AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM CRIANÇAS COM ALTERAÇÕES SENSÓRIO-MOTORAS |
Rosangela Viana Andrade
Palestrante |
Instituição: DEPARTAMENTO DE FISIOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA E TERAPIA OCUPACIONAL DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP |
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De um modo geral, para a avaliação fonoaudiológica da linguagem infantil a literatura relata-nos dois tipos de procedimentos utilizados pelo pesquisador, de acordo com o seu objetivo e pressuposto teórico. Um deles baseia-se na observação da comunicação espontânea da criança (estudo qualitativo do desenvolvimento de linguagem), enquanto que, o outro, realiza-se por meio de testes padronizados (estudo quantitativo da produção lingüística).
Na observação dos estudos fonoaudiológicos sobre o desenvolvimento de linguagem, há o registro de trabalhos baseados tão somente em um dos tipos de procedimento como também a utilização dos dois como dados complementares.
Tratando-se de um estudo qualitativo, algumas considerações metodológicas são importantes, tais como: a gravação em vídeo; a observação direta; a documentação por escrito dos dados colhidos; o registro de informações fornecidas pela família (geralmente a mãe) sobre o desenvolvimento global da criança, as quais possam contribuir para a pesquisa; a seleção adequada de objetos a serem manuseados pela criança de acordo com a sua fase de desenvolvimento cognitivo e o interesse do profissional; o local da avaliação (um ambiente em que o sujeito sinta-se seguro e confortável); e a revisão dos dados obtidos por outros profissionais da área, para evitar falsas interpretações por parte do avaliador. O conjunto dessas medidas facilita, para o pesquisador, a interpretação dos dados obtidos durante a sua análise.
Alguns autores consideram este procedimento mais difícil de ser analisado do que o procedimento quantitativo por conceder informações detalhadas sobre o desenvolvimento infantil, possibilitando, assim, a compreensão do avaliador sobre o processo de construção de linguagem da criança observada. Em algumas situações, ele é utilizado para complementar dados quantitativos pelo fato de que as respostas infantis, diante dos estímulos propostos pelo pesquisador, podem variar de acordo com o contexto, principalmente, tratando-se das alterações de linguagem. Pela mesma razão, observa-se alguns estudos considerados qualitativos apresentarem dados quantitativos como informações complementares sobre a avaliação dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Faz-se necessária a combinação de ambos os procedimentos durante a avaliação de linguagem em alguns casos, resultando em um trabalho mais completo e com a possibilidade de um diagnóstico mais preciso.
De qualquer modo, por meio de ambos os procedimentos, adotados de modo particular ou complementar, o fonoaudiólogo geralmente busca coletar informações precisas sobre o desenvolvimento de linguagem até a data presente da avaliação, as diferentes formas de expressão comunicativa manifestadas pela criança e a relação da linguagem com outras áreas do desenvolvimento infantil (cognição, DNPM, etc.).
Com base nesses conceitos e de acordo com a Epistemologia Genética, este trabalho tem o objetivo de mostrar os critérios utilizados durante a avaliação de linguagem de crianças com alterações sensório-motoras. Segundo este pressuposto teórico, o desenvolvimento de linguagem está subordinado ao desenvolvimento cognitivo, visto que a criança inicia a construção de seu conhecimento desde o seu nascimento, a partir do momento em que passa a atuar no meio, seja no sentido da ação motora propriamente dita, como também no das ações sensoriais tais como o da visão, da audição, do tato, do gosto e do olfato. Por meio dessas ações em conjunto e coordenadas, o indivíduo tem a oportunidade de estabelecer relações com o mundo e conhecê-lo. Sendo assim, durante a avaliação de linguagem, por meio da observação do “brincar” da criança com objetos previamente selecionados de acordo com a fase de seu desenvolvimento cognitivo, é possível registrar, não só as diferentes formas de expressão comunicativa apresentadas pelo sujeito, mas principalmente, a sua linguagem já construída e os meios utilizados para a sua construção.
Ressalta-se que, neste tipo de população, observa-se indivíduos que podem apresentar características importantes que interferem significativamente no desenvolvimento adequado de linguagem: defasagem cognitiva, atraso ou alterações do DNPM, alterações do sistema estomatognático e, ainda, alterações nas funções visual e/ou auditiva. Todas essas alterações, quando presentes isoladamente ou em conjunto, devem ser levadas em consideração durante o processo de avaliação, visto que a criança com alterações sensório-motoras poderá apresentar diferentes formas de expressões comunicativas para demonstrar uma determinada intenção dentro de um contexto. Além do mais, todo o trabalho de estimulação e/ou adequação de linguagem nesses indivíduos está relacionado diretamente com a qualidade da interpretação dos dados obtidos. Por outro lado, os fatores ambientais (interação social) também interferem significativamente, colaborando ou não, com o desenvolvimento de linguagem.
A partir dos dados obtidos e interpretados é que, então, será definida a conduta fonoaudiológica (terapia ou encaminhamentos que se fizerem necessários).
Ainda com base nesse pressuposto teórico, sugere-se o tratamento fonoaudiológico das crianças com alterações sensório-motoras de acordo com o método dialético-didático, o qual propõe a intervenção terapêutica baseada em situações de aprendizagem provocadas por interações conflitivas entre o sujeito e o objeto de conhecimento, com o objetivo de desenvolver o estado atual de raciocínio da criança. Neste sentido, torna-se imprescindível que o examinador se deixe orientar de acordo com as respostas tanto originais como as imprevistas pelos sujeitos da pesquisa e, assim, vai adaptando as suas próximas questões de acordo com os resultados que vão surgindo.
Desse modo, o interveniente deve: procurar respeitar e encorajar o papel ativo do sujeito, lembrar-se de que o conhecimento é construído, obedecer a hierarquia da psicogênese, cuidar para que cada aquisição seja estruturada e considerar os erros tratando-os com profundidade.
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