Código: PPD0073
AVALIAÇÃO DA DEGLUTIÇÃO E QUALIDADE DE VIDA RELACIONADA A DEGLUTIÇÃO EM PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA
 
Autores: Débora Dos Santos Queija, Ana Paula Brandão Barros, Daniela Scalet Amorim Braz, Inês Nobuko Nishimoto, Yára Dadalti Fragoso
Instituição: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS-UNIMES/CENTRO DE TRATAMENTO E PESQUISA HOSPITAL DO CÂNCER -A.C.CAMARGO
 
Introdução: A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória desmielinizante do sistema nervoso central (SNC) caracterizada por episódios repetidos de disfunção neurológica com remissão variável e leva ao aparecimento de diversos sintomas e sinais neurológicos(1). A alteração na deglutição é um dos sintomas observados em portadores de EM, porém, ainda é considerada um sintoma secundário da doença mesmo tendo a aspiração, a perda de peso e a pneumonia como possíveis complicações(2,3). Devido à própria peculiaridade da doença, os sintomas de deglutição podem se manifestar de forma intermitente ou persistente(4,5) em estágios mais precoces ou avançados da doença.
A Escala Expandida de Avaliação do Status de Incapacidade (EDSS)(6) é uma medida utilizada e considerada eficaz embora privilegie a mobilidade e seja pouco sensível aos outros aspectos da doença
A disfagia pode acarretar comprometimentos na qualidade de vida (QV) dos portadores de EM, especialmente, no que se refere à mudança de hábitos, restrição na alimentação e o risco de complicações como a broncoaspiração e a pneumonia, que podem ser uma das causas de morbidade(7,8,9,10).
Diversos estudos descrevem a QV global e alguns aspectos específicos na EM, porém poucos descrevem sua relação com a deglutição(11,12,13). A avaliação da QV permite analisar o impacto da doença e do tratamento sob a perspectiva do doente e o SWAL-QOL(14) é um instrumento para pesquisadores e clínicos da disfagia.
McHORNEY et al.(14) elaboraram e validaram o SWAL-QOL, no qual as escalas desenvolvidas conseguem diferenciar desde deglutições normais à disfagias orofaríngeas independentemente da sua etiologia. Este instrumento também é sensível quanto à severidade da disfunção. Os 10 conceitos avaliados pelo SWAL-QOL são o fardo, desejo de se alimentar, freqüência dos sintomas, seleção do alimento, comunicação, medo, saúde mental, função social, sono e fadiga.
Objetivo: Este estudo teve como objetivo avaliar os sintomas e os sinais clínicos da deglutição e a QV relacionada à deglutição em portadores de EM e sua relação com a incapacidade global.
Método: O estudo foi prospectivo e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimes - 019/2003. Todos os pacientes convidados a participarem deste estudo são cadastrados no Centro de Referência de EM da Litoral Paulista (CEREM). Os pacientes foram encaminhados ao Serviço de Fonoaudiologia da UNIMES pela Disciplina de Neurologia independentemente da presença de queixas quanto à deglutição. Participaram deste estudo 29 pacientes, sendo 25 mulheres e 4 homens. O diagnóstico de EM, a caracterização da forma clínica foi realizado conforme os critérios de Poser et al(1); também foi utilizada a Escala Expandida de Avaliação do Status de Incapacidade (EDSS)(6).
Foi realizada uma anamnese em relação à presença de queixas de deglutição e sua respectiva caracterização. Em seguida, o paciente foi submetido à avaliação clínica da deglutição que foi realizada através da deglutição de 5 e 20 ml de líquido e 3 colheradas de 5 ml de pastoso. Se o paciente não apresentasse condições clínicas para a deglutição eram propostas modificações das consistências e quantidades e a associação de posturas e manobras de proteção das vias aéreas inferiores. Porém nesta amostra não foram necessárias adaptações para a avaliação da deglutição.
Avaliação clínica foi realizada por 3 fonoaudiólogas com experiência em tratamento fonoaudiológico das disfagias de etiologia neurogênica. Foi determinado o número ímpar de terapeutas para se chegar a um denominador comum em caso de discordância quanto ao diagnóstico. A avaliação foi monitorada pela deglutição dos quatro dedos proposta por Logemann(15), e pela ausculta cervical e pulmonar pré, durante e após as deglutições com o objetivo de compará-las intraindividualmente. Em relação à ausculta cervical foi observado a apnéia da deglutição, a qualidade vocal pré e pós-deglutição e a qualidade vocal após respirações rápidas e curtas(16).
