DISTÚRBIO DA VOZ DECORRENTE DO TRABALHO – O DOCUMENTO
Leslie Piccolotto Ferreira
Coordenador(a)
Instituição: PUC-SP
 
No ano de 1997, a presidente do Conselho Federal de Fonoaudiologia, enviou ofício circular (15 de maio de 1997 - no. 088/97) para alguns fonoaudiólogos solicitando sugestões sobre um parecer elaborado pela Conselheira Efetiva Maria Carolina Paes, fruto de um trabalho experimental, na época realizado no Hospital dos Servidores do estado de Pernambuco, nos setores de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia. No ofício o próprio Conselho entendia que ¨muitas alterações laríngeas, com conseqüentes disfonias, podem ser caracterizadas como Doenças Ocupacionais¨. Nesse momento, com a anuência da presidente do Conselho, resolvi submeter a questão a uma discussão com maior número de pessoas, considerando a complexidade da mesma. Dessa forma o VII Seminário de Voz da PUC-SP abraçou pela primeira vez a temática de discutir o distúrbio de voz como decorrente do exercício profissional. Nos anos seguintes, a cada Seminário acrescentávamos mais questões para discussão, convidando profissionais de diversas áreas, que tem o universo do trabalhado como foco de estudos e pesquisas. Foram levantadas, na época, várias questões e propostas para conhecermos melhor quem seria o profissional da voz, como poderíamos conceituá-los, a que riscos estariam expostos. Essas discussões possibilitaram elaborar um protocolo que levantou os riscos ocupacionais a que os profissionais estariam sujeitos, como, riscos químicos, biológicos, ergonômicos, e físicos. Após, apresentação e comentários desses dados, resolvemos aprofundar as questões da voz do professor, considerando ser esse um profissional que há mais tempo nos procura para resolver seus problemas de voz, e pela existência de um número grande desse profissional em nosso país. Num grupo formado por profissionais da Prefeitura do Município de São Paulo, da PUC-SP e por demais interessados resolvemos organizar um questionário para conhecer as condições de produção vocal do professor inserido na rede pública municipal. Dessa forma, considerando principalmente as queixas dos professores que procuravam o Hospital do Servidor Público Municipal, elaboramos um questionário contendo 87 questões na sua maioria do tipo sim/não que inicialmente, numa fase de piloto, para validar o conteúdo do mesmo, foi aplicado num grupo que procurou o referido Hospital. Feitos os ajustes, com a assessoria estatística, considerando os 31.825 professores, distribuídos em 30 distritos, por meio de sorteio distribuímos os questionários a 460 professores de diferentes distritos e escolas, e tivemos um retorno de 422. Tal retorno foi positivo provavelmente pela parceria realizada entre a PUC-SP e a PMSP e pelo entendimento da importância da realização de tal pesquisa pelos dirigentes da época. Dos pesquisados, a maioria do sexo feminino (93,6%), 60% tem distúrbio de voz, referido no presente ou passado. A seu favor dizem não fumar (84,2%) nem beber (84,0%); contra, não ter tido orientação vocal (67.2%), presença da alteração há mais de 2 anos, com média de dois sintomas por sujeito (204 sujeitos = 410 queixas) e de 3 a 4 queixas relacionadas a saúde geral (366 professores = 1424 queixas). O teste de Spearman, aplicado para definir as variáveis que diferenciaram o grupo que diz ter alteração de voz (60%) daquele que não fez tal referência (40%) apontou para a presença de: RISCOS QUÍMICOS (produtos irritativos de limpeza, poeira - terra, poeira ambiental, areia, giz-,fumaça - queimada, indústria, motor de carro, e poluição), ERGONÔMICOS (ambiente de trabalho estressante, fatores ambientais (indisciplina, pichações, e brigas) interferindo na vida pessoal, ritmo de trabalho estressante, sem tempo de desenvolver todas as atividades na escola , necessitando levar trabalho para casa, fazem esforço físico intenso, carregam peso com freqüência), FÍSICOS (acústica insatisfatória, local ruidoso, ruído proveniente da própria sala, com presença de eco, temperatura inadequada, ora muito fria, ora muito quente), e DE ACIDENTE (tamanho da sala inadequado ao número de alunos). Quanto à SAÚDE GERAL, muitas foram as referências: ansiedade, dor de cabeça, problemas de coluna, alergia - principalmente a pó, produtos de limpeza, mofo e giz- , dor no corpo, doenças respiratórias, gastrite, resfriados constantes, azia, depressão e reumatismo. Dizem ainda notar sintomas referentes à mastigação, como estalos, desvio de queixo, e dificuldade para abrir e fechar a boca ou morder. Acordam durante a noite e, pela manhã, não se sentem descansados. Dentre as questões auditivas apresentam incômodo a sons ou ruídos, zumbido, e tontura. Quanto aos ASPECTOS VOCAIS referem que não receberam informações sobre cuidados com a voz, tem o hábito de falar muito, de gritar, e realizam outra atividade que exige o uso da voz, como cuidar de criança, cantar na Igreja, participar de debates, fazer leitura pública. Ao final do evento concluímos que os professores desconhecem o processo de produção da voz, tem uma sobrecarga de trabalho, um acúmulo de atividades e de situações adversas, estão imersos em ambiente físico inadequado, com manifestações físicas e psíquicas geradas por estresse. Foi com surpresa que, na época, tivemos o conhecimento do projeto Lei no. 497 de 1998, que dispõem sobre a criação de um Programa Estadual de Saúde do professor da Rede Estadual de Ensino, encaminhado pela Deputada Estadual Maria Lucia Prandi. Apesar de aprovada (Lei no. 10.893 de 28/09/2001) até o presente momento, embora venha dando subsídios para a elaboração de outras leis, nada foi feito para que a mesma fosse executada em nosso estado... No decorrer de outros Seminários fomos discutindo o nosso fazer na formação dos alunos, na atuação clínica ou de assessoria e em determinado momento chegamos a participar das reuniões de Reunião Pró-Consenso, promovidas pela Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz, numa tentativa de integrar aos demais profissionais envolvidos com as questões sujeito em contexto de trabalho, os conhecimentos da Fonoaudiologia e da Otorrinolaringologia. Todos os conhecimentos adquiridos no decorrer desses anos culminaram com a elaboração de um documento, discutido entre diversos profissionais, representantes de diversos segmentos da sociedade, entidades de classes e representantes sindicais, produzido sob a responsabilidade do CEREST. Uma das grandes conquistas desta instrução normativa é a determinação do papel dos fatores ambientais e organizacionais do trabalho e a forma que atuam como fatores de risco para o desenvolvimento do Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho, bem como os impactos gerados na vida do trabalhador. Portanto, ¨o que se pretende com este documento é conquistar novas formas de lidar com as repercussões que esses impactos causam na saúde do trabalhador, bem como suas possíveis incapacidades¨ Fica para nós a tarefa de, ora em diante, incentivar a notificar a ocorrência do referido distúrbio ao SUS, para que, além do próprio registro, dar subsídios para ações de vigilância nos ambientes e processos de trabalho.
 
Contato: leslieferreira@yahoo.com
 

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