ESTUDO DE CASO - DISFAGIA E DIASARTROFONIA
Elisabete Carrara de Angelis
Comentador(a) de Caso
 
A fala e a deglutição orofaríngea são funções do chamado sistema estomatognático e envolvem estruturas comuns como lábios, língua, mandíbula, faringe e laringe. Apesar desta duplicidade de funções, poucos são os autores que estudaram esta relação. A maior parte dos estudos iniciais neste tema baseou-se em observações clínicas. Silverstein & Faegenburg 1965 são os primeiros a referirem uma possível relação entre ambos, acreditando que as funções motoras relacionadas à fala eram diferenciações filogenéticas e ontogenéticas das funções mais primitivas de sucção, mastigação e deglutição. Acreditava-se que os movimentos do trato vocal para as vogais e consoantes emergiram da fragmentação das ondas peristálticas presentes na deglutição, baseados nas semelhanças dos formatos da língua durante a produção de vogais e no ato de deglutição, observados em Raios-X. Acreditava-se, portanto, que a fala era uma função superposta a estas funções neurovegetativas. Historicamente, todos os tratamentos partiram desta visão, incluindo um esquema hierárquico onde sucção, mastigação e deglutição eram determinantes de e pré-requisitos para a fala. Dentre as observações clínicas que reforçam a hipótese de função superposta estão: 1) a fala está quase sempre alterada quando há alteração de deglutição; 2) a fala melhora com a melhora da deglutição; 3) mastigação e deglutição podem ser normais e a fala severamente disártrica; 4) o ato simultâneo de mastigação e fala é relatado de melhorar a fala quando a tentativa de falar sem mastigar é malsucedida (Netsell, 1986). A hipótese subjacente a esta teoria é que a sucção e a deglutição são filogeneticamente mais velhas e controladas pelas estruturas reticulolímbicas do tronco cerebral. A mastigação apareceu mais recentemente e, com o aparecimento dos dentes, requer interações sensório-motoras de língua e mandíbula que são antecedentes para os mecanismos neuronais língua-mandíbula utilizados na fala. Nossos ancestrais sem dúvida nenhuma vocalizavam enquanto mastigavam e ouviam padrões mais diferenciados de sons dos movimentos linguais. Estes “novos sons” podem ter se tornado um modo de sinalizar unidades mais discretas de significado na sua comunicação e podem ter sido a origem dos movimentos de língua para a fala. Outro aspecto a considerar é sugerir que os mecanismos neuronais para a fala não são simplesmente superpostos àqueles vegetativos. Nesta possibilidade, todas as funções oromotoras estão alteradas quando o mecanismo neuronal, responsável pelo controle sensório-motor das estruturas da cavidade oral e orofaringe, está danificado. Mais recentemente, iniciaram-se os estudos objetivos neste tema, particularmente os sintomas de comunicação e deglutição associados às doenças neurológicas. A maior parte deles é descritiva. Hartelius e Svensson 1994 estudaram os sintomas de fala e de deglutição de 460 pacientes com doença de Parkinson ou Esclerose Múltipla. Observaram que 70% dos pacientes com doença de Parkinson têm limitações na fala e na voz após o início da doença, enquanto que apenas 41% têm limitações da mastigação e deglutição. Robins, Logemann & Kirshner 1986 estudaram a deglutição e a produção de fala, por meio de análises têmporo-espaciais das estruturas orofaríngeas, particularmente o véu palatino, pela videofluoroscopia, em 6 indivíduos parkinsonianos. Todos os pacientes mostraram padrões e tempo de movimentos orofaríngeos alterados durante as fases oral voluntária e faríngea da deglutição. Estes autores sugerem que a rigidez e a bradicinesia são responsáveis pelas alterações de fala como também pelas alterações das fases oral e faríngea da deglutição. Muitos pacientes com doenças neurológicas não têm consciência das alterações de deglutição que possuem, mesmo apresentando aspirações silentes (Robbins, Logemann & Kirshner 1986; Bushmann, Dobmeyer, Leeker & Perlmutter 1989). Embora haja a entrada de alimentos ou secreções nas vias aéreas, o paciente é assintomático, não tossindo ou engasgando à alimentação. Além disso, em várias doenças