ESTUDO DE CASO – COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA
Sandra Cristina Fonseca Pires
Apresentador(a) de Caso
Instituição: FACULDADE DE MEDICINA DA USP
 
Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) é uma área de atuação voltada para o trabalho com indivíduos que tenham necessidades de uso de recursos complementares (suplementares) ou substitutos (alternativos) à fala para uma comunicação efetiva, temporária ou permanentemente (ASHA,1991; Chun,1991; Panhan,2001). Envolve uma atuação multidisciplinar, cujo trabalho específico de indicação, elaboração e uso de um sistema de CSA é de responsabilidade do fonoaudiólogo. O trabalho fonoaudiológico em CSA abrange, portanto, a avaliação da necessidade indicação de uso de um SCSA, determinação do sistema mais adequado a ser trabalhado, assim como de que forma este será apresentado, como a prancha de comunicação será elaborada, qual o ritmo e sequência de introdução dos símbolos à prancha. Para o seguimento do trabalho e desenvolvimento do uso da prancha, é imprescindível um trabalho de orientação aos responsáveis, atuação interdisciplinar, e intervenção paralela visando o trabalho das habilidades referentes ao processo de construção de linguagem e cognição. É, portanto, um trabalho amplo e individual. Para a determinação do tipo de sistema e sua apresentação, faz-se necessário um processo avaliativo que considere aspectos físicos, lingüísticos e cognitivos (Millikin,1997; Beukelman e Mirenda,1998; VonTetzchner e Martinsen,2000; Soro-Camats,2003; Pires,2005). Uma prancha de comunicação, independentemente do tipo de sistema, corresponde a um material que deve ser de uso contínuo pelo indivíduo que a necessita, estando constantemente disponível para acesso do usuário, dando-lhe oportunidade de se comunicar livremente. A escolha do sistema a ser utilizado deve estar embasada numa avaliação cognitiva e de linguagem, a fim de verificar em que estágio de desenvolvimento o usuário se encontra, e assim, verificar as condições de uso de um determinado sistema (Pires,2005). A CSA não deve ser utilizada apenas com o intuito de propiciar a comunicação de necessidades básicas como de alimentação e higiene, pois comunicar-se não se restringe à transmissão destas informações, inclui qualquer manifestação que o indivíduo deseje fazer, ter possibilidade de interagir com outras pessoas, perguntar, informar, e responder (Millikin,1997). O presente caso se refere a uma criança do sexo feminino, CCA, com diagnóstico de Paralisia Cerebral quadriplégica espástica, em atendimento fonoaudiológico semanal, com início aos 2;4 anos de idade (em 2000). No decorrer dos primeiros dois anos, o trabalho desenvolvido foi de adequação da alimentação, do ponto de vista da dieta e das funções estomatognáticas, e de linguagem e cognição. Ao final do segundo ano de trabalho iniciou-se a intervenção de CSA. Neste período consta que a família apresentava muita resistência ao seguimento das orientações, dificultando o desenvolvimento de todo o trabalho, e a CCA também demonstrava um vínculo muito forte com o pai, sendo necessário a presença dele em terapia por um longo período. Sua presença não veio a favorecer o andamento do trabalho devido à superproteção que exercia. Em vista disso, em 2002 o trabalho de orientação ao pai foi desenvolvido separadamente, sem sua intervenção durante a terapia de CCA. O enfoque da terapia foi para a área de CSA, trabalhando também aspectos específicos de linguagem, mas visando favorecer o trabalho para o uso de um sistema de CSA. Realizou-se uma avaliação de linguagem e cognição de controle, na qual foram observados os seguintes aspectos: noção de permanência de objeto, condutas simbólicas, noção de espaço e tempo, noção de igual/diferente, boa compreensão de ordens simples e participação nas atividades de brincadeira e de conversa, compreensão de ordens complexas envolvendo duas ações sequenciais, atenção e iniciativa comunicativa. À avaliação, comunicava-se por meio de expressões faciais, choro/risada, gestos naturais (sim e não com a cabeça, dentre outros movimentos ensinados pelo pai, como olhar para cima para pedir tempo para pensar, mas sempre de forma muito lenta para iniciar e realizar o movimento). Iniciou-se o trabalho de CSA com introdução do sistema PCS, determinando a forma de acesso dos símbolos por varredura, devido à sua dificuldade motora para realizar acesso direto. A princípio, a varredura era realizada apontando cada símbolo e não por coluna inicialmente para então por símbolo. Este trabalho permaneceu em ambiente terapêutico durante o primeiro ano, período quem foram estabelecidos uso dos símbolos: sim/não, embora às vezes conseguisse expressá-los de maneira eficiente por outras formas (gesto de cabeça); fotos dos pais e irmãos; e símbolos vinculados a atividades lúdicas desenvolvidas em terapia, como de boneca, dar comida, casa, ônibus, fazer comida, banho, dormir, beber. O trabalho desenvolvido com o pai foi no sentido de orientar quanto ao uso de CSA, destacar capacidade cognitiva e de linguagem para CCA, buscando adequar a forma como a tratava, e evidenciar o interesse comunicativo