DESAFIOS DA FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DA FONOAUDIOLOGIA NO SUS |
Luciana Tavares Sebastião
Palestrante |
Instituição: FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - UNESP / CAMPUS MARÍLIA |
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A presente apresentação irá tratar da formação profissional de fonoaudiólogos, bem como sobre a atuação deste profissional no SUS, com ênfase no trabalho em unidades de atenção primária à saúde. Será abordada tanto a formação profissional inicial, ou seja, a graduação em Fonoaudiologia, quanto o desenvolvimento profissional permanente.
Em relação à graduação, o primeiro “currículo mínimo” da Fonoaudiologia, aprovado em 1976, era marcado por uma visão técnica-mecanicista da profissão e tinha como enfoque principal a patologia fonoaudiológica (FACULDADE ADVENTISTA PARANAENSE, 2003). A aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia, em 2002, representou um importante movimento para a inserção de mudanças no processo de formação dos fonoaudiólogos e colocou um grande desafio às instituições formadoras, pois evidenciou a necessidade de avanços no perfil do profissional que deve ser formado, e, consequentemente no modo como essa formação deve se dar (BRASIL, 2002). O texto deste documento define os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de Fonoaudiólogos e propõe uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva.
O que se deseja hoje é a formação de fonoaudiólogos críticos e reflexivos, capazes de atuar em diferentes contextos, e compromissados com a transformação social. A formação dos futuros profissionais deve propiciar a construção do conhecimento por meio da problematização da realidade, da articulação entre teoria e prática, da interdisciplinaridade e da participação ativa dos educandos no processo de ensino-aprendizagem (FEUERWERKER, 2000).
Grande parte dos atuais formadores, das instituições de ensino superior, vêem-se hoje frente ao desafio de, tendo sido formados na lógica tradicional da transmissão de conhecimentos e com maior ênfase na avaliação e reabilitação dos distúrbios da comunicação humana, passem a contribuir para desenvolver em seus educandos a capacidade de ação, reflexão e ação, bem como as competências necessárias para sua atuação nos diferentes espaços, desenvolvendo também ações de prevenção e promoção da saúde, contribuindo para atender às necessidades de saúde da população.
O desenvolvimento da capacidade reflexiva pode ser impulsionado com a diversificação de cenários de ensino-aprendizagem, bem como por meio da adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
O cenário do processo de ensino-aprendizagem é determinante para o desenvolvimento de habilidades, atitudes e convicções. Fundamentalmente, durante a graduação este deve ser um cenário real de trabalho. Os espaços de ensino-aprendizagem nem sempre correspondem aos espaços do trabalho real. Nos currículos tradicionais, estes espaços têm sido diferentes dos espaços de assistência à saúde, como, por exemplo, as clínicas-escola. Os espaços de ensinar e trabalhar têm seguido a dicotomia histórica entre o momento teórico de aprender e o prático (SILVA, 2000).
As relações estabelecidas entre os atores sociais (estudantes, docentes, profissionais do serviço e membros da comunidade) atuantes nos diferentes cenários de ensino-aprendizagem devem ser construídas com base em uma relação de parceria. Não basta docentes, estudantes e equipe de saúde estarem no mesmo “espaço físico”, fazendo separadamente seu trabalho. Será necessária a criação de métodos de trabalho, estabelecendo um processo articulado de objetivos assistenciais e educacionais (SILVA, 2000)
Experiências de processos de ensino-aprendizagem desenvolvidos em parceria com profissionais do serviço alcançaram o diálogo entre os diferentes atores, contribuindo para o reconhecimento do outro, bem como de suas necessidades, suas visões de mundo e seus projetos (FEUERWERKER, 2000).
O acompanhamento, pelo docente-supervisor, dos processos de ensino-aprendizagem desenvolvidos no mundo do trabalho, ou seja, a supervisão de estágios, deve ser feito nos diferentes cenários com base nos pressupostos teóricos do cenário reflexivo, envolvendo a reflexão dos participantes nas e sobre as ações que ocorrem nos diferentes espaços e nos encontros com o supervisor, visando a construção de conhecimentos, competências e habilidades profissionais. Várias estratégias de supervisão podem ser utilizadas, como a análise de casos, as narrativas e os portfólios reflexivos (ALARCÃO e TAVARES, 2003).
Comentaremos na apresentação a que se refere este texto, uma experiência de pesquisa de investigação-ação que teve como um de seus objetivos desenvolver estratégias promotoras da observação/reflexão nas atividades de formação de estagiários Fonoaudiologia, favorecendo o desenvolvimento de competências para sua atuação profissional voltada para a promoção do desenvolvimento da linguagem oral de alunos de escolas de educação infantil. Tal estudo contou com a participação de estagiários do Curso de Fonoaudiologia e de professores das referidas escolas. Uma das estratégias de formação reflexiva utilizada nesta investigação foi a elaboração de portfólios reflexivos.
