Código: PDV1154
ANÁLISE DA DIADOCOCINESIA ARTICULATÓRIA E LARÍNGEA EM INDIVÍDUOS COM E SEM TRANSTORNOS NEUROLÓGICOS |
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Autores: Marina Padovani, Mara Behlau, Ingrid Gielow |
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO/ CENTRO DE ESTUDOS DA VOZ |
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Introdução: A comunicação verbal requer um complexo ato motor que implica na participação de múltiplos subsistemas para a sua execução1. Diversos transtornos neurológicos afetam a comunicação, sendo denominados de disartria os transtornos da fala resultantes de distúrbios no controle do mecanismo de fala, devido a danos no sistema nervoso central ou periférico2. Alterações vocais, no ritmo e na velocidade de fala são geralmente encontradas nos indivíduos com transtornos neurológicos, fazendo parte do quadro de sinais e sintomas de determinadas doenças3. A avaliação clínica é ainda um procedimento central no diagnóstico dos transtornos neurológicos; da mesma forma, o diagnóstico diferencial entre as diversas disartrias pode ser realizado clinicamente pelo fonoaudiólogo4. Diante da suspeita de uma disartria, além de todos os aspectos tradicionalmente avaliados pelo fonoaudiólogo, recomenda-se a realização de tarefas de fala, entre elas, a repetição de sílabas, também conhecida como prova de diadococinesia5. Trata-se da habilidade de realizar rápidas repetições de segmentos simples de fala, constituindo um índice acústico da velocidade dos movimentos articulatórios e da posição dos articuladores: por este motivo, é considerada um teste de habilidade neurológica. Tal avaliação reflete a adequação da maturidade e a integração neuromotora do indivíduo6. Encontra-se na literatura referência à lentidão, pouca acurácia e inconsistência na diadococinesia oral em uma larga faixa de transtornos neurológicos e até funcionais7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15. Como a prova de diadococinesia fonoarticulatória é uma tarefa recomendada como triagem para transtornos neurológicos, sua caracterização em diferentes doenças pode ser uma estratégia importante na diferenciação das mesmas, podendo configurar um teste diagnóstico com indicador prognóstico. Objetivos: Considerando que as disartrias produzem impacto na comunicação oral, os objetivos do presente estudo foram analisar a velocidade de diadococinesia em diversas tarefas de fala, verificando se a diadococinesia articulatória e laríngea difere os grupos com e sem alterações neurológicas; o desempenho intragrupo da diadococinesia laríngea e de fala nos indivíduos sem alterações neurológicas; a diadococinesia laríngea e de fala em indivíduos com distonia laríngea, doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, tremor essencial vocal, ataxia, miastenia gravis e sem alterações neurológicas; se as diferentes tarefas de fala são sensíveis para diferenciar os grupos estudados.
Métodos: O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo, processo número 0071/04 e todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram do estudo 23 indivíduos sem transtornos neurológicos, com idade entre 47 e 94 anos, e 85 indivíduos com transtornos neurológicos, de idade entre 19 e 93 anos, estes subdivididos em sete grupos, a saber, 23 sujeitos com doença de Parkinson, 20 com miastenia gravis, 16 com distonia laríngea de adução, 7 com esclerose lateral amiotrófica com predomínio dos sintomas bulbares, 7 com esclerose lateral amiotrófica com sintomas espinais, 6 com tremor essencial vocal e 6 com ataxia. Todos os indivíduos com transtornos neurológicos apresentaram diagnóstico realizado por neurologistas clínicos. Não foram incluídos na amostra indivíduos que tivessem realizado tratamento fonoaudiológico ou que fizessem uso da voz profissionalmente. Cada indivíduo recebeu a instrução para emitir repetitivamente as sílabas /pa/, /ta/, /ka/, a vogal /a/ e a seqüência /pataka/, na mesma ordem, o mais rapidamente e durante o maior tempo possível, em sua freqüência e intensidade habituais, após modelo oferecido pelo avaliador. Estas emissões foram gravadas em Mini Disc e analisadas no programa computadorizado de análise de voz e fala Visi-Pitch III/Sona-Speech, modelo 3900/3600, da Kay Elemetrics, no módulo Motor Speech Profile, utilizando o parâmetro de velocidade diadococinética para extração das medidas. Foram selecionados cinco parâmetros dos onze disponíveis tendo-se excluído os parâmetros relacionados à intensidade das emissões, expressos em decibéis, uma vez que as emissões gravadas no mini disc poderiam alterar os valores relacionados a esta variável.
