ESTUDO DE CASO – TRANSTORNO FONOLÓGICO |
Adriana Limongeli Gurgueira
Apresentador(a) de Caso |
Instituição: CURSO DE FONOAUDIOLOGIA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO E USP - SP |
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O transtorno fonológico é caracterizado pela produção inadequada dos sons da fala. Esta alteração pode estar relacionada de modo freqüente aos seguintes aspectos: uso impróprio das regras fonológicas da língua, dificuldades na articulação dos sons e/ou de percepção dos sons.
Esse distúrbio vem sendo cada vez mais estudado entre as patologias de manifestação primária e, com os avanços do processo de avaliação, seu diagnóstico tem sido realizado mais precocemente. Para que a intervenção seja eficiente, o diagnóstico deve ser preciso, e o terapeuta deve lançar mão de todos os recursos necessários para que isso ocorra.
Atualmente, testes cada vez mais objetivos estão sendo utilizados na avaliação fonoaudiológica, porém, eles devem ser analisados em conjunto para que seus resultados se complementem havendo maior acertividade no diagnóstico e, conseqüentemente, um planejamento terapêutico mais adequado. O fonoaudiólogo deve investigar as regras fonológicas que a criança apresenta além de verificar o que ela precisa aprender para se tornar um falante eficiente da língua. Essa investigação deve levar o clínico a realizar uma caracterização do repertório fonológico da criança envolvendo a obtenção de amostra representativa de fala, determinando a estimulabilidade e a inteligibilidade, pontuando os erros e acertos e organizando essa amostra de fala.
Em muitos casos pode-se observar, associado ao transtorno fonológico, um distúrbio de leitura e escrita, levando o terapeuta a assumir as mais variadas formas de intervenção. E qual seria então, a melhor forma de intervenção? Qual modelo mais adequado? Essa associação modificaria a ordem de escolha dos processos fonológicos a serem trabalhados na fala? Que outros fatores deveriam ser estimulados para que o paciente possa usar com eficiência os códigos oral e escrito?
Pensando nesta associação e nos diferentes modelos de intervenção, o caso apresentado para discussão é de uma criança do gênero feminino de 6 anos e 9 meses (K.C.A.), avaliada no ano de 2004, cursando a primeira série do ensino fundamental em escola pública, com a seguinte queixa: “Ela troca o começo das palavras” (sic mãe).
A criança realizou avaliação fonoaudiológica no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em agosto de 2004. Para obtenção do diagnóstico foram aplicadas as provas do Teste de Avaliação da Linguagem Infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática (ABFW-2004), provas de percepção auditiva, consciência fonológica (análise e síntese auditivas, memória seqüencial e teste de sensibilidade fonológica – TSF-A, adaptado por Herrero 2001), CTOPP Comprehensive Test of Phonological Processing (Wagner et al., 1999 - adaptado por Rosal, 2001), LAC – Lindamood Auditory Conceptualization Test (Lindamood & Lindamood, 1979 – adaptado por Rosal, 2001), ditado de palavras e pseudopalavras (Pinheiro, 1999), leitura de texto, elaboração de discurso a partir de estimulo visual e avaliação do sistema sensório motor oral. Além disso, foram realizados a avaliação audiológica completa e os testes de processamento auditivo.
A criança apresentou nas provas de nomeação e imitação do ABFW (Wertzner, 2004) os processos de simplificação do encontro consonantal e simplificação de líquidas de forma produtiva, e ensurdecimento de plosivas e fricativas de forma não produtiva. Na análise da fala espontânea, foram observados ainda os processos de frontalização de velar e simplificação da consoante final. Para esta análise, foram considerados apenas os substantivos, emitidos na elaboração de história a partir de estímulo visual. Na prova de vocabulário, K. apresentou desempenho abaixo do esperado em alguns campos semânticos. A prova de fluência não pode ser analisada, pois o discurso da criança apresentou número reduzido de sílabas. A criança se recusou a fazer a pragmática.
Quanto ao TSF-A, teste que avalia a capacidade na percepção de rima e aliteração igual e diferente com e sem apoio de figuras, a criança apresentou desempenho abaixo do esperado na percepção de rima igual. O teste de processamento fonológico (CTOPP) que tem por objetivo avaliar a consciência fonológica, a memória fonológica e a nomeação rápida é composto por três sub-testes: nomeação rápida, segmentação fonêmica de palavras e pseudopalavras e segmentação em letras de palavras e pseudopalavras. K, realizou apenas as provas de nomeação rápida e segmentação em letras, apresentando desempenho abaixo do esperado para o nível de escolaridade; a segmentação fonêmica não pode ser realizada, pois a criança não compreendeu a ordem. Em relação ao LAC, teste que mede a compreensão dos sons da fala, a criança apresentou dificuldades relacionadas às habilidades de discriminação e seqüencialização dos sons e na compreensão dos mesmos – manipulação fonêmica. A leitura mostrou-se silabada, com processos fonológicos apresentados na fala e sem compreensão. No ditado de palavras e pseudopalavras foram observados erros de sonorização, apoio na oralidade, trocas ortográficas entre outros. Na avaliação do sistema sensório motor oral, verificou-se alteração no tônus de lábios e língua, na mobilidade de língua e respiração mista.
Os limiares auditivos encontravam-se dentro da normalidade e no teste de processamento, seu desempenho foi abaixo do esperado nas habilidades de figura-fundo para sons lingüísticos, fechamento auditivo e memória sequencial para sons verbais.
A partir desses resultados e correlacionando-se as provas aplicadas, pode-se perceber que as dificuldades apresentadas pela criança estão diretamente relacionadas à aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico, no que diz respeito à percepção, à organização da regra fonológica e à produção. Isto pode ser verificado nos resultados não só das provas formais de fonologia, mas também na análise da elaboração do discurso e da fluência, onde seu desempenho não foi adequado. Além dessas provas, os testes de processamento auditivo também corroboram a hipótese acima, uma vez que as habilidades alteradas nesses testes são importantes na percepção dos sons da fala. Pode-se supor ainda que todas essas dificuldades já estejam influenciando o aprendizado da linguagem escrita, como pode ser observado por meio do desempenho apresentado nas provas de leitura e escrita bem como nos testes de consciência fonológica.
Assim, diante dos achados da avaliação, propõe-se uma discussão em torno de modelos de intervenção para o tipo de caso apresentado, na tentativa de nortear o trabalho fonoaudiológico. Espera-se que por meio desta discussão, o clínico possa planejar melhor sua intervenção, propiciando ao paciente, uma maior efetividade tanto na comunicação oral quanto na escrita e possa ainda reduzir o tempo de tratamento.
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Contato: dricalim@usp.br |
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