar mais tempo que o esperado para entender e armazenar informações. Se a criança adquire o conhecimento por meio da exploração do meio, da manipulação dos objetos, da repetição de ações, pelo domínio próprio do controle do esquema corporal e pelas relações estabelecidas nas situações por ela vivenciadas, a mesma necessita não somente do controle maturacional motor do sistema nervoso, mas do desenvolvimento das ações; nestas condições essa criança vai perdendo as oportunidades concretas de viabilizar ampliações de seu repertório4,5.
A hidrocefalia é uma complicação prevista nos casos de mielomeningocele comum em 90% destes, podendo causar degeneração axonal, compressão dos espaços extracelulares, prejudicando a efetividade das transmissões neuroquímicas, displasia do corpo caloso, dilatação da substância branca periventricular, interrupção da mielinização normal, redução do fluxo sangüíneo no lobo frontal e redução da espessura da camada cortical do cérebro1.
Estudos revelam que crianças com mielomeningocele e hidrocefalia têm demonstrado significantes diferenças individuais no funcionamento neurológico e comportamental, incluindo o desempenho cognitivo, sendo estas reflexos da combinação de influências neurológicas, médicas, familiais e ambientais as quais essas crianças estão expostas1, 6.
A literatura apresenta que a criança com mielomeningocele poderá apresentar alterações no desempenho de habilidades cognitivas e de linguagem devido à complicações na válvula de drenagem da hidrocefalia, ao local da lesão além do fechamento precoce da mielomeningocele3,6.
Considerando o exposto, visto a complexidade das manifestações clínicas da mielomeningocele, este estudo teve como objetivo estudar o desempenho de habilidades lingüísticas em crianças com mielomeningocele e correlacioná-las à época de fechamento da mielomeningocele. Aprovação do Comitê de Ética protocolo 27/2003.
A amostra deste estudo foi constituída por 10 indivíduos com mielomeningocele com idade entre 3 e 10 anos, de ambos os sexos e grupo controle pareado quanto à idade e sexo. Investigou-se a localização da malformação e quantas horas após o nascimento foi realizada a cirurgia de fechamento da mielomeningocele, por meio do relato dos pais e dados constantes no prontuário médico. A avaliação fonoaudiológica clínica da linguagem oral, foi realizada por meio da análise de conversa espontânea dos indivíduos e aplicação do Teste Illinois de Habilidades Psicolingüísticas (ITPA)7.
O ITPA é composto por 12 subtestes: recepção auditiva, recepção visual, memória seqüencial visual, associação auditiva, memória seqüencial auditiva, associação visual, “closura” visual, expressão verbal, “closura” gramatical, expressão manual, “closura” auditiva e combinação de sons; os quais foram todos aplicados e calculados os escores exatamente de acordo com as informações descritas no Manual do Teste.
Entre os dez indivíduos participantes da amostra, o horário entre o nascimento e os procedimentos cirúrgicos variou de 24 a 600 horas após o nascimento. Ressalta-se que a localização da malformação, neste grupo, foi a porção inferior da medula espinhal lombo-sacral. Dos indivíduos estudados 50% submeteram-se à cirurgia até o terceiro dia de vida (72 horas). Foi relatado também a ocorrência de hidrocefalia e a colocação da válvula de derivação periventricular.
Durante a avaliação clínica da linguagem oral, foi observado bom desempenho comunicativo nas situações de conversa espontânea, em assuntos de vida diária, com manutenção e coerência de turnos, bem como boa compreensão para ordens simples, para a maioria das crianças do grupo experimental. Em relação ao ITPA, foram observados escores abaixo do esperado para a idade cronológica das crianças, na maioria dos subtestes aplicados. Comparando tais achados, nota-se a importância de avaliações instrumentais, que complementem a avaliação clínica da linguagem, capazes de mensurar e localizar alterações do processo de linguagem que podem interferir nas atividades mais elaboradas da comunicação. Foi realizado tratamento estatístico para a análise dos dados do ITPA, por meio do teste de Mann Whitney, p< 5.
Quando analisados cada subteste em específico, o grupo controle obteve desempenho superior ao grupo experimental com diferenças estatisticamente significantes, nos subtestes de: recepção visual, memória visual, associação auditiva, associação visual, closura visual, expressão verbal e combinação de sons. Nos subtestes de recepção auditiva, memória auditiva, closura gramatical, expressão manual e closura auditiva, as médias do grupo controle foram superiores às do grupo experimental, porém não havendo diferenças estatisticamente significantes.
Desta forma, a recepção visual sendo a via de entrada do processamento das informações visuais estando alterada, dificulta a closura, a discriminação, a associação e o armazenamento destas informações, isto é, a memória visual; justificando assim as alterações destes outros subtestes.
A alteração no subteste de expressão verbal, que avalia o repertório lingüístico do indivíduo de acordo com objetos concretos apresentados, pode ser justificada pela restrição de atividades dialógicas e estimulação de linguagem, em geral, aos quais estes indivíduos estão expostos. Dados da literatura, confirmaram estes achados 2,3.
A alteração no subteste de associação auditiva, pode ser resultado desta pobre estimulação de linguagem, bem como das próprias alterações anátomo-funcionais do encéfalo previstas na mielomeningocele e na hidrocefalia, tanto no corpo caloso, como difusamente na substância branca 1,7.
O subteste de combinação de sons apresentou-se alterado principalmente nos indivíduos com alterações fonético-fonológicas. Nos outros casos a alteração pode ser justificada pela conseqüência da alteração das associações auditiva e visual que dificultam o desenvolvimento da consciência fonológica.
Foi realizado tratamento estatístico, por meio do teste de Spearman (P<0,05), a fim de pesquisar a correlação entre a época de fechamento da mielomeningocele, em horas, com a média dos escores escalares de todos os subtestes do ITPA aplicados. A correlação encontrada foi estatisticamente significante, uma vez que P= 0,049. As crianças que realizaram cirurgias, no período que antecederam às 72 horas apresentaram melhor desempenho nas habilidades avaliadas, ou seja, houve correlação positiva entre os melhores escores do ITPA obtidos, quanto mais precoce foi realizada a cirurgia de fechamento da mielomeningocele e que provavelmente possibilitou a reversão precoce dos efeitos deletérios da mielomeningocele e hidrocefalia. Embora não foram aplicados os mesmos protocolos de avaliação, os achados da literatura corroboram com os resultados deste estudo 1,2,3,6.
Conclui-se, assim, que os indivíduos com mielomeningocele tiveram melhor desempenho comunicativo quanto mais precoce foi realizado o fechamento da lesão de mielomeningocele.
Nota-se, com este estudo, que há necessidade da Fonoaudiologia intervir junto aos indivíduos com mielomeningocele, preventivamente, desde a estimulação adequada da linguagem, por meio de orientação familiar, bem como, reabilitando os processos perceptivos alterados, de atenção, recepção, associação e memória, como forma de se evitar comprometimentos da linguagem oral e escrita destes indivíduos, melhorando seu desempenho comunicativo. |
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1. ARTS, M. P.; JONG, T. H. Thoracic meningocele, meningomyelocele or myelocystocele? Diagnostic difficulties, consequent implications and treatment. Pediatrics Neurosurg 40(2)75-9, 2004.
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7. BOGOSSIAN, M. D.; SANTOS, M. J. Manual do Examinador: Teste de Illinois de Habilidade Psicolingüistica. Rio de janeiro EMPSI, 1977. |
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