A LINGUAGEM COMO MATERIAL CLÍNICO E DE PESQUISA
Ivone Panhoca
Coordenador(a)
 
INTRODUÇÃO “...o fonoaudiólogo pesquisador não é necessariamente um clínico; o clínico é desejavelmente um pesquisador, mas ambos não necessariamente optam por ser terapeutas. Como diferencia-los mais precisamente? (CUNHA, 2004, p. 902) Contrariando princípios da metodologia científica que nos orientam a não começar um texto diretamente com uma citação, que nunca deve ser abruptamente introduzida, faço-o, aqui, numa tentativa de aproximar o leitor da responsabilidade diante da qual vejo-me colocada com o tema “A linguagem como material clínico e de pesquisa”, em relação ao qual tenho que me posicionar, no limite máximo de 1500 palavras. E, colocada diante da questão, inicio minha explanação lembrando que, como não poderia deixar de ser, vou falar de uma determinada “posição sócio-histórica”, ou seja : vou falar a partir da minha história profissional, uma história (como todas as outras) marcada pelos autores que têm sido co-responsáveis pela fonoaudióloga que eu sou hoje. Dessa forma, começo reafirmando o que tenho dito com certa freqüência : que não é, nunca, possível falar sobre conceitos em abstrato; ao contrário, só acho possível falar sobre conceitos a partir do ângulo de visão que temos deles, uma vez posicionados sócio-histórico-filosoficamente. Ou seja : parece-me que falar de “linguagem”, de “clínica” e de “pesquisa” significa, automaticamente, assumir uma posição teórico-filosófica, entendendo-se que – em especial na área da linguagem - intervenções clínicas (aqui entendidas como terapêuticas), tanto quanto pesquisas, são efetivadas e legitimadas com base em conhecimentos produzidos no interior de arcabouços teóricos comprometidos com princípios e com “valores” (ideológicos e filosóficos) possibilitados por determinados conceitos e proposições. LINGUAGEM A linguagem - da qual decorre o tema desse texto - pode ser considerada “um comportamento como qualquer outro” e como passível de análise apenas na forma de “comportamento manifesto”. Pode ser, ainda, considerada como “resultado do amadurecimento biológico/cognitivo” e, em decorrência disso, como “representação do conhecimento”. Em contraposição a tais concepções, a linguagem pode ser entendida como uma construção sócio-histórica. Desse ponto de vista, sujeito e linguagem encontram-se no palco da interação verbal, aqui entendido como o lugar de produção da linguagem e, portanto, como o lugar de “produção de sujeitos”. A linguagem, então, seria construída/reconstruída continuamente em processos interativos. E dessa forma ela não estaria, nunca, “pronta de antemão”, trazendo à tona a precariedade da temporalidade, nos termos de Geraldi (1993, p. 6), segundo quem : “Trata-se de erigir como inspiração a disponibilidade para a mudança” Entende-se, ainda, que no trato com os temas aqui enfocados – linguagem, clínica, pesquisa – é fundamental reconhecer a natureza social/semiótica do psiquismo humano, o que implica em não perder de vista o processo de constituição da subjetividade humana e, portanto, o processo de constituição do “ser (humano) social”. E, da mesma forma, para se falar da linguagem como “material clínico” há que se falar de “uma determinada clínica”. E como falar em linguagem, em clínica (fonoaudiológica) e em pesquisa sem falar em sujeito? Afinal : Clínica para quem? Linguagem de quem? Pesquisa por quê? CLÍNICA Dentre as diversas formas pelas quais pode-se enfocar a clínica (fonoaudiológica) vou aqui, falar de uma clínica terapêutica “voltada ao material simbólico”. De uma clínica voltada, ainda, ao trabalho com pessoas, estratégias e recursos lingüísticos e sociais que tem, cada um deles, o potencial de ser - ou de vir a ser - “significativo para o sujeito que procura pela clínica fonoaudiológica porque busca, via linguagem, agir sobre o mundo. (lembrando - como nos advertiu Cunha (2004) no início desse texto - que falar em clínica não necessariamente significa falar em clínica terapêutica). Fala-se, aqui, de uma clínica terapêutico-fonoaudiológica que não ignora a existência do psiquismo humano, ao mesmo tempo em que não ignora que tal psiquismo é construído no contexto sócio-histórico que marca e constitui o sujeito. Nesse sentido, a linguagem, na clínica terapêutico-fonoaudiológica, se insere em formats de interações e ações que criam/recriam interações e ações da(s) cultura(s) em que profissional e paciente (terapeuta e sujeito) se circunscrevem. SUJEITO Na linha de raciocínio aqui desenvolvida não há “sujeito dado”; há, tão somente, o sujeito que se constrói no