Código: PDL1161
LINGUAGEM E JOGO SIMBÓLICO EM CRIANÇAS NORMAIS E DO ESPECTRO AUTÍSTICO |
|
Autores: Silvia Leticia Ribeiro, Profa. Dra. Fernanda Dreux Miranda Fernandes |
Instituição: FFLCH - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO |
|
Os estudos na área dos distúrbios psiquiátricos da infância ressaltam a importância da avaliação de linguagem junto a esta população, já que a manifestação é considerada característica fundamental para a atribuição de diagnósticos como, por exemplo, aqueles incluídos no espectro autístico. Desta forma, como mencionado por Fernandes (1995), se a linguagem não pode se desenvolver separadamente dos aspectos orgânicos, emocionais, cognitivos e sociais e se ela só tem significado em relação ao contexto em que se manifesta, qualquer investigação ou intervenção terapêutica de linguagem necessita considerar estes elementos. Portanto, torna-se fundamental o estudo das alterações de linguagem das crianças com diagnóstico incluído no espectro autístico em suas características mais evidentes: as dificuldades de interação e dos aspectos relacionados à simbolização, subjacentes ao desenvolvimento cognitivo. Nesta linha, a perspectiva pragmática, ao considerar a linguagem de maneira abrangente, propõe a existência de interfaces entre os aspectos cognitivos e sociais subjacentes a ela e o estudo da linguagem inserida no contexto. Considerando, então, a existência de uma interface entre linguagem, socialização e cognição esta pesquisa teve como objetivo investigar o processo de desenvolvimento da linguagem, considerando seu valor social – o uso funcional da linguagem, e o desenvolvimento do simbolismo, tanto em crianças normais quanto em crianças autistas, já que estas últimas apresentam como característica principal as dificuldades de interação social. Foram sujeitos desta pesquisa 80 crianças divididas em dois grupos: Grupo I, composto por 60 crianças normais com idades variando de 6 meses a 6 anos e 0 meses, separadas em 12 grupos compostos por 5 crianças cada um, de acordo com sua faixa etária, com intervalo de 6 meses, alunos de uma escola de educação infantil situada na zona norte de São Paulo e Grupo II, composto por 20 crianças com diagnóstico incluído no espectro autístico com idades variando de 3 anos e 10 meses a 10 anos e 1 mês, também separadas em 2 subgrupos, compostos por 10 crianças cada um, cujo critério foi a presença ou ausência de comunicação verbal, pacientes do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios Psiquiátricos da Infância do Curso de Fonoaudiologia da USP. Para a coleta de dados foram utilizadas filmadoras e fitas VHS. A primeira coleta foi para a avaliação do Jogo Simbólico onde foram utilizados três conjuntos de brinquedos, Conjunto A, Conjunto B e Conjunto C, compostos por brinquedos convencionais, brinquedos convencionais/sucata, e sucata, respectivamente como proposto por Libby et al. (1998). A segunda coleta foi realizada para o Levantamento do Perfil Funcional da Comunicação, utilizando os brinquedos que compunham o Conjunto A e metodologia proposta por Fernandes (2000). Os dados obtidos através da avaliação do Jogo Simbólico foram transcritos em protocolos específicos de registro e foram analisados de acordo com os comportamentos de jogo (Exploratório, Sensório-motor, Relacional, Funcional e Simbólico) e comportamentos de não-jogo (sem atenção aos objetos, atento aos objetos sem agir sobre eles, comportamento não relacionado, nomeação, dando/mostrando ao adulto e atento para terminar a sessão) como proposto por Leslie(1987); Lewis, Boucher e Astell (1992); Libby e colaboradores (1998); Ungerer e Sigman (1981). Já, os dados referentes ao perfil funcional da comunicação foram transcritos em protocolos de registro e analisados usando os critérios propostos por Fernandes (2000) quanto ás funções comunicativas, meios comunicativos e atos comunicativos. Os resultados apontaram a existência de relações entre o processo de desenvolvimento normal da habilidade de simbolização e da funcionalidade da comunicação em crianças com diagnóstico incluído dentro do espectro autístico, verbais e não-verbais, já que foi possível observar que as relações existentes entre o processo de desenvolvimento da simbolização e a funcionalidade da comunicação em crianças autistas ocorrem de maneira diferente das relações observadas no grupo de crianças normais. Em relação ao Grupo I foi possível observar a existência de relações entre o processo de desenvolvimento normal da habilidade de simbolização e da funcionalidade da comunicação nos períodos pré-verbal e verbal, em crianças normais, pois as crianças desde a faixa etária de 6 meses apresentaram comportamentos de não-jogo que podemos considerar como sendo indicativos do início da comunicação intencional, além do uso da comunicação pré-verbal com intenção comunicativa, ou seja, o uso do meio comunicativo gestual, passando para o vocal e, com o avanço da idade, o uso do meio comunicativo verbal. Em relação às crianças autistas, outro dado importante que pode ser observado, foi que elas permaneceram