PESQUISA QUALITATIVA EM VOZ: DIVERSIDADE TEÓRICA-METODOLÓGICA |
Maria Aparecida M. de P. Machado
Palestrante |
Instituição: UNICENTRO |
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Na Fonoaudiologia o predomínio das pesquisas organicistas, centradas em metodologias positivistas e quantitativas, provavelmente deveu-se à busca de cientificidade, tendo os parâmetros estabelecidos pelas ciências enfatizadas na formação do profissional ou aquelas perante as quais se submetia na tentativa de aprovação e reconhecimento.
A adoção de uma metodologia qualitativa, possibilita a ênfase nas especificidades complexas concedidas pela articulação das margens biológica, social e psíquica de abrangência desse fenômeno. Principalmente quando o interesse é a compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos sobre um determinado tema1.
Nesse sentido, é “a dimensão epistemológica que garante a objetividade da realidade investigada e o esforço metodológico de fidelidade à realidade”2 e sendo reforçada essa noção quando relata que, “se, por um lado, as teorias são construídas por meio da observação do real, por outro, o real, só é conhecido através do emprego de métodos científicos rigorosos”3.
Para exemplificar foi utilizada uma proposta qualitativa de análise sobre o tema voz e menopausa4:o Discurso do Sujeito Coletivo.
Essa abordagem centra-se nos conceitos da Semiótica que alicerçam a Psicologia Social, vertente de onde derivam os pressupostos da Representação Social.
A concepção primordial refere-se à apreensão da realidade que não se dá de forma direta, mas é mediada pela capacidade de evocar imagens e símbolos, de atribuir significados, de criar, inventar, não reproduzindo apenas aquilo que está instituído, apresentando estruturas com duas faces indissociáveis: a figurativa e a simbólica5. Tendo este caráter dinâmico que se reflete na construção da identidade, as representações carregam marcas singulares de grupos sociais, conflitos e contradições, nem sempre articulados coerentemente.
Para capturar as categorias, a metodologia empregada para descrição e análise é a coletivização da expressão do pensamento que conforma o Discurso do Sujeito Coletivo, entidade artificial, cujo objetivo é reconstruir o imaginário social ou coletivo, em que “as formações sociais e as culturas falam através das práticas discursivas das pessoas que compõem estas sociedades e culturas” 6.
Para tanto, foram observados e aplicados os conceitos-base da proposta metodológica: tema, expressões-chave, idéias centrais e ancoragem.
Entende-se por Tema aquilo que diz respeito ao assunto em pauta, sobre o objeto que o depoente fala. No nosso caso, sobre voz e menopausa.
As expressões-chave são pedaços, ou trechos, ou segmentos, contínuos ou descontínuos do discurso do entrevistado, selecionado pelo pesquisador, a partir da idéia do que seja essencial e acessório. É exatamente o quê foi dito e transcrito. Por exemplo: na Questão 1, Entrevista 9 (Q1E9): Achu qui pra mim ta senu um períodu assim muituuu, di muito nervosismu.., queu achu qui não é normal... Fica nervosa assim, as vezes até por nada, então achu qui num ta certu. Achu qui ta, ta senu muitu difícil. Qui as vezi a gente qué é dize qui é algum poblema, mas as veiz é poblema da genti mesmu, né? Eu achu qui é issu...
Idéia Central é a síntese que o investigador realiza daquilo que o entrevistado quis dizer, e portanto, são “abstratas, conceituais, sintéticas, frias e poucas”. Em relação ao exemplo da expressão-chave citada (Q1E9), originaram-se duas idéias centrais:
(1) A menopausa está sendo um período difícil.
(2) Sente muito nervosismo que não acha certo, nem normal.
A Ancoragem é a expressão de uma dada teoria, ideologia, crença religiosa que o autor do discurso professa e que está embutida no seu discurso como se fosse uma afirmação qualquer. Um exemplo: (Q1E4) Agora pra mim eu num,.. eu num senti aqueles calor, aquelas coisa qui nem as mulher falam. Na ancoragem salientada dessa expressão-chave – “A menopausa não é igual ao que todos dizem” - há a particularização daquilo que ela assume como uma generalidade (as mulheres dizem, eu não sinto) a respeito da menopausa. Enquanto, por exemplo, na Q1E6 Ah... a minha dificuldade dela é qui... é qui as mulher ingorda... Ainda bem que eu não preciso repor hormônio... Qui eu precisassse aí ia ficar difícil... Porque daí queu ia ingorda mesmo... trouxe a ancoragem “Todas as mulheres sofrem os sintomas igual a mim” em que é adotada a generalização de um evento particular (eu engordo na menopausa, todas as mulheres engordam também).
O Discurso do Sujeito Coletivo é conceituado6, como “descrição ou representação discursiva do imaginário social”, no qual o pesquisado é “o imaginário social personificado” e o papel do pesquisador em representações sociais é a de “reconstruir este imaginário a partir dos pensamentos expressos pelos indivíduos”.
