Código: PDL0925
CAUSALIDADE NA FONOAUDIOLOGIA: SEUS DESDOBRAMENTOS NA CLÍNICA DE LINGUAGEM |
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Autores: Brena Habib Santana Paredes, Regina Maria Ayres de Camargo Freire (orientadora) |
Instituição: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO -PUC |
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INTRODUÇÃO:
O tema central desta pesquisa é a noção de causalidade, entendendo-se que causa pode ser tomada no mesmo sentido que causalidade ou pode ser apreendida como sua parte, pois não há como falar de causalidade sem remeter à relação entre as causas. Observa-se também que não há como discutir a noção de causa sem se remeter aos efeitos ou conseqüências que ela opera, ou seja, a causalidade.
Para a Medicina, existe uma relação linear entre causa e efeito ou interessa apenas a causa principal que produziu um determinado estado patológico, e a noção de causalidade é preterida em favor da busca pela origem das doenças, ou seja, a etiologia.
Por outro lado, a clínica psicanalítica faz outra leitura dessa questão: sua preocupação é compreender os princípios estruturantes de uma formação sintomática, o que a afasta da busca pela origem das doenças. Nessa perspectiva, a doença não faz questão em seu campo, pois o cerne de sua área é o sintoma, que não é palpável ou apreensível a olhos nus.
Quanto à Fonoaudiologia? Qual conceito de causalidade perpassa seu campo? De que modo, e como isso traz implicações ao trabalho clínico?.
Motivada pelas incertezas que as questões acima apontam, estruturou-se este trabalho na tentativa de circunscrever a forma de comparecimento da causalidade no raciocínio clínico do campo fonoaudiológico.
OBJETIVO:
Observar e analisar a forma de comparecimento da noção de causalidade na clínica fonoaudiológica.
MATERIAL E MÉTODO:
Esta pesquisa é do tipo exploratório e, como tal, visitou as áreas da Medicina, Psicanálise e Fonoaudiologia com o objetivo de delinear a questão da causalidade e esclarecer as várias vertentes sob as quais a mesma pode ser tomada.
DISCUSSÃO:
Causalidade na Medicina
Neste campo, a causalidade é compreendida de forma unidimensional, pois o compromisso da Medicina é com a busca pela origem da doença, compromisso que recobre a idéia de causalidade biológica. A área médica isola uma causa principal que, uma vez conhecida, pode ser combatida. Neste contexto, o termo etiologia ganha prioridade.
A questão da etiologia é relacional, ou seja, tem um funcionamento remetido aos outros elementos da clínica que a ela se articulam. A clínica médica é configurada tendo por balisa quatro elementos fundamentais, homogêneos e co-variantes: semiologia, diagnóstica, etiologia e terapêutica.
Observou-se que, nesse campo, a etiologia é organizada na relação direta entre causa e efeito, possibilitando a constituição de uma nosologia universal, objetiva, na qual se pode afirmar que toda doença ou fenômeno é observável e pode ser descrita em suas semelhanças. Urge ressaltar que, nesta clínica, é imprescindível a determinação da causa para a supressão do sintoma, visto que sem entender o funcionamento da doença, aquilo que a rege, não há como propor uma ação terapêutica.
Causalidade na Psicanálise
Para a Psicanálise não existe uma causa sobre a qual agir para eliminar o sintoma, concebido como o produto de uma formação psíquica sobredeterminada: embora o sintoma sinalize o que está subjacente, não constitui a coisa em si, pois demanda um valor simbólico. Como o caminho percorrido pelo inconsciente não é passível de uma observação direta, sua apreensão acontecerá mediante associações do discurso do paciente.
Dunker (2000) menciona que, sendo a Psicanálise uma área clínica, não haveria como se esquivar de uma organização estrutural como a da clínica clássica. Pontua que, no que tange à etiologia, a sustentável causalidade existente na clínica clássica é refutada, uma vez que os fatos relatados pela linguagem sofrem alterações, conforme vão sendo ditos e re-ditos. A subjetividade transforma-se na medida em que o sujeito re-descreve situações e as origens do sintoma se entrelaçam.
Há um determinismo particular que opera nos processos psíquicos, denominado causalidade psíquica, que procede por outras vias que não se assemelham à noção de causalidade tomada pela clínica médica, pois não obedece a linhas de regularidades estáveis entre causa e efeito. É uma causalidade retrospectiva que não segue uma temporalidade, um caráter de soma, de acúmulo, pois não é objeto de leis, pelo menos, no sentido empírico e restrito que o termo toma nas ciências exatas.
Causalidade na Fonoaudiologia: a Clínica de Linguagem
A Fonoaudiologia pode ser pautada na perspectiva cartesiana que estrutura a clínica médica, sendo esta a razão pela qual a Fonoaudiologia não questiona o raciocínio clínico apoiado na etiologia, situando-se, assim, na complementaridade da clínica médica.
Constatou-se ainda que desta posição deriva uma prática fonoaudiológica de natureza pedagógica, visto que a concepção de linguagem advinda da clínica médica é aquela na qual a linguagem é um patrimônio, cujo acesso é credenciado por meio de um processo dito de aprendizagem que se realiza no bojo de um movimento de transmissibilidade e, portanto, um movimento que supõe ou, pelo menos, pretende o inapreensível.