neurológicas, observa-se que as alterações de deglutição precedem os sintomas, o que constatamos frequentemente ao observamos avaliações videofluoroscópicas com diversas alterações não percebidas pelos pacientes. A disartrofonia, por sua vez, é comumente percebida, às vezes não a alteração fonoarticulatória em si, mas as limitações a ela associadas, normalmente associadas à inteligibilidade de fala. Desse modo, os achados fonatórios e vocais, mais facilmente observados, e também comumente presentes nas doenças neurológicas, poderiam indiretamente indicar a presença de disfagia, justificando avaliações diagnósticas, bem como abordagens terapêuticas mais precoces. Com este interesse, Carrara-de Angelis 2000 avaliaram 24 pacientes com doença de Parkinson, por meio da avaliação clínica e acústica da voz, laringoestroboscópica e videofluoroscópica da deglutição. Todos os pacientes apresentavam estágios de 2 a 4 (Hoehn & Yahr 1967). Os pacientes apresentaram mais sintomas e mais consciência das alterações de comunicação oral do que das alterações de deglutição. As alterações fonoarticulatórias mais freqüentes foram a redução da loudness e a imprecisão articulatória, ambas correlacionadas à redução da inteligibilidade de fala. A laringe apresentou fenda glótica predominantemente fusiforme, tremor de laringe e de pregas vocais e constrição supraglótica mista, e as medidas acústicas de perturbação e de ruído mostraram valores acima da normalidade. As alterações da deglutição mostraram-se evidentes em todas as fases da deglutição, com 33% de pacientes apresentando aspiração silente. Relacionando voz e deglutição, as medidas de perturbação de freqüência fundamental, a curto e médio termo (STD – desvio padrão da freqüência fundamental, PPQ – cociente de perturbação da freqüência - e vF0 – variação da freqüência fundamental) mostraram associação significante com a penetração laríngea, confirmando a relação entre voz e deglutição em pacientes com doença de Parkinson. Concluem que os dados de associação entre as funções reforçam a importância de avaliações objetivas mais precoces de pacientes com doenças neurológicas. O objetivo da aula será o de apresentar a relação entre disartrofonias e disfagias. Para tanto, será exposta a literatura existente sobre o tema, ainda escassa, o embasamento neurofisiológico de ambas as funções de voz e de deglutição, e a apresentação de casos clínicos ilustrativos. Além disso, serão enfatizadas as implicações desta relação na prática clínica fonoaudiológica. A freqüência de disfagia em pacientes neurológicos é alta e a ocorrência de aspiração silente nesta população varia de 30 a 70%. Sabe-se que a avaliação padrão-ouro das disfagias, principalmente em pacientes com risco de aspiração assintomática, é a videofluoroscopia, nem sempre possível de ser realizada, devido a uma série de fatores. A avaliação da voz , tanto clínica quanto acústica, mais facilmente de ser realizada, pode nortear as hipóteses diagnósticas, encaminhamentos necessários, e consequentemente a própria reabilitação. Referências bibliográficas Bushmann, M; Dobmeyer, SM; Leeker, L & Perlmutter, JS. Swallowing abnormalities and their response to treatment in Parkinson´s disease. Neurology, 39:1309-14, 1989. Carrara-de Angelis, E. Deglutição, Configuração laríngea, análise clínica e computadorizad da voz de pacientes com doença de Parkinson. Tese (doutorado) – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – São Paulo, 2000. Hartelius, L & Svensson , P. Speech and swallowing symptoms associated with Parkinson´s disease and multiple sclerosis: a survey. Folia Phoniatr Logop, 46:9-17, 1994. Hoehn, MM & Yahr, MD. Parkinsonism: onset, progression and mortality. Neurology, 17:427-42, 1967. Netsell, R. Neurobiological view of speech production and the dysarthrias. San Diego, College-Hill, 1986. Robins, JA; Logemann, JA & Kirshner, A. Swallowing and speech production in Parkinson´s disease. Ann. Neurol., 19(3): 283-7, 1986. Silverstein, A & Faegenburg, D. Cineradiography of swallowing. Arch Neurol, 12: 67-74, 1965.
 
Contato: eangeli@attglobal.net
 

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