MOTRICIDADE ORAL |
Elisa Bento Carvalho Altmann
Palestrante |
|
A ação dos tecidos moles sobre o direcionamento do crescimento ósseo das
arcadas dentárias e sua relação na manutenção da estabilidade oclusal é uma
preocupação constante de dentistas, ortodontistas e fonoaudiólogos. Embora
existam diferentes pontos de vista entre os estudiosos da área,
principalmente no que se refere à influência direta dos grupos musculares
como fator etiológico dos vários tipos de maloclusões, sabe-se que ossos,
dentes e músculos estão correlacionados, formando um sistema funcional de
ação e reação.
Klein (1952) exerceu papel de suma importância no surgimento do trabalho
miofuncional quando provou, com estudos antropológicos de alguns povos, que
é possível se interferir no crescimento, seja contendo-o ou modelando-o.
Citou como exemplo os chineses, que enrolando os pés das mulheres,
conseguiam conter seu crescimento deixando-os pequenos. Outro exemplo citado
é o das mulheres girafa da Birmânia que, usando aros de cobre no pescoço
provocavam um alongamento excessivo desta região. Comprovou, deste modo, que
os ossos e as arcadas dentárias são estruturas plásticas capazes de serem
modeladas por forças intrínsecas e extrínsecas.
Seguindo nesta linha, Enlow & Hans (1998) afirmaram que a programação do
crescimento da estrutura óssea, seus determinantes genéticos e funcionais,
não residiria no próprio osso ou em suas membranas, mas sim, no conjunto de
tecidos moles que o apóiam. Desta forma, a construção e o crescimento dos
ossos do complexo craniofacial sofreriam influência direta dos músculos da
língua, lábios, bochechas, espaço aéreo faríngeo, entre outros. Os autores
afirmaram ainda que, o espaço aéreo da face e da faringe é a \\\"pedra
fundamental\\\" para o desenvolvimento da face. Assim, qualquer variação
regional ao longo de seu percurso poderia alterar de modo significativo o
curso do desenvolvimento do esqueleto craniofacial.
De acordo com Strang (1957), a manutenção da forma das arcadas dentárias
dependeria do equilíbrio funcional dos músculos que a circundam. Ele
observou a atuação de uma força interna, da língua contra a face lingual dos
dentes, e uma força externa, representada pela musculatura dos lábios e
bochechas. Estas forças atuariam de forma antagônica permitindo assim, a
estabilidade da oclusão.
Proffit, McGlone & Barrett (1975), também colocaram a existência de forças
musculares na configuração das arcadas dentárias. No entanto, os autores
afirmaram que a força exercida pelos lábios e pela língua durante a postura
de repouso parecia ser a determinante no posicionamento dos dentes, em
detrimento da pressão observada durante a função de deglutição e fala.
Altmann (1990) compartilha dessa opinião ao afirmar que para a manutenção da
harmonia das arcadas dentárias, o posicionamento das estruturas orais em
repouso deve estar adequado. Afirma ainda que e o padrão respiratório
correto e as posturas são responsáveis por 70% do sucesso do tratamento
miofuncional3. Para a autora, o equilíbrio postural perfeito dá-se com os
lábios fechados, a parte anterior da língua tocando a porção anterior do
palato na região denominada papila palatina e a mandíbula mantendo-se
elevada, permitindo um espaço de 3 a 4 mm entre os dentes superiores e
inferiores.
As posturas orais inadequadas estão intimamente relacionadas ao tônus
muscular. Ele é a base tanto das posturas orais adequadas como das funções
orais corretas. Deve ser trabalhado por meio de exercícios que ofereçam
resistência à musculatura e devem envolver os lábios, a língua, as bochechas
e os músculos elevadores da mandíbula. Contudo, cabe ressaltar que para a
adequação das posturas orais, a permeabilidade das narinas deve permitir a
manutenção do vedamento labial e para tanto, é fundamental que se saiba as
reais condições de aeração nasal do paciente. A avaliação criteriosa da
função respiratória, muitas vezes, irá envolver a participação de equipe
multidisciplinar.
Quando a respiração é oral por hábito, ela se dá principalmente pela
flacidez dos lábios e da musculatura elevadora da mandíbula. Nestes casos,
para eliminar a respiração oral é preciso fortalecer esta musculatura, para
dar condições mínimas ao indivíduo de manter a boca fechada. Trabalhar a
propriocepção nasal também é importante, pois o indivíduo, ao permanecer
longo período respirando pela boca, perde a sensibilidade nasal dificultando
seu controle para a instalação de outro padrão respiratório.
A propriocepção nasal poderá ser trabalhada através de exercícios que
forcem a aeração nasal tais como o aeronaso e o scape-scope. Outro meio
utilizado para a conscientização da respiração nasal é o mini refletor nasal
que consiste numa pequena placa metálica de fácil manuseio, que é colocada
embaixo de cada narina alternadamente, permitindo, desta forma, que se faça
um controle constante da permeabilidade das narinas através do embaçamento
da placa. Seu uso é de grande utilidade nos quadros alérgicos que sofrem
mudanças constantes da permeabilidade nasal (Altmann & Vaz, 1997).
Concomitantemente ao trabalho com a respiração, busca-se a adequação das
posturas de lábios e de língua. Para facilitar estes posicionamentos o
trabalho proprioceptivo deve ser desenvolvido conjuntamente com o postural.
Um dos exercícios recomendados é o que consiste na estimulação dos lábios e
da ponta da língua e da papila palatina com um palito de dentes, para que o
indivíduo volte sua atenção para estas regiões e consiga manter os lábios
ocluídos e a língua na papila. Outros materiais que podem ser utilizados
para o mesmo fim são o Guia de Posicionamento Labial e o Guia de
Posicionamento Lingual.
