ESTUDO DE CASO – GAGUEIRA
Eliana Maria Nigro Rocha
Comentador(a) de Caso
Instituição: HOSPITAL DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - S P
 
As colocações que se seguem referem-se à discussão dos achados fonoaudiológicos no caso de uma criança do sexo masculino de 9 anos e 5 meses com avaliação e diagnóstico de gagueira, selecionado e apresentado pela Prof. Dr. Ana Maria Schiefer. Na rotina de meu trabalho como fonoaudióloga clínica realizo pessoalmente a avaliação e a terapia dos pacientes que estão sob os meus cuidados. No decorrer do processo de avaliação, que se estende por todo o período de atendimento, além dos dados passíveis de mensuração, tenho acesso a uma série de observações menos palpáveis, mais subjetivas e refinadas que tem um peso muito grande em minhas decisões a respeito da abordagem terapêutica. Assim, ao discutir este caso, sinto falta deste contato pessoal para perceber de modo global o paciente em questão e considero que minhas colocações neste momento se referem a uma possível postura que eu teria frente a ele, que poderia - e deveria - ser modificada conforme fossem surgindo novos dados, em terapia ou no contato com as pessoas que convivem com o paciente, caso estes me induzissem a ver a questão com outros olhos. Ao apresentar o caso, a Prof. Dra. Ana Maria Schiefer nos traz informações claras e precisas que abrangem não apenas a questão da fluência em si mas também a linguagem oral e escrita e aspectos audiológicos. Destaco entre as informações recebidas, como dados a favor de uma boa evolução terapêutica, a ausência de fatores genéticos, psicológicos ou neurofisiológicos evidentes, a boa resposta ao atendimento fonoaudiológico anterior e o bom desempenho escolar. Como dados que sugerem um prognóstico menos positivo temos o tempo de existência desta disfluência, os concomitantes físicos presentes, o quadro de gagueira definida como severa, a interrupção de um processo terapêutico que, segundo as informações, se mostrava adequado e as alterações no processamento auditivo. Como dados que também merecem maior atenção, temos a história de atraso na aquisição de linguagem, a omissão assistemática do arquifonema {R}, dificuldades de segmentação, síntese e transposição fonêmica, dando ao quadro uma conotação de resquícios de alteração na fala e na linguagem oral. Temos ainda as substituições de grafemas semelhantes auditivamente, dificuldade na generalização de regras da escrita e apoio na oralidade denotando uma dificuldade na linguagem escrita também, embora leve. A dificuldade desta criança pode então ser vista como uma dificuldade mais global frente à comunicação oral e escrita, com destaque para a área da fluência que se encontra extremamente prejudicada e que constitui a queixa que traz o paciente à terapia fonoaudiológica. A priori, não sou partidária de uma única linha de trabalho, mas utilizo entre as diversas possibilidades de atuação as que forem mais convenientes ao paciente em questão naquele momento específico da terapia e interrogo-me ininterruptamente sobre a efetividade da mesma, alterando meu procedimento quando necessário. Neste paciente eu iniciaria o contato terapêutico com atividades psicomotoras e de linguagem. Com isto quero especificamente dizer que proporia trabalhos psicomotores globais e específicos, nos quais estaria constatando a possibilidade dele participar ativamente, de modo concentrado, de tarefas que demandam sua atenção, seu planejamento, sua atuação motora, sua capacidade de captar erros e sua maneira de corrigi-los. Entendo estas capacidades como as mesmas necessárias para efetivar uma comunicação eficaz e permitir uma aprendizagem da escrita sem maiores dificuldades. Caso fosse constatada dificuldade nesta área eu me dedicaria a ela por algum tempo com o intuito de obter maior adesão ao processo terapêutico. Nas atividades de linguagem proporia jogos e brincadeiras nas quais a fala e a linguagem estivessem em foco, como jogos de tabuleiro em que se trabalharia a segmentação dos vocábulos, atividades de adivinhação, construção de frases a partir de vocábulos e outros, de modo a reduzir a evidência