AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL E ELETROFISIOLÓGICA DA AUDIÇÃO NO DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM: ESTUDO DE CASO |
Carla Gentile Matas
Comentador(a) de Caso |
Instituição: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO |
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Os Potenciais Evocados Auditivos (PEAs) podem ser definidos como respostas elétricas obtidas a partir de estimulação acústica, podendo ser captados no homem por meio de eletrodos fixados na superfície do couro cabeludo, mastóides e lóbulos das orelhas, sendo classificados em precoces, médios e tardios (Picton et al., 1974).
Dentre os PEAs precoces temos a Audiometria de Tronco Encefálico (Auditory Brainstem Response - ABR) ou Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE), cujas respostas são obtidas entre zero e oito milissegundos (ms) após a apresentação de estímulo acústico, originando-se no nervo coclear e nas vias auditivas do tronco encefálico (Durrant e Ferraro, 2001), sendo este o teste de escolha para avaliar a audição de crianças ou adultos que não respondem de forma satisfatória à avaliação comportamental, estimando assim o limiar eletrofisiológico na faixa de freqüências mais agudas. Pode ser utilizado também para avaliar a integridade da via auditiva, contribuindo assim no diagnóstico de tumores do nervo acústico e de patologias de fossa posterior, na monitorização cirúrgica, na avaliação do grau do coma e diagnóstico de morte encefálica.
As Respostas Auditivas de Média Latência (Middle Latency Response - MLR) ou Potencial Evocado Auditivo de Média Latência (PEAML), compostas por um conjunto de ondas positivas e negativas que seguem o PEATE e estão presentes até aproximadamente 80 ms após o estímulo acústico, foram primeiramente descritas por Geisler et al. (1958) como respostas precoces com latência inicial de aproximadamente 20 ms, caracterizada por uma deflexão positiva (Pa) em torno de 30 ms. Apresentam múltiplos geradores, refletindo áreas primárias do córtex auditivo e não-primárias como por exemplo a formação reticular, divisões multissensoriais do tálamo; com uma maior contribuição das vias tálamo-corticais e com menor colaboração do colículo inferior (mesencéfalo) (Kraus et al., 1994) e córtex auditivo (Musiek e Geurkink, 1981).
Inicialmente, o PEAML era clinicamente utilizado na determinação dos limiares auditivos na faixa de freqüências baixas (Musiek et al.1982; Scherg e Volk, 1983), complementando assim os dados obtidos no PEATE.
Por volta dos anos 80, pesquisadores enfatizaram também a importância do PEAML como uma forma de prover informações relevantes sobre a integridade do sistema nervoso auditivo central (SNAC), sendo dessa forma um dos melhores testes para avaliar o SNAC e desordens do processamento auditivo (Schochat, 2003).
O Potencial Cognitivo ou P300, primeiramente gravado por Sutton et al. (1965), é um potencial evocado auditivo tardio positivo que ocorre em aproximadamente 300 ms após a apresentação do estímulo acústico, sendo gerado quando um estímulo raro aparece aleatoriamente a uma série de estímulos freqüentes. O paciente é orientado a prestar atenção no estímulo raro, contando-o mentalmente, em voz alta ou apertando um botão todas as vezes que este aparece. São obtidas duas ondas, uma para o estímulo raro e outra para o estímulo freqüente, sendo que o P300 aparece subtraindo-se uma onda da outra (rara da freqüente).
O P300 parece não ser afetado pela perda auditiva, desde que o indivíduo possa perceber o estímulo acústico e realizar a atividade proposta (Musiek e Geurkink, 1981). Em contrapartida sofre mudanças com a idade e é fortemente influenciado pelo estado de alerta, nível de consciência e condições psicológicas (Hall, 1992 e Mc Pherson, 1996).
Como ocorre com a maioria dos potenciais de longa latência, os sítios geradores do P300 ainda não foram totalmente descobertos, entretanto existem evidências de que o hipocampo e/ou lobo temporal posterior contribuam para geração deste potencial, além de áreas do córtex auditivo (Knight et al., 1989; Velasco e Velasco, 1989). Estudos demonstram também uma contribuição do sub-tálamo e do corpo geniculado medial, com atividade no girus orbitalis, tálamo rostral e comissura anterior (Schochat, 2003).
