Código: PDL0651
A PRODUÇÃO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: UMA ANÁLISE DO COTIDIANO ESCOLAR
 
Autores: Rosana Carla do Nascimento Givigi
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
 
Justificativa- Este trabalho procura fazer análises do cotidiano de uma escola em Vitória- ES, onde haviam muitas queixas de crianças com “dificuldades de aprendizagem”. A realidade atual do ensino público nos mostra índices altos de evasão escolar e repetência. Muitos estudos vêm sendo realizados acerca do problema e não se tem conseguido a superação desse quadro. O dito aproveitamento escolar continua muito aquém do esperado. A problemática das dificuldades de aprendizagem vem acompanhando o desenvolvimento das sociedades. Fonseca (1995) mostra claramente que, do século XVI até hoje, a escola foi se abrindo para um maior número de pessoas. No século XX (1904, 1905) passaram a ser utilizados testes de seleção feitos por médicos e pedagogos. A tendência a hegemonização gerada pela competição internacional acabou por estimular a definição de um padrão único de aprendizagem e as crianças que não alcançavam o padrão esperado recebiam várias classificações, como lentas, mentalmente retardadas, emocionalmente perturbadas, portadoras de distúrbio de aprendizagem, etc. A partir de então, aumentaram os estudos sobre distúrbios. O termo distúrbio vem sendo utilizado na literatura, em várias acepções. Destacamos duas grandes correntes da atualidade. De um lado, a opinião de que o modelo de explicação das dificuldades de aprendizagem estaria na própria escola, onde é produzido o fracasso escolar, causado pelo cotidiano da escola e pela prática pedagógica. Assim os distúrbios de aprendizagem não existiriam, a não ser como uma construção da escola para justificar o fracasso do aluno. Por outro lado à opinião de que existem, mas em menor proporção do que as apresentadas.
Foram usadas as ferramentas do paradigma ético-estético-político, onde Guattari, Deleuze, dentre outros, nos levam ao entendimento de uma subjetividade enquanto uma produção processual, marcada por rupturas e movimentos de singularização, numa perspectiva que levasse a abertura das multiplicidades, onde relações de forças se estabeleciam incessantemente construídas pelas diferenças.
Método- Foi a partir desse entendimento que estive numa escola, da rede municipal de ensino. Estive na escola durante cinco meses. Tínhamos encontros semanais, onde participavam professores e especialistas. Foram 13 encontros ao todo, que duravam duas horas e 30 minutos cada e muitos outros momentos informais como, recreios, entradas, saídas, reuniões, etc. Estar trabalhando dentro da escola poderia abrir caminhos para o entendimento das produções dessas dificuldades de aprendizagem. Aqui, o grupo não mais seria visto enquanto agrupamento de pessoas, com algum referencial de semelhança, mas como dispositivo que põe algo para funcionar (Barros, 1994). A noção de grupo como campo de forças busca escapar das dicotomias, superando-as. Esse dispositivo visa articular elementos heterogêneos, pois estabelece conexões entre pessoas que tem modos de vida diferentes. Assim, criam-se os confrontos de certezas.
O trabalho e suas conclusões- No início dos encontros havia muita ansiedade. Todos queriam falar o quanto era difícil estar com alunos que "não aprendiam". Ao mesmo tempo em que havia desânimo, existia um movimento de busca por respostas. Muitas questões estavam mistificadas. Sempre procuravam um culpado que poderia ser a pobreza, a falta de apoio da família, problemas emocionais, a política da SEME (secretaria municipal de educação). Em várias situações mostravam estar insatisfeitos com a forma de trabalho, porém para fazer diferente, teriam que renunciar a concepções naturalizadas por um longo período. No decorrer dos encontros seguintes, as questões citadas iam e vinham, mas já discutíamos outras formas de agir diante desses problemas. Parecia que nos encontros tínhamos um espaço de confronto, onde rachaduras eram abertas, rompendo discretamente com a homogeneidade. A cada dia outras questões eram levantadas e havia muitas tentativas de romper com o instituído. Queriam acreditar que eram capazes de criar outros caminhos. Era preciso ver a escola enquanto espaço não rígido, onde poderia