Para o trabalho com o tônus muscular, vários exercícios podem ser propostos,
contudo, os isométricos são os mais indicados. Para os lábios, pode-se
utilizar: contração prolongada dos lábios, chapa de resistência labial,
haltere labial, exercitador labial e as garrafas para exercício pulmonar,
por exemplo.
Para a língua, indica-se: o guia de língua de forma cônica e o haltere
lingual. Já para a musculatura das bochechas utiliza-se: exercícios de
resistência com espátula e o exercitador facial. Os músculos mastigatórios,
por sua vez, podem ser trabalhados através da mastigação do garrote (Altmann
& Vaz, 2005).
A instalação do padrão correto de deglutição deve ser iniciada juntamente
com o trabalho de tônus e postura. Para que o indivíduo aprenda a deglutir
corretamente, o primeiro passo é fazer com que ele perceba a forma como
deglute.
Em seguida, deve-se explicar-lhe como se dá o processo de deglutição correta
comparando-o com a forma do padrão incorreto. Uma vez conscientizado, ele
conseguirá aprender as etapas necessárias mais facilmente.
Para o trabalho com a deglutição propriamente dita, utiliza-se três tipos de
deglutição que são incentivadas de forma seqüencial: deglutição sugada,
deglutição sorriso e deglutição fechada. Esses três tipos de deglutição são
introduzidos com saliva, a seguir com água, depois com alimentos pastosos e
finalmente com alimentos sólidos. A mastigação é trabalhada
concomitantemente, durante a mastigação dos alimentos. Estimula-se o
paciente a observar seu padrão mastigatório durante as refeições.
A eficácia dos exercícios miofuncionais para a obtenção do equilíbrio
muscular tem sido comprovada tanto pela prática clínica quanto pelos
trabalhos científicos. A prática regular dos exercícios propostos permite
observar resultados satisfatórios em curto espaço de tempo. Isto é
particularmente importante nos casos de paralisia facial, onde se precisa
aproveitar o período de reinervação5, ou mesmo no pós-operatório de
cirurgias ortognáticas em que a presença de desvios musculares pode
comprometer o resultado do procedimento cirúrgico (Altmann & Vaz, 1997).
Todavia, cabe ressaltar que o sucesso terapêutico só poderá ser atingido
caso alguns pré-requisitos básicos tenham sido preenchidos. É fundamental
que o paciente apresente um mínimo de condições anatômicas orais e nasais;
que os maus hábitos bucais tenham sido previamente eliminados; que o
paciente esteja motivado e que as técnicas fonoaudiológicas sejam
acertivas4. Outro aspecto a ser lembrado é que a terapia miofuncional não é
um instrumento único na solução das alterações miofuncionais e que depende
muito da atuação de equipe multidisciplinar para o sucesso de cada caso.
Referências Bibliográficas
1. ALTMANN, E.B.C. - Deglutição atípica. In: Kudo, A.M. ; Marcondes, E. ;
Lins, L. ; Moriyama, L.T. ; Guimarães, M.L.L.G. ; Juliani, R.C.T.P. ;
Pierri, S.A. - Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em
Pediatria. São Paulo, Sarvier, 1990. p.116-31.
2. ALTMANN, E.B.C. & VAZ, A.C.N. - Avaliação e Tratamento Fonoaudiológico
nas Cirurgias Ortognáticas. In: Altmann, E.B.C. - Fissuras Labiopalatinas.
Carapicuíba, Pró-Fono, 1997. p. 432-56.
3. ALTMANN, E.B.C. - Atualização em Terapia Oromiofuncional. Revista do III
Encontro Internacional de Fonoaudiologia da Cidade de Goiânia. Goiânia,
2000. p. 12.
4. ALTMANN, E.B.C. - As alterações fonoaudiológicas relevantes que impedem o
sucesso dos tratamentos oromiofuncionalfuncional, ortodôntico e ortopédico
facial. Programa Oficial do 11°Congresso Internacional de Odontologia de
Goiás. - Goiânia, Associação Brasileira de Odontologia - Secção de Goiás,
2000. p. 46.
5. ALTMANN, E.B.C. & VAZ, A.C.N. - Paralisia Facial: implicações da
etiologia e das diferentes cirurgias. In: Comitê de Motricidade Orofacial -
Motricidade Orofacial: Como Atuam os Especialistas. São José dos Campos,
Pulso Editorial Ltda, 2004. p. 187-98.
6. ALTMANN, E.B.C. & VAZ, A.C.N. - Atualização Fonoaudiológica em
Odontopediatria. In: Corrêa, M.S.N.P. - Odontopediatria na Primeira
Infância. São Paulo, Santos, 2005. p. 55-69.
7. ENLOW, D.H. & HANS, M.G. - Noções Básicas de Crescimento Facial. São
Paulo, Santos, 1998. p. 1-14.
8. KLEIN, E.T. - Pressure Habits, Etiological Factors in Malocclusion. Am.
J. Orthod. 1952, 38: 569-87.
9. PROFFIT, W.R. ; McGLONE, R.E. ; BARRETT, M.J. - Lip and tongue pressures
related to dental arch and oral cavity size in Australian aborigines. J.
Dent. Res. 1975, 54: 1161-72.
10. STRANG, R.H.W. - Tratado de Ortodontia. Buenos Aires, Editorial
Bibliográfica Argentina, 1957. p. 44-159. |
|
Contato: eli@profono.com.br |
|

Imprimir Palestra |
|