ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR NA FALA EM DISTÚRBIOS DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR
Silvana Regina Marzotto
Palestrante
 
O tema “Atuação interdisciplinar nos distúrbios da articulação temporomandibular” nos faz pensar sobre o significado da verdadeira interdisciplinaridade; comum a diversas disciplinas , dependência recíproca das ciências, verdadeira interação entre as equipes. A importância da interdisciplinaridade nos distúrbios da articulação temporomandibular é indiscutível. Vasta bibliografia desde Costen por volta de 1934 já tinha a preocupação de direcionar os tratamentos segundo a sintomatologia e os possíveis fatores etiológicos da disfunção. Na fonoaudilogia, nestes últimos anos, vários trabalhos mostram a preocupação com o diagnóstico diferencial, procurando conhecer e valorizar não só a anatomia e a fisiologia da articulação temporomandibular como a observação de exames complementares que ajudariam a entender e definir o diagnóstico resultando em condutas e procedimentos mais adequados. Sabe-se que todo profissional da saúde tem o compromisso de solucionar ou minimizar o problema ou a dor de seus pacientes. Particularmente com disfunção, o profissional confronta-se com dois aspectos de grande complexidade: “dor” (experiência sensorial, emocional, limitante e totalmente subjetiva) X “etiologia multifatorial”. Entretanto o fato de a etiologia ser multifatorial, certamente, traz limitações dificultando um tratamento objetivo e único. O relato de um caso, particularmente pode ilustrar a dificuldade em estabilizar alguns quadros, mesmo com a integração de vários profissionais com enfoque na interdisciplinaridade. Trata-se de uma paciente adulta, nível superior. Foi encaminhada para avaliação fonoaudiológica oromiofuncional pela equipe odontológica. A paciente tinha acompanhamento psicológico há algum tempo e fazia uso de placa interoclusal há um ano e meio devido quadro de dor facial e apertamento dentário. Em virtude da sintomatologia se manter foi encaminhada para avaliação fonoaudiológica referindo as mesmas queixas; dor e apertamento dentário, hábito de apertar e morder as bochechas, rigidez da musculatura ao acordar e cansaço ao mastigar. Foi realizado exame fonoaudiológico cumprindo um protocolo específico e detalhado de anamnese e avaliação da articulação temporomandibular, preconizada por Bianchini em 2000. Na anamnese obteve-se: histórico de labirintite com presença de zumbido, náusea e ruído articular (estalos). Cirurgias realizadas: adenóide (10 anos), fêmur decorrente de acidente automobilístico (13 anos) e correção do septo (27 anos). Os dados mais relevantes da avaliação foram: comportamento emocional de dependência, imaturidade, carência e insegurança; dor moderada a severa na região dos masseteres, na região das articulações temporomandibular (irradiando para a cabeça), na musculatura do pescoço, esternocleidomastoideos, trapézio, peitoral, submandibular e região peitoral e do trapézio. Alteração postural da cabeça, e dos ombros. Amplitude da fala reduzida e com desvios. Movimentos mandibular: amplitude reduzida em torno de 40mm, protrusiva e lateralidade direita reduzida segundo padrão de referência. Mastigação unilateral esquerda. Respiração oronasal sem restrição de componente orgânico. Perfil labial aberto com tensão do mentual. Partindo da análise criteriosa dos dados obtidos na anamnese e no exame iniciou-se o trabalho fonoaudiológico. A terapêutica teve como objetivo desenvolver a consciência e propriocepção comportamental, ou seja, levar o paciente a compreender os hábitos e posturas prejudiciais; levar o paciente ao entendimento da possível relação e agravamento da dor X emoção; reduzir a atividade muscular de maneira global provocando a sensação de alívio, soltura e leveza dos músculos; desprogramação de tensão. Os procedimentos terapêuticos abordados foram: aquecimento por meio da termoterapia quente úmida, para redução da dor; manobras visando a oxigenação dos tecidos e redução das substâncias metabólicas; relaxamentos e alongamentos visando conscientização de áreas de tensão e da melhora postural; treino da respiração beneficiando a propriocepção corporal e a realização de automassagens e relaxamentos; treino funcional sistemático da mastigação (com alimentos) bilateral alternada partindo da observação das adaptações feita pela própria paciente e o entendimento da necessidade de estimular a musculatura acionando o mecanismo da língua e dos bucinadores. Após meses, o quadro se mantinha instável com apenas pequenos períodos de melhora. Foram solicitados outros exames complementares por imagem e diagnóstico computadorizado; avaliação otorrinolaringológica em função da cefaléia e da dor próxima da região do ouvido; avaliação ortopédica devido queixa constante de torcicolos e pressão no anel cervical. Após esta investigação a paciente iniciou sessões de fisioterapia por solicitação e orientação do médico. Paralelamente a estas terapêuticas (fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, e odontologia) foi realizado sessões de acupuntura e massagens por opção da paciente, o que foi reforçado por não fazer parte de procedimentos agressivos. Apesar de todos os tratamentos, o quadro se manteve igual. Novamente, na busca de resultados mais eficientes, foi solicitado em comum acordo (psicóloga, fonoaudióloga, ortodontista e especialista em disfunção temporomandibular e dor orofacial) avaliação e acompanhamento neurológico que procedeu com tratamento medicamentoso. Desenvolve-se por conta do uso de vários medicamentos (antiflamatório, antidepressivo, analgésicos, relaxante muscular), um quadro de gastrite medicamentosa havendo necessidade também de terapêutica medicamentosa. Crises de depressão começaram a ser sinalizadas, mesmo com o acompanhamento psicológico que se manteve em todo o processo. Iniciou tratamento com um psiquiatra. Novos procedimentos ortodônticos foram estabelecidos como mudança da placa e maior direcionamento na abordagem fonoaudiológica para a sistematização da funcionalidade o que implicou na mudança de profissional, uma vez que grande parte da sessão fonoaudiológica acabava sendo usada pela paciente para abordar sobre questões emocionais. Mesmo com a atuação multidisciplinar, do longo percurso em buscas de soluções, do caráter da doença, das características do paciente, da etiologia multifatorial, não se obteve o resultado esperado. Isto nos faz refletir sobre o compromisso que temos com nossos pacientes em melhorar a qualidade de vida destes. Apesar da busca constante de soluções, o sentimento de frustração pelos nossos insucessos é inevitável. Mesmo com um olhar holístico e multidisciplinar, respeitando e procurando entender tal complexidade, o trabalho interdisciplinar não garantiu a solução do problema. No processo evolutivo nascemos dependentes, depois buscamos a nossa independência e em outro estágio nos deparamos com a inevitável interdependência. Ficam aqui alguns pontos a serem refletidos: Como profissionais da saúde, será que realmente entendemos tal subjetividade da dor? Será que em pacientes crônicos a dor não acaba sendo usada e manipulada como estratégia para chamar a atenção suprindo as próprias carências? Será que a necessidade de relacionar-se com o outro se torna muito mais importante do que a própria dor? Fica, portanto o grande desafio de infindáveis pesquisas aliando o conhecimento científico, a experiência clínica, o olhar diferenciado, à sensibilidade e o verdadeiro trabalho em equipe multidisciplinar.
 
Contato: silvanamarzotto@uol.com.br
 

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