PRECEITOS, CONSEQÜÊNCIAS E SUGESTÕES NO ENTENDIMENTO DA EXPRESSIVIDADE ORAL |
Izabel Viola
Apresentador(a) de Caso |
Instituição: INSTITUIÇÃO: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO |
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Durante a conversação três tipos de informações transitam entre os interlocutores (Laver, 1994). As informações indexicais (do tipo índice, segundo a classificação semiótica de Pierce) acompanham o significado direto da expressão falada (informação semântica) e revelam as características pessoais do falante (sexo, idade, condições físicas e estado de saúde), as marcas sociais (afiliação regional, nível educacional, ocupação e papel social) e as marcas psicológicas (personalidade, estado afetivo e humor). Os participantes usam ainda as informações regulativas do canal visual (movimentos de cabeça e contato de olho) e da própria fala (entoação e sincronismo) para controlar a interação.
Essas informações atendem as necessidades expressivas do locutor. A palavra “expressão” carrega os sentidos de apertar com força (espremer) e o significado de reproduzir (representar, retratar, exprimir, dizer, expor e enunciar claramente). Dessa forma, a definição de Fónagy (1983), quando diz que a expressão é ex-pressão ou eliminação de tudo o que cria tensão é muito pertinente. Do ponto de vista do falante, o objetivo da expressão é eliminar as tensões internas (natureza sintomática) e neste processo, reproduzir tais tensões em comportamentos (natureza simbólica), que se manifestam por meio de signos visuais, auditivos e táteis.
As gestualidades oral e corporal são integradas não só em movimentos evidentes (como os da face, das mãos, cabeça e do restante do corpo), mas também em posturas e movimentos mais sutis da glote e dos articuladores. Um gesto reforça o outro. A incompatibilidade ou a não simultaneidade entre os gestos ou entre os gestos e o sentido do discurso revelam e reproduzem o conflito do falante. Por exemplo, o pregador que eleva a cabeça e olha ao redor durante a fala emocionada de uma oração; um acusado que mantém esboçado um sorriso no rosto; um orador com gama entoacional restrita que se movimenta demais no espaço, ou ainda, um orador de voz áspera numa situação de fala educacional.
A gestualidade oral alia-se a natureza motivada dos fonemas e as modificações prosódicas para compor o simbolismo da expressividade oral. É a simbolização acústica de fenômenos não acústicos, como ocorre quando determinados segmentos (vogais e consoantes) e suprassegmentos (padrões de entoação, qualidade de voz, variações de duração, loudness e continuidade) são escolhidos para representar propriedades dos objetos (tamanho, cor, espessura, peso, textura, etc), sexo (como vogais masculinas e femininas), atitudes (carinho, erotismo) e emoções.
Nessa área um vasto campo de pesquisa abre-se e nos dá base para entender a miúde a construção da expressividade. A interpretação semântica da palavra por fenômenos acústicos é um dos pilares. Citando alguns exemplos: o alongamento vocálico em palavras como “longe”, “enorme” e “lindo”; o uso de uma voz suave e aguda na palavra “meigo”; o uso de voz grave e curva entoacional plana na frase “noite lúgubre e medonha” ou a realização de ataque vocal brusco ou bloqueio no /t/ na palavra “entalar”. Contudo, sentido similar também pode ser atribuído pelo uso desses recursos acústicos (alongamento, qualidade de voz, entoação e tensão articulatória) em palavras e frases onde a informação semântica não esteja explicitada. Exemplo mais óbvio destes casos é a ironia.
Deste ponto de vista, não se deve atribuir ao termo “expressividade” somente as qualidades de alegria, confiança, dinamismo, credibilidade e/ou naturalidade. Esses ressaltam somente um aspecto da fala expressiva, o aspecto positivo, em detrimento da transmissão de emoções e atitudes de natureza negativa.
Particularizando o vínculo entre fala e voz, não é possível pensar em uma sem pensar na outra. A dissociação só se justificaria se as características fonéticas dos sons pudessem ser determinadas sem ser a partir da sincronização entre o gesto glotal e os articuladores. Pode-se entender que os termos “expressividade da fala” e “expressividade da voz” são usados não porque se pense em fala dissociada da voz, mas em decorrência de maior ênfase, em alguns aspectos prosódicos (acentuais, entoacionais, ritmo, taxa de elocução e pausas) ou em qualidade de voz. Defendo a adoção do termo expressividade oral, por não carregar uma ou outra acepção (fala-voz), mas por se referir “ao som que sai da boca” (etimologicamente do radical latino os, oris ”boca”). Em outras palavras, ao som composto por uma gama de freqüência de vibração (harmônicos e ruídos), que se realiza em espaços de tempo, que é moldado articulatoriamente, que se projeta com determinada intensidade em direção ao espaço e que se realiza no ouvido do outro, com as propriedades acústicas integrando as palavras.
Deve ser considerado nas ações fonoaudiólogicas o conceito de gênero do discurso primário (familiar e cotidiano) e secundário (retórico, cientifico, literário, ideológico, etc) (Bakthtin,1997). Na Fonoaudiologia, o gênero foi não explicitado dessa forma, mas foi referido como linguagem coloquial e profissional e, posteriormente também, como variações estilísticas em diferentes tarefas de fala (Viola, 2003), ou seja, variações de fala em diferentes gêneros. Como os gêneros são enunciados relativamente estáveis do ponto de vista temático, composicional e estilístico são esperadas variações na expressão oral intra-sujeito na mudança de gênero, como já conhecemos. Agora o desafio tem sido estudar as variações estilísticas de um individuo em textos de um mesmo gênero e as variações estilísticas de um gênero intersujeitos. Portanto, o uso do conceito bakthiniano nos ajuda entender as diferentes áreas de pesquisa e atuação.
Não se deve enveredar por caminhos de treinamento da expressividade oral, onde haja dissociação da expressão, do sentido e da situação de comunicação, em busca de normas e padrões, como os descritos e preconizados coletivamente nos treinamentos de oratória. Esses focam as situações de comunicação e as ações do orador, como se todos oradores se expressassem da mesma forma e fossem beneficiados pelas mesmas regras e normas.
Tanto na pesquisa como na atuação em assessoria ou clinica fonoaudiológica, as ações do fonoaudiólogo com a expressividade devem instrumentalizar e proporcionar situações de autoconhecimento.
Referências Bibliográficas
Bakhtin MM. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
Fónagy I. La vive voix. Paris: Payot; 1983.
Laver J. Principles of phonetics. Cambridge: Cambridge University Press; 1994.
Viola IC. Estilos de fala em diferentes usos profissionais. In: XI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2003; Ceará. Anais. São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia; 2003.
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Contato: izabelviola@uol.com.br |
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