da dificuldade de fala e vivenciar a fala fluente em um ambiente de facilitação da comunicação. Paralelamente a isto, entrevistas com pais e professores procurariam mobilizar modificações nas atitudes destes que facilitassem o bem-estar do paciente, não apenas no que se refere à sua expressão verbal, mas em todos os aspectos de sua vida. Estes procedimentos citados teriam o objetivo de conhecer, e eventualmente fortalecer, a capacidade do paciente de se “centrar” em si mesmo e fundar nele a idéia da possibilidade de uma fala distensa e gratificante. Procuraria ainda fornecer-lhe uma visão de si mesmo como alguém merecedor de atenção e afeto, com possibilidade de interação efetiva e prazerosa com os demais. Se não fosse observado aumento de fluência ou facilitação das exposições do paciente à comunicação em sua vida diária, esta abordagem seria complementada com enfoques voltados mais diretamente à audibilização e à mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios, de modo a sanar a dificuldade persistente do arquifonema {R} e a facilitar a clareza articulatória. Novamente o intuito é “centrar” o paciente, agora em sua comunicação especificamente, tendo sempre como norteador a possibilidade de usufruir com tranqüilidade de seu potencial, fortalecendo suas capacidades inatas. Persistindo a dificuldade, sem qualquer abrandamento, eu incluiria a abordagem mais direta da velocidade de fala – caso esta se encontrasse alterada -, dos concomitantes físicos e da ansiedade relacionada à comunicação. Novamente, este trabalho seria efetuado através de brincadeiras nas quais as regras seriam voltadas a estas questões específicas, como jogar bola com o terapeuta enquanto emitimos vocábulos que se agrupam em frases, falar “sem piscar”, a introdução suave de estressores da comunicação, dramatização de situações, entre outras. A fluência em si só seria abordada diretamente caso não obtivesse resultado em nenhum destes trajetos, uma vez que ao trabalhar com ela de modo específico, corro o risco de não estar mais investindo na possibilidade de que o paciente adquira fluência espontânea, mas já estar trabalhando num enfoque de fluência controlada. Com o termo “trabalhar diretamente” englobo todas as manobras facilitadoras da fluência, seja em um enfoque de suavização do início de fala ou de resistência à pressão do tempo. Um resultado negativo da abordagem deste último tópico citado, induziria a pensar em um enfoque com gagueira aceitável, ou seja, procurar fortalecer o paciente para que possa lidar da maneira mais adequada possível com as situações de fala, aceitando suas limitações e não se percebendo como pessoa incapacitada de atuação social e comunicativa. Todas estas colocações são hipóteses que me sobrevêm neste momento e que costumam estar presentes em meu pensamento em todo o decorrer de uma única sessão, enquanto interajo com o paciente e respondo a ele do modo que me parece mais proveitoso para seu crescimento como pessoa e como falante. Assim, apesar de ter citado os procedimentos como tópicos, eles não têm uma seqüência rígida de ocorrência. Deparar-me com uma criança que revela com nitidez suas angústias em relação à sua disfluência pode me levar, mesmo em um primeiro contato, a conversar com ela sobre a disfluência de todos nós, ou buscar situações distensas onde sua fluência surja, auxiliando-a a perceber sua capacidade ou mesmo trabalhar na soltura imediata desta fala através de emissão de vocábulos com início suave. Com outra criança, mesmo percebendo que nossa possibilidade é a de um enfoque de gagueira aceitável, um trabalho psicomotor pode propiciar a tranqüilidade necessária para enfrentar esta vivência com maior eficácia. Só na interação efetiva posso optar – com consciência – qual trajeto seguir. Entendo que o essencial é dar ao paciente a oportunidade de encontrar seu equilíbrio pessoal, favorecendo esta ocorrência através de facilitadores de seu percurso, utilizando para tal de toda gama de conhecimentos advindos da Fonoaudiologia e das ciências afins.
 
Contato: eliananigrorocha@uol.com.br
 

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