dela e situações em que seria de importante a possibilidade manifestar-se de alguma forma, mesmo que não fosse verbalmente, mostrando a importância de se comunicar independente da forma. A participação e interesse do pai e família progrediram consideravelmente. A família começou a reconhecer o quanto CCA compreendia o que estava ocorrendo em diversas situações, o quanto tinha interesse e possibilidade de participar de situações comunicativas, e o que eles sentiam maior necessidade em termos de comunicação com CCA. Os pais passaram a fazer relatórios semanais com regularidade. Além de facilitar o trabalho voltado para a família, estes registros também favoreciam para guiar o trabalho de CSA com a CCA. No início do trabalho, CCA, apesar de identificar e ter condições cognitivas para uso dos símbolos, não os utilizava como meio de comunicação. Os símbolos foram trabalhados em terapia em situações contextualizadas, CCA respondia à apresentação e solicitação de uso, mas não tinha iniciativa para usá-los como meio de expressão. Ao longo de 2002 o trabalho de CSA permaneceu restrito ao ambiente terapêutico e somente no início de 2003, quando CCA demonstrou com mais regularidade compreender a proposta da prancha e passou a utilizá-la espontaneamente, é que foi elaborada uma prancha temática para alimentação fixa em sua mesa acoplada na cadeira de rodas. A proposta de iniciar a prancha temática foi tanto por CCA como pela família, para centralizar o uso numa atividade específica, sendo mais fácil obter o retorno e verificar a aplicabilidade da indicação para uso em casa da prancha de comunicação. Logo em seguida, a prancha de CSA que vinha sendo trabalhada na terapia também foi indicada para uso regular no dia-a-dia. Notou-se então que desde que indicou compreender o uso da prancha de CSA e utilizá-la com mais regularidade, ainda que pouco, CCA apresentou um ritmo de evolução mais acelerado. Após a elaboração da prancha seu uso intensificou-se e obtiveram-se relatos positivos dos pais. Conforme os pais se surpreendiam nesta fase inicial com algumas colocações de CCA, o envolvimento e participação deles no processo terapêutico também se intensificaram. Manteve-se sempre o trabalho cognitivo e de linguagem vinculado com o da CSA, promovendo situações terapêuticas que possibilitassem usar os símbolos e trabalhar aspectos específicos concomitantemente. Assim, foi feito um acompanhamento da evolução da condição de elaboração de discurso, sendo exigido melhor aprimoramento conforme houvesse condições. A própria disposição dos símbolos na prancha contribuiu para trabalhar sintaxe, por exemplo. Ao final de 2003 a própria CCA indicava a necessidade de acréscimo de símbolos na sua prancha. Após um período de um mês de férias no início de 2004, os pais relataram que CCA voltou a usar mais as expressões faciais, olhar e vocalizações. Realizada a reavaliação e retomada a terapia semanal, com o acréscimo de novos símbolos CCA voltou a usar a prancha de CSA como recurso principal para se comunicar. Em razão desta evolução, foi elaborada uma nova prancha, maior, com símbolos menores, e com folhas como uma pasta de cardápio, possibilitando a ampliação do número de símbolos na sua prancha. CCA foi encaminhada para escola, passou por alguns processos de avaliação pedagógica, dentre outras avaliações específicas determinadas pela instituição, e permaneceu em lista de espera para processo de análise das avaliações, e verificação de vaga na instituição para ingressar na escola. A respeito de outros atendimentos, realiza fisioterapia desde 1999. Realizou terapia ocupacional em 2000, interrompida por falta de vaga do serviço (sic - pai). Solicitou-se avaliação em outro serviço, mas permaneceu em espera. Referente à audição, vem realizando acompanhamento de controle no nosso serviço (EOA, timpanometria e comportamental) apresentando resultados dentro da normalidade. Referências: ASHA. Report: Augmentative and Alternative Communication. ASHA,1991;33 (Suppl.5):9-12. CHUN RYS. Sistema Bliss de Comunicação: um Meio Suplementar e/ou Alternativo para o Desenvolvimento da Comunicação em Indivíduos Não Falantes Portadores de PC [dissertação]. SP:FFLCH-USP;1991. BEUKELMAN DR, MIRENDA P. AAC: management of severe communication disorders in children and adults. 2nd ed. Baltimore:Paul H.Brookes;1998. MILLIKIN CC. Symbols Systems and Vocabulary Selection Strategies. In: GLENNEN SL, DeCOSTE DC. The Handbook Of AAC. California:Singular Publishing Group;1997.p.97-148 PANHAN HMS. Retrato da CSA: Panorama da Clínica e Linguagem [dissertação]. SP:PUC-SP;2001. PIRES SCF. A relação linguagem-cognição no trabalho com CSA com a criança com PC [dissertação]. SP:USP;2005. SORO-CAMATS. Uso de ajudas técnicas para a comunicação, o jogo, a mobilidade e o controle do meio. In:ALMIRALL CB, SORO-CAMATS E, BULTÓ CR. Sistemas de Sinais e Ajudas Técnicas para a Comunicação Alternativa e a Escrita: princípios teóricos e aplicações. SP:Santos;2003.:23-41. VON TETZCHNER S, MARTINSEN H. Introdução à Comunicação Aumentativa e Alternativa. Porto:Porto;2000.
 
Contato: fga.sandra@ig.com.br
 

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