Os parâmetros selecionados e analisados pelo programa computadorizado foram duração média da emissão (dme), em milisegundos, velocidade média da diadococinesia (vmd), em sílabas por segundo, variação da velocidade no período das emissões (vvp), variação da velocidade ciclo-a-ciclo (vvc) e variação do pico de intensidade da diadococinesia (vpi), todos em porcentagem.
A análise estatística foi realizada intra-grupo, para os que não apresentavam transtornos neurológicos e inter-grupos, comparando o grupo sem transtornos com o grupo com transtornos como um todo, e finalmente, comparando os oito grupos entre si, utilizando para tal o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 10.0), o teste de Friedman, complementado pelo teste t de Student, a aplicação do teste t de Student, controlado pelo teste de Levene, análise de variância, controlada pelo teste de Dunnett e análise de correlação de Spearman. Adotou-se o nível de significância de 5% (p £ 0,050).
Resultados:
O parâmetro velocidade média diadococinética (vmd), em sílabas por segundo, foi o que apresentou resultados com relevância estatística e por este motivo, esta apresentação estará concentrada na exposição e análise do mesmo. A média de normalidade considerada para o programa foi de 5,89 sílabas/ segundo.
Tabela 1 – MÉDIA E DESVIO PADRÃO DA VELOCIDADE DA DIADOCOCINESIA, EM SÍLABAS POR SEGUNDO (VMD), PARA A EMISSÃO DAS SÍLABAS /PA/, /TA/, /KA/, DA VOGAL /A/ E DA SEQÜÊNCIA /PATAKA/ NOS OITO GRUPOS ESTUDADOS
Emissões Média Desvio-padrão Significância (p)
Sílaba /pa/
sem alteração neurológica 6,053 0,534 < 0,001
distonia laríngea 4,988 0,841
doença de Parkinson 5,481 1,199
esclerose lateral amiotrofica bulbar 1,964 1,600
esclerose lateral amiotrofica espinal 5,309 1,269
tremor essencial 5,344 0,712
ataxia 4,136 0,939
miastenia gravis 5,859 1,418
Sílaba /ta/
sem alteração neurológica 5,869 0,541 < 0,001
distonia laríngea 4,854 0,960
doença de Parkinson 5,513 1,127
esclerose lateral amiotrofica bulbar 2,273 1,360
esclerose lateral amiotrofica espinal 5,580 1,548
tremor essencial 4,929 1,106
ataxia 3,757 0,777
miastenia gravis 5,783 1,154
Sílaba /ka/
sem alteração neurológica 5,519 0,444 < 0,001
distonia laríngea 4,590 0,971
doença de Parkinson 4,898 1,223
esclerose lateral amiotrofica bulbar 1,565 0,869
esclerose lateral amiotrofica espinal 5,000 1,278
tremor essencial 4,805 0,840
ataxia 3,078 0,723
miastenia gravis 5,072 1,225
Vogal /a/
sem alteração neurológica 4,001 1,120 < 0,001
distonia laríngea 3,370 0,905
doença de Parkinson 2,949 1,385
esclerose lateral amiotrofica bulbar 1,845 1,105
esclerose lateral amiotrofica espinal 4,051 0,983
tremor essencial 3,146 1,328
ataxia 2,163 0,696
miastenia gravis 3,455 1,097
Seqüência /pataka/
sem alteração neurológica 6,132 0,636 < 0,001
distonia laríngea 5,266 1,055
doença de Parkinson 5,345 0,835
esclerose lateral amiotrofica bulbar 1,521 1,119
esclerose lateral amiotrofica espinal 5,238 1,326
tremor essencial 5,365 0,992
ataxia 4,656 0,976
miastenia gravis 6,176 0,948
Ao compararmos os indivíduos sem alterações com todos os que possuíam transtornos neurológicos, verificamos diferenças estatisticamente significantes em todas as sílabas emitidas e os valores de diadococinesia diferenciaram mais os grupos à medida que as emissões deslocavam-se do ponto articulatório mais externo, ou seja, do fonema bilabial, para o ponto mais interno, a laringe. Na vigência de um transtorno no controle motor da fala, à medida que as emissões tornam-se mais complexas, parece que o transtorno motor subjacente torna-se mais evidente. De fato, a emissão da vogal /a/ caracterizou-se como aquela que mais distinguiu o grupo sem alterações do outro com todos os indivíduos com doenças neurológicas. A possibilidade da diferenciação dos efeitos da patologia baseada na tarefa é especialmente importante na suspeita do início de uma doença, na sua possível classificação e no acompanhamento de sua