INSTRUMENTOS PARA DIAGNÓSTICO FONOLÓGICO: A CONTINUIDADE PESQUISA-CLÍNICA |
Haydée Fiszbein Wertzner
Palestrante |
Instituição: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO |
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O diagnóstico fonológico implica em três diferentes critérios: descrição lingüística, processos neurolingüísticos e psicolingüísticos e etiologia.
Pela descrição lingüística, a partir dos vários modelos teóricos descritos na literatura há a preocupação com quais princípios fonéticos e fonológicos fundamentam os erros encontrados na fala, bem como nas regras empregadas. Essa classificação possibilita a descrição dos padrões de erros.
A classificação pelos processos neurolingüísticos ocorre com o auxilio de exames por imagens funcionais, tais como FMRI, Petscan. Já os processos psicolingüísticos são observados com o uso de procedimentos que avaliam a consciência fonológica, memória de trabalho entre outras.
Desse modo pretende-se identificar quais processos estariam envolvidos nas dificuldades dos sujeitos com transtorno fonológico. Essa classificação fornece, portanto a explicação para os padrões de erros e o tipo de erro.
Já o emprego da etiologia busca identificar os fatores genéticos e ambientais que constituem risco para o transtorno fonológico. Esses estudos são apoiados na epidemiologia, na determinação do risco e da normalização do transtorno. Essa classificação indica a causa do transtorno.
Tanto as pesquisas como a prática clínica fonoaudiológica indicam que apesar da grande importância da descrição lingüística, esta não consegue explicar sozinha por que as alterações ocorrem e o que as causou.
Uma questão que preocupa os pesquisadores é a classificação da gravidade da alteração fonológica sendo que o grau de gravidade e de inteligibilidade se sobrepõem, sendo que a gravidade engloba a inteligibilidade que é o fator mais comumente usado no julgamento perceptivo (Hodson, 1994). Esses aspectos podem ser analisados em provas de fala espontânea, nomeação e imitação.
No caso do Português Brasileiro Wertzner et al (2003a) mostraram que o julgamento perceptivo da gravidade está relacionado não somente ao tipo de processo, mas também ao número diferente de processos e ao número total de ocorrências de processos fonológicos na amostra de fala. Além disso, verificaram também que os processos fonológicos que estudaram (frontalização de velar, frontalização de palatal, posteriorização para palatal e posteriorização de velar), que fazem parte do desenvolvimento fonológico também aparecem no distúrbio fonológico, sendo mantidos por um período de tempo maior.
Os transtornos fonológicos podem ser classificados por meio de medidas de análise padronizadas de cálculo da gravidade. São exemplos deste tipo de medida: a Percentage of Consonants Correct (PCC) (Shriberg e Kwiatkowski, 1982), o Índice de Ocorrência do Processo – Process Density Index – (PDI) (Edwards,1992). O PCC foi revisado em 1997, e pontuado de três diferentes modos: PCC; PCC ajustado (PCC-A) e PCC revisado (PCC-R
O Process Density Index (PDI), representa a média de processos fonológicos utilizados nas palavras da amostra. Não estando associado a uma amostra específica de fala.
Na medida em que esses índices foram originalmente aplicados aos falantes da Língua Inglesa, estudos com os falantes do Português Brasileiro foram feitos para a adequação e pertinência dos índices (Dias e Wertzner, 2000; Wertzner e Galea, 2002; Wertzner et al, 2003b).
Além dos índices de gravidade os fonoaudiólogos usam o seu próprio julgamento perceptivo de gravidade. Em uma pesquisa Wertzner et al (2004) analisaram os descritores usados pelos fonoaudiólogos no julgamento perceptivo e notaram que os mais aplicados foram: fonologia, idade, inteligibilidade, voz e fala.
Um fator relacionado ao distúrbio fonológico é a inteligibilidade de fala que determina a eficiência comunicativa, sendo um componente crítico para a qualidade de vida e para as decisões terapêuticas (De Paul e Kent, 2000). É classificada em três níveis: bom, regular e insuficiente.
A ininteligibilidade de fala foi verificada em crianças com transtorno fonológico falantes do Português Brasileiro em alguns trabalhos. Wertzner e Scholz (2003) observaram que no transtorno fonológico ocorre diminuição da inteligibilidade de fala, uma vez que o GC obteve melhor desempenho no índice de inteligibilidade.
Em outro trabalho Wertzner et al (2003a) observaram a presença dos processos de frontalização de palatal e de velar e posteriorização para palatal e para velar e, compararam o PCC e o julgamento perceptivo do grau de gravidade e inteligibilidade, em crianças com transtorno fonológico. Os resultados indicaram que os julgamentos perceptivos da gravidade e inteligibilidade estão relacionados não somente ao tipo de processo, mas também ao número diferente de processos e ao número total de ocorrências de processos fonológicos na amostra de fala.
Recentemente, Wertzner et al (2004) relataram uma pesquisa que teve por objetivo classificar perceptivamente a inteligibilidade de fala de sujeitos com transtorno fonológico e relacionar essa classificação ao uso de processos fonológicos. Apontaram que o transtorno fonológico apresentado pelos sujeitos estudados foi bastante influenciado por nove processos fonológicos de desenvolvimento (PFD), que por ordem decrescente de ocorrência foram: simplificação do encontro consonantal, simplificação de líquidas, eliminação da consoante final, frontalização da palatal, ensurdecimento de fricativas, ensurdecimento de plosivas, plosivação de fricativas, frontalização de velar e posteriorização para palatal. Quanto ao julgamento da inteligibilidade de fala no nível bom os processos que mais apareceram foram SL e SEC que por serem característicos do final de aquisição parecem não causar interferência na inteligibilidade. No nível regular os processos de EF e FP foram os mais ocorrentes resultando num julgamento mais comprometido da inteligibilidade. Já a grande ocorrência do PF no nível insuficiente acrescida dos demais processos, parece ter contribuído para a diminuição da inteligibilidade.
Relacionado ainda a questão do diagnóstico do transtorno fonológico a literatura aponta que na avaliação fonoaudiológica, além da análise fonológica, deve-se fazer um levantamento das capacidades cognitivas, lingüísticas, neuromotoras, das estruturas e funções orais, da audição, fluência, voz e dos aspectos suprasegmentais da fala .
Pesquisas mostram que crianças com alterações fonológicas apresentam alterações na qualidade vocal. Na medida em que os traços suprasegmentais mostram-se importantes para diferenciar os quadros de distúrbio fonológico (Kent, 2000), medidas acústicas tais como freqüência fundamental e intensidade são indicadas como importantes para esse tipo de estudo.
Wertzner et al (2003c) estudaram as características vocais relacionadas à intensidade e freqüência fundamental e seus índices de perturbação - jitter e shimmer - em crianças com transtorno fonológico falantes do Português Brasileiro. A análise da freqüência fundamental (Fo), jitter, shimmer e intensidade foram realizadas a partir da obtenção da emissão isolada e sustentada das vogais /a/, /e/, e /i/, que foram analisadas no Computerized Speech Lab (CSL), fabricado pela Kay Elemetrics - modelo 4300B. Houve evidências que a Fo da vogal /e/ diferenciou o GDF do GC, assim como a intensidade. Esses resultados apontam a necessidade de mais estudos dessas características que podem ser utilizadas para complementar o diagnóstico do transtorno fonológico.
Outras medidas como a velocidade de fala e a estimulabilidade de fala devem ser feitas para o diagnostico fonológico, assim como testes do processamento fonológico.
Dessa forma, vários instrumentos devem ser utilizados para que se possam diferenciar as alterações fonológicas e promover o tratamento adequado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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