Código: PIV0561
RELAÇÃO ENTRE COMPORTAMENTO VOCAL E ALTERAÇÃO DE VOZ EM CRIANÇAS DE 4 A 7 ANOS DE IDADE |
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Autores: Marcia Simões, Mara Behlau |
Instituição: CENTRO DE ESTUDOS DA VOZ E CURSO DE FONOAUDIOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO |
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Introdução. A clínica voltada ao atendimento de crianças tem sido um grande desafio para os fonoaudiólogos que atuam na área de voz. A disfonia infantil parece ser cada vez mais presente, os problemas têm aparecido precocemente e a intervenção tem sido muito questionada, não só quanto à sua real necessidade, mas também quanto à efetividade dos procedimentos terapêuticos. Junte-se a isso a falta de parâmetros de normalidade bem estabelecidos para avaliar a voz infantil e a dificuldade da avaliação laringológica realizada pelo médico, levando muitas vezes à falta de precisão no diagnóstico. Diversas pesquisas têm se voltado para a análise dos fatores associados à alteração de voz nessa faixa etária para que se possa intervir e diminuir a ocorrência dos problemas, sendo o comportamento vocal abusivo o aspecto destacado pela literatura. Os estudos também têm procurado desenvolver outros procedimentos fidedignos de avaliação do
problema de voz da criança. Dessa maneira acredita-se que um protocolo que possibilite o levantamento do comportamento vocal e a diferenciação das crianças com e sem alteração de voz seja uma ferramenta muito útil. Como hoje em dia a maioria das crianças freqüenta instituições de ensino desde muito cedo, os educadores dessas instituições, desde que bem orientados e/ou treinados, se tornam peças-chave no estudo do comportamento vocal infantil, uma vez que são as pessoas que ficam a maior parte do dia em contato com elas, em diferentes situações, atividades e espaços. Objetivo. Verificar a relação entre comportamento vocal de crianças de 4 a 7 anos de idade relatado por educadoras de creche e a presença de alteração de voz identificada por análise perceptivo-auditiva realizada por fonoaudiólogas. Método. Participaram 116 crianças que freqüentam creches, sendo 60 meninos e 56 meninas, com idades entre 4 e 7 anos. Para obter os dados relativos ao comportamento vocal das crianças as
educadoras foram orientadas quanto ao preenchimento de um protocolo com vinte itens sobre comportamento vocal e ocorrência de doenças. Cada educadora deveria assinalar o grau de ocorrência dos itens para todas as crianças de seu grupo, registrando sua percepção numa escala de 0 (nunca ocorre) a 5 (sempre ocorre). Para interpretação dos dados sobre comportamento vocal foi feita uma divisão da escala a partir das médias, criando-se cinco categorias: comportamento vocal não abusivo, pouco abusivo, abusivo, muito abusivo e extremamente abusivo. Além disso, foram também calculadas as médias e totais de cada criança nos vinte itens do protocolo. Para a análise perceptivo-auditiva das vozes das crianças foi realizada gravação nas próprias creches, em salas com nível de ruído abaixo de 50 dB, controlado com uso de medidor do nível de pressão sonora. As crianças foram posicionadas sentadas em frente ao microcomputador portátil, diante do microfone inclinado a uma distância de 8 a 10 cm da
boca e seguro pela mão da avaliadora. Foi solicitada a contagem dos números de 1 a 10 e a emissão sustentada da vogal “é”, sendo ambas gravadas no software Voxmetria. A análise perceptivo-auditiva foi realizada por três fonoaudiólogas, com treinamento mínimo de dois anos em avaliação vocal, que classificaram as crianças em dois grupos – voz adaptada e voz alterada – para cada tarefa de fala. Isso foi feito tendo-se como parâmetro o que é considerado pela literatura como voz adaptada – criança sem alterações ou com alterações em grau leve nos parâmetros rouquidão, soprosidade, tensão fonatória, nasalidade e coordenação respiração-fala – e voz alterada – crianças com alterações moderadas, severas ou extremas nos parâmetros citados. A análise das juízas foi individual. As amostras de gravação foram compostas pelas vozes das 116 crianças participantes e mais 12 (10%) vozes repetidas para verificar a confiabilidade intra-avaliador. Para análise dos dados foi utilizado o pacote
estatístico SPSS e considerado nível de significância de 5%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, as coordenações das creches foram devidamente informadas sobre o projeto e foi solicitada aos responsáveis pelas crianças a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Resultados. Nos itens sobre comportamento vocal as médias das crianças variaram, numa escala de 0 a 5, de 1,17 a 2,14, sendo a menor média para “choro com esforço” e a maior para “gritos”. Pôde-se verificar que na maioria dos itens as crianças apresentaram, em média, comportamento vocal abusivo e em apenas dois itens comportamento vocal pouco abusivo. Os mais freqüentes foram: gritar (média 2,14), usar a voz acima do ruído ambiental (média 2,06), falar em excesso (média 2,03), interromper a fala dos outros (média 2,01), voz “alta”, “ardida” ou “estridente” (média 1,97) e competição pela atenção com o uso da voz (média 1,86). As questões sobre ocorrência de doenças apresentaram médias
