ESTUDO DE CASO – PLASTICIDADE NEURAL DAS VIAS AUDITIVAS E ACLIMATAÇÃO |
Renata Mota Mamede Carvallo
Comentador(a) de Caso |
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Os avanços no conhecimento do sistema auditivo tem sido marcantes. Os procedimentos de acesso à atividade das células ciliadas por meio das emissões otoacústicas, a tecnologia aplicada aos implantes cocleares, e a neuroaudiologia têm permitido e, impulsionado o progresso no conhecimento da função auditiva.
Tanto assim, que a ciência vislumbra a possibilidade de vir a desenvolver meios para a regeneração celular de células do órgão de Corti. Na medida em que esses estudos avancem, teremos meios de \\\"recuperar\\\" determinadas formas de lesão coclear.
A neuroaudiologia foi uma das grandes áreas beneficiadas com o avanço tecnólogico nas últimas décadas, de forma que houve um marcante aumento no conhecimento relativo a desenvolvimento inicial do cérebro e do sistema nervoso.
Um dos principais temas da neurociências é que o cérebro não é uma estrutura rígida, mas sim um órgão “plástico”, maleável, com a capacidade de se reorganizar baseado em entradas sensoriais e motoras, configurando um fenômeno conhecido como neuroplasticidade.
Uma estreita relação e interação unem estimulação e plasticidade auditiva. A estimulação auditiva é um conceito facilmente entendido, porém o termo plasticidade possui inúmeras conotações. A configuração neural e suas conexões assumem um padrão previsivel (provavelmente determinado geneticamente) comumente referido como especificidade neural; as exceções a este padrão previsível representam a plasticidade neural. Este conceito suporta a idéia de que as mudanças nos padrões da configuração neural e suas conexões são a base para as mudanças comportamentais e aprendizado que ocorrem durante o curso da vida (Chermak; Musiek,1997). De modo geral, são consideradas três formas básicas de plasticidade: de desenvolvimento, compensatória ( pós lesões ou danos) e, aquela relacionada à aprendizagem. Os conceitos de estimulação e plasticidade são importantes para as propostas de reabilitação auditiva. Com enfoque no processo terapêutico, é fundamental o conhecimento sobre as modificações no padrão neural que podem ser obtidas através de estimulação. A estimulação, ou a influência dos sons ambientais , é uma questão chave para a plasticidade.
A plasticidade parece estar relacionada à maturação. Especificamente, quanto mais jovem for o cérebro, maior sua plasticidade. Outro conceito ligado à plasticidade cerebral é de que a potencialização a longo-termo, que pode ser definida como a condição resultante da força da transmissão em muitas sinapses, aumenta com o uso repetitivo. O aumento no potencial sináptico parece ocorrer na amígdala e na região hipocampal do cérebro, que são geralmente ligadas às memória. A base para a potencialização de longo-termo parece ser a ocorrência de mudanças químicas e anatômicas na altura das sinapses. A estimulação pode alimentar a plasticidade e pode aumentar (em duração) períodos críticos, dando melhores condições para o sucesso na reabilitação. Acredita-se que a plasticidade dependente da atividade, dê suporte à aprendizagem e memória, com mudanças que ocorrem no cérebro decorrentes do uso, das necessidades e experiências do indivíduo (Elbert et al., 1995). Estas características levam a supor que o cérebro possa fazer um \\\"remapeamento\\\" e uma \\\"reorganização\\\" de suas funções para melhor atender as exigências de processamento auditivo. Documentando um notável exemplo de plasticidade do sistema auditivo Allen, Cranford , Pay (1996) publicaram um caso de processamento auditivo normal em um adulto com ausência congênita de lobo temporal esquerdo. A ocorrência de re-mapeamento de funções centrais após a estimulação, depende em larga escala de variações individuais e da complexidade das tarefas exigidas, requerendo um tempo de treinamento que não pode ser pre-estabelecido pelo profissional. Mas, é fundamental que o período de intervenção possa oferecer amplas oportunidades de ativação do processo neural de plasticidade, que poderá provocar mudanças. Segundo Tallal et al. (1996), o treinamento intensivo pode acelerar o processo de re-mapeamento e re-aprendizagem.
Aoki & Siekewitz (1988) afirmam que o tipo de experiência, (principalmente, mas não exclusivamente na primeira infância) influenciam a estrutura e função final cerebral. Dependendo do tipo de estimulação, certas vias neurais serão reforçadas quanto ao uso, enquanto outras cairam em desuso. Eles comparam a plasticidade neural a um sistema viário que evolui com o uso. Algumas vias deste sistema altamente utilizadas seriam ampliadas e outras novas, adicionadas ao sistema quando necessário; enquanto que as vias menos usadas seriam abandonadas. Estas mudanças cerebrais relacionadas à experiência parecem ser deflagradas por certos eventos moleculares que são conduzidos por uma proteína (MAP2), que afeta a atividade na região sináptica da célula.
Teoricamente, se a experiência auditiva não for ofertada dentro do período adequado, é provável que as conexões neurais apropriadas também não se estabeleçam. Entretanto, mesmo que as esperadas conexões neurais auditivas não se formem, devido à experiências inadequadas, a plasticidade do sistema permitiria certa evolução, se este passar a receber estimulação adequada. O quanto a plasticidade vai permitir de evolução com a estimulação, depende de fenômenos tais como período crítico e maturação do sistema (Chermak & Musiek,1997).
Embora a plasticidade possa ser maior durante o desenvolvimento, vários trabalhos sugerem que o cérebro permanece maleável durante o decorrer da vida. Assim, a plasticidade se estende ao sistema nervoso maduro: uma significativa reorganização neural pode ocorrer em resposta a um dano ou à aprendizagem durante a vida (Edeline & Weinberger, 1991; Moore, 1993; Singer, 1995). De fato, a plasticidade pode concorrer para a manutenção do controle cognitivo por muitas décadas, a despeito da lenta, porém continua perda de neurônios que se inicia na adolescência e prossegue por toda a vida.
Schochat(1997) refere que mesmo o idoso manifesta plasticidade auditiva, melhorando sua performance em uma segunda exposição a testes de fala.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Allen,R.L.; Cranford,,J.L. & Pay.N. - Central Auditory Processing in an adult with congenital absence of left temporallobe. Journal of the American Academy of Audiology (1996), 7(4), 282-288.
Aoki,C., & Siekewitz,P. - Plasticity in Brain development. Scientific American, 1988,259 (6) 56-64.
Chermak,G.D. & Musiek,F.E. - Central Auditorv Processinq Disorders : New Persperctives. Singular Publishing Group, San Diego, 1997.
Edeline, J.M. & Weinberger,N.M. - Thalamic shorl-term plasticity in the auditory system: Associative retuning of receptive fields in the ventral medial geniculate body. Behavioral Neuroscience, 1991, 105: 618-639.
Elbert,T.; Pantev,C.; Wienbruch,C.; Rockstroh,B.; & Taun,E. - Increased cortical representationof the fingers of the left hand in string players. Science, 1995,270,305-306.
Schochat,E. - Percepção de Fala em perdas auditivas Neurossensoriais. In Lichtig,1. & Carvallo,R.M.M. (Org.) Audição: Abordaqens Atuais. Carapicuiba, Pró-Fono, Depto Editorial, , 1997, pp 223-253.
Tallal, P.; Miller, S.; Bedi, G.; Byma,g.; Wang,X.; Nagarajan, S.S. Schreiner, C.; Jenkins,W.M.; Merzenich, M.H. – Language comprehension in language-learning impaired children improved with acoustically modified speech. Science (1996) , 271: 81-84. |
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