Jakubovicz & Miguel (2004), Faria,R. (2004), Jakubovicz & Cupello (1996), Vieira (1992), Cupello (2004) e Millan (1993) concordam que saber a causa é pensar o grau de severidade do “problema” e seu prognóstico. Nesta linha de pensamento, se não houver melhora do paciente, a responsabilidade será atribuída a um déficit orgânico de que o mesmo seja portador, e não ao tipo de intervenção proposta. Trabalhar nessa perspectiva deixa o terapeuta pouco envolvido com o tratamento, pois uma não superação implica sempre o outro, no caso o paciente, como não colaborador ou, ainda, a presença de uma doença grave.
Neste caso, as pesquisas adotam a idéia de causalidade da Medicina, e a linguagem é tomada como manifestação do funcionamento de um corpo biológico. A conseqüência para a clínica fonoaudiológica está em a origem ou causa da doença não ser sequer questionada, apenas tratada.
Em um outro grupo de pesquisas, verificou-se que a Fonoaudiologia avançou ao se distanciar do modo positivista de conceber a clínica. Desta forma, trabalhos influenciados pela Psicanálise e pela Lingüística Discursiva emergiram no interior de seu campo, fazendo com que reflexões sobre causalidade viessem à tona. Isso pode ser observado nos trabalhos de Freire & Cordeiro (1999), Palladino (1999), Arantes (2001), Pollonio (2005), Fonseca (2002), Faria (2003).
Neste grupo de pesquisas, o fazer da Fonoaudiologia é subvertido no instante em que seu foco deixa de ser o corpo biológico para ser um corpo investido simbolicamente - marcado pelas vivências, interdições, histórias de cada sujeito - o que vem a justificar a não - linearidade entre sinal e sintoma ou causa e efeito, razões que aproximam a Psicanálise da Fonoaudiologia.
Estreitar laços de filiação com a Lingüística Discursiva e a Psicanálise possibilitou à clínica da linguagem patológica apreender toda a imprevisibilidade e contingência do sintoma na Linguagem, como uma elaboração discursiva sobredeterminada. O diálogo com a área de Aquisição de Linguagem permitiu compreender que as questões da heterogeneidade e da imprevisibilidade das manifestações lingüísticas só poderão ser entendidas fundamentadas em uma concepção de linguagem que remeta ao simbólico.
Sob esse prisma, o sintoma implica escuta e interpretação, pois atrela-se ao discursivo, à linguagem e, por isso, ao simbólico. Deste modo, um sintoma de linguagem não pode ser apreensível no corpo, pois é de ordem opaca, imprevisível, “não se dá a ver”. O reconhecimento da diferença entre sintoma do corpo e sintoma na linguagem incitou a aproximação entre Fonoaudiologia e Lingüística discursiva.
A clínica fonoaudiológica da linguagem, ao distanciar-se de um caminho cartesiano, tem uma escuta movimentada, pelo que não se pode nunca prever: a jogada singular de cada paciente. Não se pode esquecer que escutar é diferente de ouvir. Na Fonoaudiologia, por seu objeto ser a linguagem em sua instância sintomática, a escuta volta-se a essa linguagem, a seu funcionamento.
Desse modo, o fonoaudiólogo não pode ater-se apenas ao visível, mas, muitas vezes, ao que está por detrás (latente) a um quadro. Como pontuou Pollonio (2005) a Fonoaudiologia precisa considerar que existem conteúdos latentes que respondem pelo sintoma apresentado (...) [pois] enquanto a Psicanálise preocupa-se em desvendar os conteúdos inconscientes responsáveis pela formação sintomática, a Fonoaudiologia visa compreender o funcionamento da linguagem (p.137).
CONCLUSÃO:
Assumiu-se como objetivo desta pesquisa pontuar a forma de comparecimento da noção de causalidade na Fonoaudiologia. Em sua elaboração identificou-se poucos trabalhos que tematizam a questão proposta e quando o fazem, parecem adotar, sem discussão, a concepção de doença privilegiada pela clínica médica e dela tomada por empréstimo sem a devida adequação. Daí ser “etiologia” o termo que recobre causalidade e impede seu questionamento.
Os trabalhos representados por uma Fonoaudiologia próxima da perspectiva cartesiana não questionam o termo etiologia, utilizando-o como sinônimo de causa da doença. Já os trabalhos representados por uma Fonoaudiologia influenciada pela Lingüística Discursiva e pela Psicanálise detectam a causalidade como uma questão para o campo que invoca o fonoaudiólogo a uma reflexão sobre sua forma de comparecimento e sua relação obrigatória com os demais elementos da clínica.
Portanto, para dar acolhida ao enigma empregado pela linguagem patológica, deve-se colocar em pauta a causalidade simbólica. Para isso é necessário ressignificar os elementos estruturais da clínica clássica - semiologia, diagnóstica, etiologia e terapêutica -, entendendo-os como alicerces sem os quais uma clínica fonoaudiológica de linguagem não poderá dar conta da fala sintomática. |
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