A qualidade de vida relacionada à deglutição foi mensurada através da aplicação do questionário SWAL-QOL - Quality of Life in Swallowing Disorders, um instrumento com 44 questões que avalia 10 domínios da qualidade de vida como: o fardo, o desejo, a freqüência de sintomas, a seleção de alimentos, a comunicação, o medo, a saúde mental, a função social, o sono e a fadiga. Caracteriza também a consistência dos líquidos e alimentos deglutidos e auto-classifica a saúde do indivíduo(14). Para a análise estatística agrupamos as cinco variáveis de auto-classificação da saúde, sendo ruim e regular como uma variável ruim, e boa, muito boa e excelente como uma variável boa.
Todas as respostas dos pacientes foram convertidas numa pontuação que varia de 0 a 100, onde 0 corresponde a uma pontuação ruim e 100 boa. Após a conversão, os valores de cada resposta dentro de cada domínio foram somados e o resultado foi então dividido pelo número de itens do domínio analisado. O escore final é a somatória de todos os domínios divididos por 10(14).
O teste exato de Fisher foi aplicado nas tabelas 2x2 para verificar as associações entre as variáveis categóricas e os escores do EDSS. O teste não paramétrico U de Mann-Whitney foi realizado para comparar os resultados do SWAL-QOL com as variáveis queixas, diagnóstico de disfagia e os escores do EDSS. O nível de significância de 5% foi adotado para todos os testes estatísticos.
Resultados: Na anamnese em relação às queixas clínicas, 15 (52%) pacientes referiram queixas, sendo 9 (31%) pacientes com dificuldade de deglutição intermitente, 6 (21%) com dificuldade de deglutição persistente, 13 (45%) referiram sensação de alimento parado, 5 (17%) dificuldades para mastigar, 4 (14%) dificuldade para usar a língua para movimentar o alimento dentro da boca, 6 (21%) necessitavam ingerir líquidos enquanto comiam, 7 (24%) tossiam após beber líquidos e após comer, 5 (17%) relataram episódios de retorno do alimento para o nariz, 8 (28%) referiram falta de fôlego após comer, 5 (17%) apresentavam excesso de saliva e 4 (14%) referiram dificuldades com temperatura dos alimentos, sendo 1 (3.5%) para gelado e 3 (10%) para quente.
Dos 29 pacientes submetidos à avaliação clínica da deglutição foi observado sinais de disfagia orofaríngea 11 (38%) pacientes.
A mediana da qualidade de vida global relacionada à deglutição foi 82. Em relação aos domínios fadiga, desejo, freqüência de sintomas e medo foram os que apresentaram as medianas mais baixas.
Dentro do questionário de qualidade de vida relacionada à deglutição 1 (3.5%) paciente auto-classificou sua saúde em excelente, 2 (7%) muito boa, 15 (52%) boa, 8 (28%) regular e 3 (10%) ruim.
Quando analisamos se havia correlação entre a queixa do paciente com o diagnóstico fonoaudiológico da avaliação clínica constatamos concordância com significância estatística com as queixas de dificuldade de deglutição persistente (p=0,001), sensação de alimento parado (p=0,003), dificuldade em usar a língua para movimentar o alimento na boca (p=0,014), necessidade de beber líquido quando come (p=0,001), tosse após beber líquidos (p=0,006), tosse após comer (p=0,006), refluxo nasal (p=0,004), falta de ar após comer (p=0,028), excesso de saliva (p=0,004).
Ao comparar as queixas com o SWAL-QOL, observamos significância estatística para quase todos os domínios na maior parte das queixas.
Dos 11 pacientes que apresentaram sinais clínicos de disfagia na avaliação fonoaudiológica e comparamos ao EDSS, observamos que 10 (91%) eram do grupo com EDSS maior ou igual a 3.5 (p=0,002).
Todos os pacientes que tiveram o diagnóstico clínico de disfagia tiveram uma pontuação pior na QV relacionado a deglutição. Todas as correlações tiveram significância estatística.
Os pacientes disfágicos classificaram sua saúde como ruim (p=0,048).
Os pacientes com EDSS maior ou igual a 3,5 apresentaram medianas mais baixas nos domínios fardo (p=0,030), desejo (p=0,0099), seleção de alimentos (p=0,0484), medo (p=0,0170), saúde mental (p=0,0356), sono (p=0,0001), fadiga (p=0,0107) e escore global (p=0,0059) indicando piora da QV.
A média e a mediana da QV foram piores para os pacientes que classificaram sua saúde como ruim, com significância estatística para os domínios fardo (p=0,0367), freqüência de sintomas (p=0,0221), função social (p=0,0025) e fadiga (p=0,0221).
Quando correlacionamos à auto-classificação da saúde com o EDSS não observamos significância estatística (p=0,128).
Conclusão: A disfagia causa sentimentos de vergonha, introspecção, ansiedade e embaraço como uma influência negativa na QV. Estes resultados demonstram que os pacientes com EM podem apresentar alguns comprometimentos específico na deglutição, que interferem na QV relacionada à deglutição. Os resultados demonstraram maiores implicações nos pacientes com EDSS maior ou igual a 3,5. Desta forma, concluímos que a deglutição merece uma investigação específica em portadores de EM.
 
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Contato: dqueija@uol.com.br
 

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