São utilizados dois instrumentos: o primeiro instrumento - Análise do Discurso 1 - é composto por expressões-chave, idéias centrais e ancoragem, e pode ser visualizado no exemplo logo abaixo, no qual se estrutura a análise e categorizam as idéias centrais e ancoragens.
Assim, após a transcrição dos depoimentos é transferido para o Instrumento de Análise do Discurso 1 (IAD1) as respostas para cada uma das questões, nas caselas “expressões-chave”. Em seguida, utilizando-se de leitura das trancrições e escuta das fitas gravadas, busca-se referências lingüísticas segmentais e supra-segmentais, gramaticais fonética, morfológica e sintática para estabelecer a(s) “idéia(s) central(ais)” e as “ancoragens” que se evidenciam, sendo anotadas nas devidas caselas e categorizadas, segundo os mesmos critérios lingüísticos e gramaticais, por semelhança de sentidos. Exemplo: Q1E6
Instrumento de Análise 1
EXPRESSÕES – CHAVE Questão1Como está sendo a menopausa para você? IDÉIAS CENTRAIS ANCORAGEM
6E Ah, a minha dificuldade dela é qui..., é qui as mulheringorda, né dotora? Ainda bem que eu num preciso repor hormônio, né? Qui eu precisasse aí ia fica difícil, né? Purque daí queu ia ingorda mesmo, né? , e até mi deu remédio i tudo, né? Eu num tomei, não. Aí..., claru nunca eu precisei dissu, né? Nunca tomei anticoncepcional, então agora num vo toma, né? To na menopausa, né? Num precisu toma. Então, dotora, a dificuldade minha é esse negóciu di cria mais é.. seiu, quadril, essas coisa, né? Só minha dificuldade é essa, purque eu perdi toda minha ropa. Então a dificuldade é essa.... (1) Engordou, criou seio, quadril. E (2) Apesar de difícil, acha bom não ter que repor hormônios para não engordar mais, pois perdeu todas as roupas. Fez todos os exames, estava tudo bem e acha que como nunca precisou tomar anticoncepcional também não precisará de hormônios agora (na menopausa) B Todas as mulheres sofrem os sintomas igual a mim.B
No segundo instrumento - Análise do Discurso 2 - as expressões-chave estão categorizadas, formando grupos que foram denominados segundo as idéias centrais e as ancoragens.
A categorização possibilitou uma denominação para cada grupo, sendo sintetizada por uma frase, constituindo uma categoria empírica. Exemplo: A letra “B” da Idéia Central da Q1E6 acima, foi denominada, junto às demais com o mesmo sentido, como: “A menopausa é um período difícil de ser enfrentado”.
Cada frase tornou-se representativa das “expressões-chave” de mesmo sentido no Instrumento de Análise do Discurso2 (IAD2). Um exemplo pode ser analisado abaixo, na Q2:
Instrumento de Análise 2
E= Experiência profissional com o assunto
EXPRESSÕES - CHAVE DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
(1) Quanu tava... um ano atrás eu fazia parte do coral... Então a gente... fazia ensaio, é... a minha... professora disse que gostava da minha voz, apesar qui eu dizia que não, mas, eu gostava de cantar, ia lá e ensaiava dipois a genti... é... cantava, apesar qui vai cantar prá Jesus... Cantora não... No coral assim não dá pra vê a voz direto... (5) Eu traba...eu também faço muito... física (exercícios), massagi na garganta. Num sei si issu ajuda também.... purque te ajuda abri.., canais, não dexa tranca a voz, achu que muda purque eu fico cuidando tamem... alimentação.... não que tivesse que eu faze, mas eu sei qué bom, então a genti obedeci. Há um ano atrás eu fazia parte do coral. Havia ensaios e a professora gostava da minha voz. Não que eu fosse cantora porque em um coral não dá para ouvir a voz individual. Eu faço exercícios e massagem na garganta para não trancar a voz e cuido da alimentação porque eu sei que é bom e obedeço.
A ordenação em uma seqüência lógica para a conformação do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) seguiu um esquema clássico de estruturação das narrativas, utilizando todo o material das expressões-chave: começo, meio e fim, atuando sobre o mais geral para o mais particularizado. A ligação entre as partes do discurso ou parágrafos foi realizada introduzindo-se conectivos como: assim, então, logo, enfim, entre outros. Foram eliminados os particularismos de idade, parentescos, eventos, doenças, como parte do processo denominado desparticularização6. Igualmente, foram eliminadas as repetições de idéias, porém não aquelas expressas de modos ou com palavras ou expressões distintas, ainda que semelhantes, sobre o mesmo sentido.
A partir daí, as referências, parâmetros e os fundamentos das Representações Sociais, os discursos conformados são analisados por meio de uma semântica relacional elementar para cada categoria empírica criada.
A expectativa, em relação à metodologia aplicada, foi cumprida, sendo que, os elementos qualitativos analisados, concederam a apreensão do significado dos núcleos ou matrizes discursivas das Representações Sociais, resgatando, portanto, “o discurso como signo de conhecimentos dos próprios discursos”6.
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