abaixo de 1,25. Por meio da análise perceptivo-auditiva observou-se que cerca de metade (51,7%) das crianças foi considerada com voz alterada na emissão sustentada e a maioria (75,9%) foi considerada com voz adaptada a partir da tarefa de fala encadeada. Quando se analisou a relação entre as médias obtidas no protocolo preenchido pelas educadoras e os dados da análise perceptivo-auditiva feita pelas fonoaudiólogas verificou-se associação estatisticamente significativa entre diversos aspectos. A alteração vocal detectada nas duas tarefas de fala foi associada com a questão 1 (Q1) “voz rouca ou muito diferente da voz das outras crianças” (p=0,030 e p=0,001, respectivamente), Q2 – “perda de voz” (p=0,004 e p=0,009), Q4 – “esforço ao falar” (p=0,010 e p=0,045), Q7 – “voz diferente após prática de esportes, acampamentos e outros” (p=0,024 e p=0,038), média (p=0,026 e p=0,037) e total (p=0,026 e p=0,037). Alteração vocal identificada apenas na tarefa de fala encadeada foi associada à Q10
– “falar em excesso” (p=0,042) e Q17 – “queixar-se de dor de garganta” (p=0,026). Alteração vocal identificada apenas na emissão sustentada foi associada à Q9 – “usar a voz acima do ruído ambiental” (p=0,037) e Q14 – “competir pela atenção através do uso da voz” (p=0,018). Foram calculadas notas de corte para os parâmetros que apresentaram significância estatística, sendo essas notas: 1,08 (Q1), 0,68 (Q2), 0,93 (Q4), 1,25 (Q7), 1,6 (Q9), 0,68 (Q14), 0,90 (média) e 18,08 (total). Foram calculadas ainda a sensibilidade (80%) e especificidade (50%) do protocolo. Esses cálculos foram feitos com base na amostra de vogal sustentada devido à porcentagem equilibrada de crianças com e sem alteração vocal que foi encontrada. Quando os dados foram comparados em relação ao gênero e idade das crianças, vários aspectos foram estatisticamente mais presentes entre os meninos e entre as crianças mais novas. Já a presença de alteração vocal não apresentou associação com nenhum desses dois fatores. A
confiabilidade intra-avaliador foi da ordem de 80%. Discussão. A partir dos achados nota-se que os aspectos mais alterados do comportamento vocal relacionam-se diretamente a abusos vocais cometidos pelas crianças, sendo mais importantes que a presença de doenças. A ocorrência de alteração vocal encontrada neste trabalho mostrou-se bastante elevada quando comparada a outros estudos. Por se tratar de pré-escolares pode-se pensar no fato de terem mais atividades lúdicas e ao ar livre que crianças de outras idades, favorecendo o abuso vocal, o qual se mostrou associado à presença de alteração de voz neste trabalho. Ficou comprovada, assim, a importância do comportamento vocal alterado na ocorrência de disfonia infantil. O protocolo possibilitou a diferenciação de crianças com e sem alteração de voz e apresentou alta sensibilidade, podendo ser utilizado em pesquisas com grandes populações como uma primeira etapa onde não há condições de se avaliar todas as crianças. Os valores obtidos
podem servir como indicadores da presença de alteração vocal, desde que asseguradas as condições de treinamento e tempo para observação pelos educadores. É importante destacar que as notas de corte foram baixas, sugerindo que basta um pouco de abuso vocal para que a criança apresente alteração em sua voz. Um dado muito interessante é que a análise do comportamento vocal das crianças deve ser quantitativa, a partir da ocorrência de cada comportamento vocal e sua relação com as notas de corte, mas também qualitativa, considerando o tipo de abuso vocal praticado por ela. Isso porque neste estudo não foram os aspectos do comportamento vocal com médias mais altas que em sua maioria se mostraram associados à alteração vocal. Outros achados reforçam a importância da análise qualitativa: o grupo estudado apresentou principalmente comportamento vocal “abusivo” e não “muito abusivo” ou “extremamente abusivo” o que seria mais esperado num grupo onde a ocorrência de alteração vocal se mostrou
elevada; observou-se que as crianças do gênero masculino e as crianças mais novas apresentaram comportamento vocal mais abusivo, contudo, não foi observada nestes grupos maior ocorrência de alterações vocais quando comparados aos demais. Conclusões. A análise do comportamento vocal e ocorrência de doenças mostrou-se fundamental no estudo das disfonias infantis podendo ser utilizada, inclusive, como indicadora da presença de alterações vocais junto à população estudada. Os achados dessa pesquisa mostram a importância da valorização da área da voz infantil por parte do fonoaudiólogo inserido em instituições de ensino, não só por sugerirem a utilização do protocolo como uma interessante ferramenta junto a outros grupos, mas por motivarem o desenvolvimento de ações que possam levar a reais modificações em aspectos importantes associados a esta problemática. |
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