ESTUDO DE CASO - DEL |
Amália Rodriques
Apresentador(a) de Caso |
Instituição: LABORATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E SUAS ALTERAÇÕES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO |
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A apresentação desse caso clínico tem como objetivo demonstrar longitudinalmente como ocorreu a aquisição, evolução e reabilitação de alguns aspectos formais da linguagem de um adolescente com Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) após quatorze anos de intervenção fonoaudiológica e audiológica. Dessa forma, pretende-se apresentar e descrever como a linguagem oral e escrita se desenvolveu nesse caso e como esse processo de aquisição ocorreu ora por etapas similares àquelas observadas no desenvolvimento normal ora seguindo caminhos idiossincráticos que levaram a padrões atípicos de linguagem.
Tal discussão possui extrema importância para os fonoaudiólogos que lidam com alterações que ocorrem na infância e que no caso do DEL possui manifestações lingüísticas variadas, não configurando um grupo homogêneo, e cujas dificuldades de linguagem persistem ao longo da vida, acarretando conseqüências sociais, acadêmicas e comportamentais. Além disso, a descrição fonoaudiológica e audiológica poderá demonstrar como o perfil lingüístico desse sujeito se modificou e transitou entre os sistemas de classificação por subgrupo como é proposto pela literatura (Rapin e Allen, 1983; Crespo-Eguílaz e Narbona, 2003).
Num tipo de alteração de linguagem que possui uma incidência de 2 a 7% na população infantil (Rice, 1997; Crespo-Eguílaz e Narbona, 2003), com quadros heterogêneos e um diagnóstico fonoaudiológico baseado principalmente em fatores de exclusão, uma das maiores questões para os fonoaudiólogos seria predizer o prognóstico de sujeitos com DEL na adolescência e na vida adulta, a partir das habilidades observadas na infância, para que se possa garantir o melhor processo de aquisição e reabilitação em linguagem e a inserção dos sujeitos com DEL na sociedade.
O sujeito aqui descrito é do gênero masculino, possui atualmente quinze anos, e foi diagnosticado aos três anos e cinco meses de idade. Desde a época do diagnóstico realiza terapia fonoaudiológica no mesmo serviço e apresentou evoluções significativas, tanto na linguagem oral como escrita e mudanças nos padrões observados em testes comportamentais do Processamento Auditivo.
Aos três anos e cinco meses foi indicado pelo pediatra para o Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Desenvolvimento da Linguagem e suas Alterações do Curso de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo para avaliação e atendimento fonoaudiológico. Não apresentou intercorrências gestacionais, pré, peri ou pós-natais e demonstrou desenvolvimento neuropsicomotor normal. A linguagem oral surgiu, segundo a mãe, aos 11 meses e sempre com muitas trocas de sons e ininteligibilidade de fala.
A avaliação fonoaudiológica foi realizada em situação lúdico-interativa, uma vez que a criança não respondia a nenhum tipo de avaliação formalizada. Demonstrou boa compreensão da linguagem oral em situações contextualizadas, intenção comunicativa utilizando predominantemente vocal, vocabulário reduzido e ausência de produção de sentenças, mesmo sintaticamente simples. O inventário fonético era extremamente reduzido e instável. Não foi possível a avaliação do discurso e da fluência, pois apresentou emissões ininteligíveis, não possíveis de análise. Quanto ao Sistema Sensório Motor Oral apresentou respiração oral; hipotonia e alterações de mobilidade de lábios, língua e bochechas, alteração de postura de repouso de lábios e língua e sialorréia constante.
Aos 9 anos e 7 meses, a avaliação audiológica periférica demonstrou limiares auditivos tonais normais e timpanometria tipo A em ambas as orelhas. No Teste Comportamental apresentou leve alteração do processamento auditivo nos testes PSI (habilidade de figura-fundo auditiva) e teste dicótico não-verbal e dígitos dicóticos. Foi sugerido treinamento auditivo, em cabina audiométrica, das habilidades auditivas alteradas por oito sessões e reavaliação pós – treinamento.