processo histórico-cultural. “... É no acontecimento que se localizarão as fontes fundamentais produtoras da linguagem, dos sujeitos e do próprio universo discursivo” (GERALDI, 1993, p. 7) O sujeito do qual se fala aqui é visto como sendo/tendo sido constituído nas relações com os outros. Ele é, portanto, semiótico. É um sujeito da cultura (e não um “sujeito biológico” ou um “sujeito da cognição”) e, como tal, só pode ser compreendido na sua relação com o signo; na sua relação com a linguagem. Sujeito singular; em contínua constituição e que não é mero “produto da história”; ao contrário é um agente que produz transformações na história e, ao faze-lo, se produz nesse processo : “...o homem produz linguagem e se produz simultaneamente na/pela linguagem” (SMOLKA, 1997, p. 38). PESQUISA Minayo (1994) nos lembra que o pesquisador não tem como fugir de escolhas, feitas a partir de sua posição social, em determinado momento histórico . Nesse sentido, para que pessoas ou grupos de pessoas possam ser investigados no processo de (co)autoria de (suas) histórias é necessário que ocorram “construções teóricas” que os transformem em objetos de estudo. Perroni (1996, p. 25) afirma que \\\"Cabe ao pesquisador a escolha, escolha esta fortemente dependente da posição teórica defendida com relação à natureza do seu objeto de análise - a linguagem\\\" A respeito das especificidades da linguagem, do seu papel na vida do ser humano e do cuidado que ela “merece” de quem se dispõe a pesquisá-la, Polkinghorne (1988, p. 183) nos lembra que para trabalharmos com dados lingüísticos precisamos de “ferramentas” específicas : “The kind of knowledge that can be obtained from the realm of meaning with its linguistic structures is different from that obtainable from the material and organic realms. This knowledge is developed through hermeneutic techniques, and consists of descriptions of meaning. Knowledge of the realm of meaning cannot be organizes into covering laws, and it does not provide information for the prediction and control of future linguistic events” Para se fazer pesquisas na área da linguagem são necessários princípios metodológicos que se centrem no entrelaçamento das dimensões cultural, histórica e semiótica do funcionamento humano. É necessário, então, uma articulação acurada entre os dados da história do sujeito e os dados obtidos através do acompanhamento dos processos e episódios lingüístico-interativos nos quais ele (e só ele) se insere. CONSIDERAÇÕES FINAIS As ações do fonoaudiólogo com e sobre a linguagem são sempre determinadas (implícita ou explicitamente) por concepções - de linguagem e de ser humano, entre outras - que não só determinam a forma como dá-se a compreensão do fenômeno sob observação e análise como configuram a atuação do profissional. Então, refletir sobre a atuação terapêutico-fonoaudiológica e sobre pesquisa, diante dos fenômenos lingüísticos implica, necessariamente, em refletir sobre a(s) concepção(ões) de linguagem e sobre as concepções de clínica terapêutica e de pesquisa que norteiam os trabalhos do profissional. E a complexidade da linguagem (tanto quanto a da clínica terapêutica e a da pesquisa na área) impõe a exigência de se refletir sobre as condutas adotadas pelo profissional, já que não é qualquer concepção de linguagem - e , portanto, qualquer conduta terapêutica - que pode responder às exigências que são colocadas diante da clínica terapêutico-fonoaudiológica e diante das pesquisas na área da linguagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUNHA, M. C. Linguagem e psiquismo : considerações fonoaudiológicas estritas. In : Ferreira, L.P.; Befi-Lopes, D. M.; Limongi, S. C. O. (orgs). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo : Roca, 2004, p. 899-902 GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo : Martins Fontes, 1993. MINAYO. M. C de S. Pesquisa social – teoria, método e criatividade. Petrópolis : Editora Vozes, 2003 PERRONI, M. C. O que é o dado em aquisição da linguagem? In: Castro M. F. P. (org.). O método e o dado no estudo da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 1996, p. 15-26. POLKINGHORNE, D. E. Narrative knowing and the human sciences. Albany : State University of New York Press, 1988 SMOLKA, A. L. B. Esboço de uma perspectiva teórico-metodológica no estudo de processos de construção do conhecimento. In : Góes, M. C. R.; Smolka, A. L. B. (orgs) A significação nos espaços educacionais – interação social e subjetivação. Campinas : Papirus Editora, 1997, p. 29-45.
 
Contato: ipanhoca@unimep.br
 

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