Sá-Chaves (2000) identificou várias contribuições do uso de portfólios reflexivos como estratégia de formação e de supervisão. Dentre essas contibuições destacamos a promoção do desenvolvimento reflexivo, fundamentamentação dos processos de observação para, na e sobre a ação nas dimensões profissional e pessoal, e sua contribuição para a construção do conhecimento “para, na e sobre a ação, reconhecendo-lhe a natureza dinâmica, flexível, estratégica e contextual” (p.10).
Apóstolo (2001) realizou um estudo com o objetivo de avaliar o impacto da construção de portfólio reflexivo na formação do aluno no contexto de ensino clínico de Enfermagem Pediátrica e concluiu que o uso desta estratégia tem impacto positivo na formação dos alunos e constitui uma forma de inovação pedagógica.
Outro aspecto que será abordado na apresentação a que se refere a este texto diz respeito à atuação da Fonoaudiologia no SUS. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia ressaltam, no parágrafo único do artigo 5o, que a formação do fonoaudiólogo deverá atender ao sistema de saúde vigente no país.
A atuação fonoaudiológica pautada na integralidade, um dos princípios do sistema único de saúde (SUS), representa ainda um grande desafio aos fonoaudiólogos. O conceito de integralidade não engloba somente os modos de cuidado à saúde da população e precisa ser melhor compreendido.
Integralidade refere-se a uma construção em dois planos, um sistêmico e outro individual. O primeiro plano relaciona-se à atenção como política e rede de serviços de saúde e, o segundo, com o cuidado, com a incorporação de novas tecnologias assistenciais que prestam atendimento de qualidade ao usuário dos serviços de saúde (PINHEIRO, 2005).
Segundo Mattos (2005) “integralidade não é ‘qualquer coisa’. Embora o termo seja genérico, um importante caminho é defender uma postura ampliada das necessidades de saúde, seja do individuo ou dos grupos populacionais. Não aceitar redução, nem à doença, nem ao aspecto biológico, nem à dimensão descontextualizada da vida”.
Falar em integralidade, no plano individual, na questão do cuidado, significa falar tanto de ações de diagnóstico, tratamento e reabilitação dos distúrbios da comunicação humana, quanto das ações voltadas para a prevenção e promoção. A atuação do fonoaudiólogo, especialmente em unidades de atenção primária à saúde exige uma nova visão do cuidado fonoaudiológico, coerente com as novas políticas de saúde, o que exige acrescentar às práticas curativas, de caráter individual (realizadas com maior freqüência por muitos profissionais), novas práticas de prevenção e promoção, de caráter coletivo. A formação inicial do fonoaudiólogo deve capacitá-lo para atuar pautado na integralidade. Mais que isso, deve propiciar a compreensão do conceito de integralidade, que como vimos acima é mais abrangente que a idéia do cuidado com a saúde fonoaudiológica.
Em face dos aspectos discutidos neste texto, faz-se necessário, tanto o desencadeamento de um processo de mudanças na formação profissional durante a graduação dos fonoaudiólogos, quanto o desenvolvimento de ações de Educação Permanente para os profissionais já atuantes no SUS.
Visando contribuir com a formação dos profissionais de saúde, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - SGTES, vem implementando uma nova política de educação para o SUS, que objetiva estimular e promover a educação permanente dos profissionais trabalhadores do SUS, além de propiciar uma melhor aproximação entre os mundos da aprendizagem e do trabalho (FIOCRUZ, 2005a; 2005b).
Uma das estratégias de implementação desta política é o desenvolvimento do Curso de Formação de Facilitadores de Educação Permanente em Saúde. Este curso visa contribuir para a formação de diferentes atores sociais, indicados por Pólos de Educação Permanente, recém-constituídos nas diferentes regiões do país, visando à implementação de processos de Educação Permanente no Sistema de Saúde (FIOCRUZ, 2005a).
Outra estratégia deste Ministério, no sentido de contribuir com a formação dos profissionais de saúde, é o Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde. Este curso é destinado a professores de instituições de ensino superior na área da saúde e profissionais da área com formação superior e visa “formar especialistas capazes de desencadear e ampliar o pensamento crítico e a ação estratégica, no sentido de difundir e dinamizar os processos de mudança na formação superior de profissionais da saúde no país” (FIOCRUZ, 2005b).
“A transformação da formação dos profissionais de saúde é amplamente reconhecida como uma necessidade imperiosa para a consolidação do SUS” (Ceccim apud FIOCRUZ, 2005b).
Sem dúvida alguma, essas duas estratégias representam o início de um longo processo de mudanças nos cursos de graduação em Fonoaudiologia, bem como nas atividades de Educação Permanente voltadas para o desenvolvimento profissional dos fonoaudiólogos atuantes no SUS. |
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