Na avaliação fonoaudiológica realizada aos 15 anos e 7 meses, apresentou grande melhora na discriminação auditiva, com distinção do traço de sonoridade em alguns fonemas fricativos, também para líquida lateral vibrante, para os encontros consonantais e o arquifonema vibrante. Manteve a dificuldade de discriminação nos demais fonemas sonoros (principalmente plosivas) e na líquida lateral palatal. Também demonstrou melhora acentuada em habilidade práxica buco-facial refletindo em um padrão articulatório mais preciso e com possibilidade de imitação de gestos articulatórios que possibilitaram a aquisição de alguns sons antes omitidos ou substituídos. Ainda apresentou em provas formais de nomeação de vocábulos e imitação de palavras e em fala espontânea alguns processos fonológicos com grande ocorrência e que indicavam uma alteração fonológica levemente moderada.
Apresentou bom desempenho em memória fonológica avaliada a partir de repetição de não-palavras dissílabas, trissílabas e polissílabas. Em tarefas de habilidades de consciência fonológica apresentou ótimo desempenho em atividades de rima igual e diferente, aliteração igual e diferente, manipulação e transposição silábica. Na soletração apresentou dificuldades apenas em palavras com fonemas sonoros (fricativas e plosivas) e em sílabas complexas com grupo consonantal e arquifonema vibrante. Além disso, demonstrou piora de desempenho na soletração quanto maior a extensão da palavra. Não conseguia realizar atividades que envolviam segmentação, manipulação e transposição fonêmica.
Na produção de narrativa realizou produções curtas e com menor grau de complexidade sintática; dificuldades na organização global da história e em descrever os eventos em seqüência temporal; pouco uso de elementos coesivos e introdução de informações irrelevantes e maior facilidade em relatar o evento inicial do que a conclusão.
Quanto à leitura e escrita demonstrou compreensão textual razoável com maiores dificuldades com inferências. Na elaboração, demonstrou dificuldades de organização; preferência por escrita de textos descritivos; produção de sentenças incompletas; ausência de marcação de plural em substantivos e erros de concordância verbal. Em relação à tipologia de erros na escrita, observou-se grande melhora quanto aos erros de origem fonológica, já que apresentaram baixa ocorrência em suas produções. Apresentou ainda erros de valorização de pista auditiva, regra e memória ortográfica. Observou-se, também, melhora na velocidade de leitura, porém com dificuldade na leitura de palavras irregulares, especialmente com // e // em posição paroxítona tônica.
Na avaliação audiológica periférica apresentou limiares auditivos tonais normais, exceto na freqüência de 8000Hz na orelha direita, timpanometria tipo A em ambas as orelhas e reflexos acústicos elevados na orelha direita. Nos Testes Comportamentais e Eletrofisiológicos do Processamento Auditivo apresentou resultados normais em memória seqüencial, figura-fundo, fechamento auditivo, atenção dirigida, padrão de duração e nas latências absolutas de ABR. Apresentou alteração no padrão de freqüência (OD = 64% OE = 44%) e efeito de orelha (C4 para OD). Latências normais e aspecto morfológico alterado em P300. Realizou avaliação neurológica clínica e tomografia que apresentaram resultados normais.
Mesmo considerando que a partir de um único caso, não devemos fazer generalizações, podemos discutir a partir da história de evolução e reabilitação aqui descritas que a terapia de linguagem com crianças e, principalmente, adolescentes com DEL deve enfatizar estratégias e técnicas que facilitem a aprendizagem e funcionalidade do indivíduo, tornando-os participantes do seu próprio processo de reabilitação e treinando, assim, suas habilidades pragmáticas, metalingüísticas e metacognitivas. Essa abordagem terapêutica possibilita maiores generalizações ou uso de técnicas aprendidas em situações de comunicação, facilitando sobremaneira as dificuldades sociais as quais esses indivíduos são expostos.
A monitoração constante, a partir de reavaliações sistemáticas e avaliações diferenciadas de linguagem oral e escrita conforme a idade e a evolução do indivíduo são de extrema importância para um planejamento terapêutico que aborde as questões específicas e relevantes para cada dificuldade e fase do distúrbio. Além disso, a fonoaudiologia pode contar com testes e exames, como os Testes Comportamentais e Eletrofisiológicos do Processamento Auditivo que também possibilitam a verificação de padrões de mudanças e evoluções que influenciam diretamente na forma do processamento da informação lingüística pelo sujeito com DEL.
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Contato: amalia@usp.br |
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