Portanto, parece evidente que existem áreas diferentes envolvidas na geração do P300, incluindo respostas do córtex frontal, córtex centro-parietal e hipocampo (Mc Pherson, 1996), mostrando assim que áreas do cérebro responsáveis pela memória tem uma grande colaboração nos geradores deste potencial.
Como aplicações clínicas do P300 temos a mensuração neurofisiológica do processamento cognitivo, podendo ser aplicado em uma gama muito ampla de alterações neurológicas e psicológicas: lesões cerebrais vasculares, trauma craniano, tumores cerebrais, demência senil, esquizofrenia, falência renal crônica, alcoolismo crônico, esclerose múltipla, doença de Parkinson e AIDS, entre outras.
Atualmente, os potenciais evocados auditivos também são utilizados na avaliação da via auditiva central em indivíduos com problemas de fala e linguagem (Özdamar e Kraus, 1983).
Estudos em indivíduos com alterações de linguagem sugerem que existe uma falha na codificação neural da informação auditiva que interfere no desenvolvimento adequado das habilidades de linguagem, provavelmente devido à alteração na percepção de pistas acústicas contidas nos sinais de fala (Wible et al., 2005).
O Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) é uma alteração de linguagem não decorrente de perda auditiva, retardo mental ou sintomatologia neurológica. Benasich e Tallal (2002) sugeriram que diferenças nas habilidades básicas de processamento auditivo podem ser responsáveis, em parte, pelos déficits no processamento rápido da informação observado em crianças com DEL.
Portanto, na apresentação deste caso clínico descrevemos o desempenho audiológico de um indivíduo do sexo masculino, de quatorze anos, com diagnóstico de Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) aos três anos de idade.
Foram realizados avaliação audiológica convencional, testes comportamentais do processamento auditivo e eletrofisiológicos da audição, antes e após intervenção fonoaudiológica.
Na primeira avaliação audiológica obteve-se limiares auditivos tonais normais, curva timpanométrica tipo A em ambas as orelhas e reflexos acústicos elevados na orelha direita. Nos testes comportamentais do processamento auditivo observou-se resultados normais em memória seqüencial, figura-fundo, fechamento auditivo, atenção dirigida e padrão de duração, sendo que no teste de padrão de freqüência os resultados encontraram-se alterados (OD= 64%, OE= 44%). Nos testes eletrofisiológicos da audição foram encontrados resultados normais na ABR, presença de efeito orelha direita na MLR e P300 com latências normais, porém com alteração significativa da morfologia das ondas. Realizou-se avaliação neurológica clínica e tomografia computadorizada, ambas com resultados normais.
Na segunda avaliação audiológica, após três anos de intervenção fonoaudiológica, observou-se limiares auditivos tonais normais, curva timpanométrica tipo A e reflexos acústicos presentes em níveis de intensidade normais bilateralmente. Nos testes comportamentais do processamento auditivo verificou-se melhora nos resultados do teste de padrão de freqüência. Com relação aos testes eletrofisiológicos da audição observou-se uma melhora significativa na morfologia do traçado do P300.
Portanto, pode-se concluir que os potenciais evocados auditivos complementam os achados da avaliação comportamental do processamento auditivo, visto que fornecem ao audiologista uma medida objetiva do funcionamento do sistema auditivo periférico e central, proporcionando um diagnóstico mais preciso do problema em questão e auxiliando, deste modo, na reabilitação a ser oferecida.
Além disso, evidenciou-se melhora significativa nos resultados da avaliação audiológica após intervenção fonoaudiológica, sugerindo que a intervenção proporcionou uma adaptação ou modificação na organização estrutural, bem como no funcionamento do Sistema Nervoso Central, levando a uma melhora na sincronia neural e conseqüentemente na comunicação e linguagem do indivíduo.
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Contato: cgmatas@usp.br |
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