PESQUISA QUALITATIVA EM VOZ: DIVERSIDADE TEÓRICA-METODOLÓGICA
Regina Yu Shon Chun
Coordenador(a)
 
SELKER (1994), em investigação sobre o estado das pesquisas no campo da Saúde, abrangendo as áreas de Nutrição, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Fonoaudiologia, aponta a necessidade de se preparar os profissionais de modo efetivo, de modo a ir ao encontro das necessidades de saúde da comunidade e assim, contribuir para que a base científica da prática clínica avance significativamente. O autor assinala a necessidade de iniciar o aluno de graduação em pesquisas científicas, o que teria impacto social na redução de custos do tratamento, no favorecimento da qualidade de vida e em melhorias da tecnologia em saúde. Segundo SELKER (op.cit.), a American Speech and Hearing Association considera que os fonoaudiólogos sentem-se mais confortáveis em realizar pesquisas na área clínica, pois coincide com a área de maior concentração de emprego, o que também é realidade em nosso país. Acrescenta que a ASHA, em 1992, estabeleceu como prioridade à eficácia nas intervenções de alterações de voz, linguagem e audição, o que implica em uma maior demanda de pesquisas no campo clínico. Para SELKER, os fonoaudiólogos assim como os profissionais de saúde das áreas acima mencionadas sentem-se confortáveis em colaborações multidisciplinares e interdisciplinares e que suas contribuições em pesquisas são singulares. Segundo esse autor, as principais barreiras existentes para o pesquisador em Fonoaudiologia, assim como nessas outras áreas de saúde, são: a falta de fundos para a pesquisa, a necessidade de conciliar o trabalho clínico e a docência, falta de troca de informações e do reconhecimento do esforço individual, falta de apoio institucional e a falta de orientadores disponíveis. SELKER (1994) sugere que as agências forneçam maior suporte à área bem como que as instituições acadêmicas favoreçam o aumento da carga horária destinada à pesquisa e orientação. Destaca, ainda, que uma das maiores necessidades para vencer esse desafio está justamente na formação do pesquisador a partir do incentivo ao mestrado, doutorado e pós-doutorado. Não há estudos similares sobre as pesquisas nacionais em Fonoaudiologia. No entanto, pode-se supor que o cenário nacional seja semelhante, o que evidencia a necessidade de aprofundamento da discussão do estado atual das pesquisas, no caso, da área de voz e também, aponta para a necessidade de formação de um contingente maior de pesquisadores/docentes. FERREIRA & OLIVEIRA (2004) organizaram importante levantamento sobre a produção científica da Fonoaudiologia em Voz Profissional, que possibilitam algumas constatações. No prefácio da obra, FERREIRA aponta que o professor é a categoria profissional mais estudada e que os estudos existentes seguiram referenciais teóricos e metodológicos diversos, porém privilegiando-se, em um primeiro momento, questões relacionadas à saúde vocal. Este, ainda, constitui o foco central de um grande número das pesquisas em voz, independentemente da categoria profissional estudada. Como comenta a autora, havia uma primazia de uma abordagem prescritiva sob a denominação tradicional de “higiene vocal”. O expressivo avanço da Fonoaudiologia em Saúde Pública das últimas décadas e o desenvolvimento de estudos em voz sob diferentes óticas têm provocado a revisão de paradigmas e a busca de interface com outras áreas do saber de forma a subsidiar uma prática com foco na Promoção da Saúde, conforme estabelecido nas últimas Conferências Mundiais de Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Porém, poucos são os trabalhos que seguem nessa direção, especialmente na área de voz (CHUN, 2002) . Para FERREIRA (2004, p.vi) seria possível dizer que: “se no início a tendência era culpar o profissional por cometer algum uso ou abuso vocal inadequado, ou mesmo persistir com hábitos tidos como nocivos, aos poucos foi sendo percebido que o meio, não somente físico, mas de inter-relação, também pode interferir nessas questões.” Segundo essa autora, vários trabalhos despontam com a proposta de descrever as condições de produção vocal, investigando aspectos como o ambiente de trabalho, a expressividade vocal e corporal dos diferentes profissionais da voz, além de outros que analisam a experiência prática de cursos e oficinas de saúde vocal. FERREIRA faz a ressalva que a divulgação da grande maioria desses trabalhos encontra-se restrita a anais de Congresso. Nesse contexto, assume grande importância a discussão de pesquisas em voz sob diferentes referenciais teórico-metodológicos, especialmente, aqueles de abordagem qualitativa, ainda poucos difundidos na área de voz. Portanto, serão discutidos, nesta mesa, trabalhos com outros olhares - SERVILHA (2000) e MACHADO (2003). SERVILHA investigou como as variações nas características da voz do professor no processo de interlocução em sala de aula, participam da mediação pedagógica, palco para a elaboração do conhecimento pelo aluno. A abordagem teórica foi respaldada na perspectiva histórico-cultural de Vigotsky e autores contemporâneos, no Dialogismo de Bakhtin, além de literatura específica da Fonoaudiologia para a análise da voz docente. A partir desses referenciais, a autora constituiu um desenho metodológico de inspiração microgenética. Os resultados possibilitam a associação de mudanças nas qualidades vocais dos professores com diferentes objetivos que permeiam as ocorrências em sala de aula, como por exemplo, o estabelecimento de acordos e negociação de sentidos. Além disso, evidenciam a importância de se ampliar o estudo da voz no movimento interativo entre professor e alunos. MACHADO analisou os sentidos atribuídos à voz por mulheres após a menopausa. Período, em que, como esclarece a autora, a carência hormonal, em uma porcentagem significativa da população feminina, “pode provocar perturbações na saúde que exacerbam ou favorecem o afloramento de questões psicossociais”, justificando a relevância do tema. A abordagem teórica seguida assentou-se nas representações sociais, por meio do Discurso do Sujeito Coletivo, com aproximações a Hemenêutica-Dialética. Seus achados permitiram observar as “representações sociais de natureza comunicacional e funcional que salientaram a voz como elemento de constituição da identidade pessoal, concebida na pertinência social”. Mostram a necessidade de reflexão sobre a intervenção terapêutica aplicada sobre uma laringe mais fragilizada, além de priorizar uma proposta de assistência integral à mulher no climatério, com enfoque na saúde vocal. Pesquisas como essas, abrem importante espaço para investigações fundamentadas em referencias teóricos-metodológicos diversos, possibilitando ampliar o foco na dimensão organicista e nas abordagens quantitativas centradas em levantamentos sobre higiene vocal, perspectiva privilegiada nos estudos de voz no cenário nacional. Contribuem ainda para o avanço das pesquisas em voz sob diferentes olhares em prol de uma abordagem integral do sujeito e melhor qualidade de vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CHUN, R.Y.S. Voz Profissional: repensando conceitos e práticas na Promoção da Saúde vocal. In: Ferreira, LP. & Andrada e Silva, MA. de. Saúde Vocal – Práticas Fonoaudiológicas. São Paulo: Roca; 2002 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Promoção da Saúde, Brasília ( DF ), 2001. SELKER, L.G. Clinical Research in Alllied Health. Journal of Allied Health, 23:201-28,1994. MACHADO, M.A.M.P. Os sentidos atribuídos à voz por mulheres após a menopausa.Tese (Doutorado em Saúde Pública). 2003, Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo. SERVILHA, E.A.M. A Voz do Professor: Indicador para Compreensão da Dialogia no Processo Ensino-Aprendizagem. Tese (Doutorado em Ciências - Psicologia), 2000. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.
 
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