evolução. Questões como quais tarefas de fala são mais sensíveis à determinados transtornos, ainda permanecem, porém a tarefa de diadococinesia, neste caso, mostrou-se sensível às rupturas motoras de natureza neurológica. Por não sofrer influência das propriedades da linguagem, ela pode ter um valor universal na caracterização de transtornos motores da fala. A informação derivada destas tarefas pode servir como uma referência básica para a interpretação de dados de tarefas mais complexas. Em nossa amostra, os grupos ataxia, ELA 1 e distonia laríngea apresentaram comportamento homogêneo em todas emissões diferenciando-se sempre do grupo sem alterações de forma progressiva, sendo a distonia melhor que a ataxia e esta melhor que a esclerose lateral amiotrófica. Surpreendeu-nos a diferenciação do grupo distonia, pois esta alteração é focal, laríngea, mas mesmo assim interferiu na velocidade da emissão possivelmente pela presença da vogal /a/ associada às consoantes. A prova de diadococinesia articulatória e laríngea mostrou-se sensível para distinguir o grupo sem alterações dos grupos com disartrias, especialmente na distonia laríngea, na esclerose lateral amiotrófica de predomínio de sintomas bulbares e na ataxia, mostrando a importância de sua inclusão no protocolo de avaliação clínica fonoaudiológica ao refletir alterações da integridade neuromotora e contribuir para o diagnóstico diferencial e o monitoramento de doenças progressivas.
Conclusões: Verificou-se que a prova de diadococinesia foi sensível para distinguir indivíduos com e sem transtornos neurológicos, sendo o número de sílabas por segundo o parâmetro que mais diferenciou os grupos. Os sujeitos sem alterações neurológicas apresentaram redução da velocidade diadococinética principalmente nas emissões mais posteriores. O grupo com transtornos neurológicos também apresentou redução da velocidade diadococinética, porém, com pior desempenho. A prova de diadococinesia foi sensível para distinguir tanto disartrias com um foco de alteração (distonia laríngea) quanto outras com mais de um subsistema da fala alterado (esclerose lateral amiotrófica e ataxia). A seqüência /pataka/ foi a que menos distinguiu os grupos, não se mostrando sensível para a diferenciação das disartrias. |
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Referências Bibliográficas:
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3 Smith ME, Ramig LO - Neurological disorders and the voice. In: Rubin JS, Sataloff RT, Korovin GS, Gould WJ (eds)– Diagnosis and treatment of voice disorders. New York: Igaku-Shoin; 1996. p. 203 – 224.
4 Ramig LO, Titze IR, Scherer RC, Ringel SP – Acoustic analysis of voices of patients with neurologic disease: rationale and preliminary data. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97(2): 164-172.
5 Kent RD, Weismer G, Kent JF, Vorperian HK, Duffy JR - Acoustic studies of dysarthric speech: methods, progress and potential. J Commun Disord 1999; 32: 141-86.
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11 Boutsen FR, Gress CD, Deliyski DD - Automated assessment of motor speech performance in basal ganglia disorders. Poster apresentado na convenção da ASHA, Seattle, 1996.
12 Ziegler W, Wessel K – Speech timing in ataxic disorders: sentence production and rapid repetitive articulation. Neurology 1996; 47: 208-14.
13 Kent RD, Kent JF,Duffy JR, Thomas JE, Weismer G, Stuntebeck S - Ataxic dysarthria. Journal of Speech, Language and Hearing Research 2000; 43: 1275-89.
14 Carrara-deAngelis E – Deglutição, configuração laríngea, análise clínica e acústica computadorizada da voz de pacientes com doença de Parkinson. [tese (doutor)]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2000.
15 Ziegler W – Task-related factors in oral motor control: speech and oral diadochokinesis in dysarthria and apraxia of speech. Brain and language 2002; 80: 556-75. |
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