haver conflitos, numa organização e desorganização constante. Nos encontros, percebíamos que sempre todos estavam presentes, mesmo com os conflitos permanentes. Era repetido várias vezes o quanto incomodava o instituído, mas ao mesmo tempo falávamos da dificuldade em romper com estes modelos. Vislumbrava-se o quanto seria prazeroso e mais eficaz o trabalho que não estivesse preso a um só conteúdo ou forma de aprender. Existia uma grande vontade de reapropriar o potencial de si mesmo e de seus alunos. No grupo, onde se entremeiam relações transversais, o movimento é constante. Quando falamos de relações transversais usamos, mais uma vez, como referencial Guattari, para quem transversalidade deve ser entendida enquanto dimensão que supere a possibilidade dos planos verticais e/ou horizontais, enquanto estruturas geradoras de hierarquização, que cristalizam os modos de estar no mundo. Assim, a análise transversal da vida de um grupo ultrapassa o seu em si. Vai além das intenções objetivas que se colocam, já que supõe conexões outras, como a de causa e efeito, por exemplo.
Com o passar dos encontros já era hora de deixar de lado as lamúrias. Eram os movimentos. Movimentos esses que nos dava a impressão de ir e vir, ou devir. Aí estava o significado do trabalho: inventar outros modos de pensar, funcionar, em que processos singulares pudessem surgir do coletivo. Entenda-se aqui também, coletivo como multiplicidade, e não como conjunto de pessoas. No grupo, não encontramos unidades, mas devires. Assim, um mesmo indivíduo pode ser atravessado por devires múltiplos.
Ao final de cada encontro tínhamos um espaço para analisar o que estava sendo feito e a cada dia, coisas novas surgiam. Não falávamos de evolução, pois nosso trabalho não traz essa idéia de mais ou menos desenvolvido. Falávamos de sistema de redes, de atravessamentos, onde não há linearidade, pressuposição, finalismos. O importante eram os movimentos, os processos. Não existem sujeitos/objetos, mas processos de subjetivação.
Para terminar diria que muitas questões sobre as dificuldades de aprendizagem foram pensadas e que estar nesta escola, foi o espaço para estas discussões. Passou a ser dispositivo-máquina que fabricava outros modos de conexão, outras subjetivações. A idéia de grupo como uma construção não é fácil de ser vivida. É bem mais fácil chegar, estabelecer metas, traçar programas, do que construir junto, confrontar diálogos, movimentos. Era essa nossa proposta.
O desafio era entender as dificuldades desses alunos como algo que vem sendo produzido, e não como algo preconcebido. Essas crianças não podem estar fadadas ao fracasso escolar.
Estar nesta escola levou-me a acreditar que é possível criar outras formas de pensar a educação, outras maneiras de olhar a escola. Enfim, para concluir, tenho que dizer que foram dias de muitas conquistas. Conquista de afetos, de força, de saberes. Quebramos o isolamento, a solidão. Muitos me fizeram companhia na crença de que vale a pena buscar, lutar, criar outros caminhos, quem sabe mais felizes.
 
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (Somente as usadas para essa síntese)

BENEVIDES de BARROS, R. D. B. Grupo: a afirmação de um simulacro. 1994. 447 p. Tese de doutorado em Psicologia Clínica-PUC.
COLLARES, C. A. L. MOYSÉS, M. A. A. Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização. São Paulo: 1996. 264 p.
DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 226 p.
FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 376 p.
GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992. 203 p .
GUATTARI, F. e DELEUZE, G. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed 34, 1995. 2.v. 109 p.
GUATTARI, F. e ROLNIK, S. Micropolítica-cartografias do desejo. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 327 p.
LEMOS, Claudia Thereza Guimarães. Sobre a aquisição da linguagem e seu dilema (pecado) original. Boletim da Abralim, Universidade Federal de Pernambuco, n.3, p. 97-126, 1982.
______________________. Interacionismo e aquisição de Linguagem. Delta, v.2, n.2, p. 231-48, 1986.
PALLADINO, R.R.R. Encontros e desencontros da Fonoaudiologia. In: PASSOS. M.C. Fonoaudiologia: Recriando seus Sentidos. Série Interfaces, São Paulo: Plexus, 1996. Cap.3.
 
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