a maior parte do tempo em movimentos repetitivos, ao analisarmos as habilidades de não-jogo, mas também foram capazes de produzir jogos simbólicos como os funcionais com objetos convencionais, funcionais com sucata e simbólicos com objetos substitutos gestuais, ao analisarmos as habilidades de jogo. Além disso, os resultados referentes ao Grupo de crianças autistas demonstraram uma diversidade de desempenhos intra-grupo ao compararmos o desempenho apresentado pelas crianças autistas verbais com o apresentado pelas crianças autistas não-verbais, pois as relações que puderam ser estabelecidas entre jogo simbólico e uso funcional da comunicação estiveram concentradas nas habilidades de Jogo no grupo de crianças autistas não-verbais. Este dado pode indicar que nas crianças com diagnóstico pertencente ao espectro autístico as relações entre linguagem e simbolização não ocorrem na mesma proporção. Em relação ao uso funcional da comunicação, o presente estudo também observou que as crianças autistas fazem pouco uso das funções interativas quando comparadas com as crianças do Grupo I, indicando, mais uma vez, que as crianças autistas apesar de expressarem comunicação não o fazem com o intuito de estabelecer relações sociais com o outro, como já mencionado na literatura da área. Além disso, o presente estudo também encontrou que o comportamento comunicativo apresentado pelo Grupo II difere do apresentado pelo Grupo I. Assim, se partirmos do pressuposto de que as relações entre linguagem, cognição e socialização são fundamentais para o desenvolvimento da comunicação, mais uma vez fica claro que as dificuldades de comunicação observadas nas crianças autistas não estão apenas relacionadas ao processo de aquisição, mas sim com a funcionalidade comunicação e aspectos subjacentes à ela: cognição e socialização, já que os déficits de socialização presentes nestas crianças estabelecem relações com o desenvolvimento e aquisição do jogo simbólico. Desta forma, a presente pesquisa deixa clara a heterogeneidade de desempenhos apresentada pelas crianças autistas e, se partirmos do pressuposto de que as relações entre linguagem, cognição e socialização são fundamentais para o desenvolvimento da comunicação, mais uma vez fica claro que as dificuldades de comunicação observadas nas crianças autistas não estão apenas relacionadas ao processo de aquisição, mas sim com a funcionalidade da comunicação e aspectos subjacentes a ela: cognição e socialização, já que os déficits de socialização presentes nestas crianças estabelecem relações com o desenvolvimento e aquisição do jogo simbólico. |
|
AMATO, C.A.H. Estudo Comparativo dos Processos de Aquisição da Linguagem Não Verbal em crianças Pré-Verbais Autistas e Normais. São Paulo, Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2000.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-IV), São Paulo, Manole, 1994.
BARRETT,S.;PRIOR,M.;MANJIVIONA,J., Children on the borderlands of autism, Autism-SAGE Publications and The National Autism Society, v.8,n.1,p.61-87,2004.
BATES, E. Language and Context: The acquisition of pragmatics. New York Academic Press, 1976.
BATES,E. The Emergence of Symbols, New York: Academic Press, 1979.
BATES,E.; THAL,D.; FENSON,L; WHITESELL,K.; OAKES,L., Integrating language and gesture in infancy, Developmental Psychology,v.25,n.6,p.1004-1019,1989.
BARON-COHEN S.; LESLIE, A.M.; FRITH, U., Does the autistic child have a “theory of mind”?. Cognition, v.21,p. 37-46,1985.
BARTAK, L.; RUTTER, M.; Cox, A, A Comparative Study of Infantile Autism and Specific Developmental Receptive Language Disorder, British Journal of Psychiatry, p. 126-145, 1975.
BEFI-LOPES, D.M., TAKIUCHI,N., ARAUJO,K., Avaliação da maturidade simbólica nas alterações do desenvolvimento da linguagem, Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia, n.3,p.6-15,2000.
BERNARD- OPTIZ, V. Pragmatic Analysis of the Communicative Behavior of an Autistic Child. Journal of Speech and Hearing Disorders, v.47, p.99-109. 1982.
CARPENTER,M;PENNINGTON,B.F.;ROGERS,S.J. Interrrelations among social-cognitive skills in young children with autism, Journal of Autism ad Developmental Disorders, v.32, n2, p.91-106, April,2002.
CHARMAN,T.;SWETTENHAM,J.;BARON-COHEN,S.;COX,A.;BAIRD,G.;DREW,A. Infants with autism: an investigation of empathy, pretend play, joint attention, and imitation, Developmental Psychology, v.33,n,5,p.781-789, September 1997.
CHIAROTTINO,Z.R. O lugar da linguagem no processo de cognição-aspectos, lógicos, biológicos e sociais. IN: Psicologia e Epistemiologia Genética de Jean Piaget, São Paulo,EPU, 1988, cap.5.
CLARK, E.V. Conceptual perspective and lexical choice in aquisition, Cognition, v.21, n.4,1997.
FERNANDES, F.D.M A questão da linguagem em autismo infantil: uma revisão crítica da literatura, Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência, v.2,p. 05:10, 1994.
FERNANDES, F.D.M Aspectos Funcionais da Comunicação de Crianças com Síndrome Autística. São Paulo, Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1995.
FERNANDES, F.D.M. Autismo Infantil – Repensando o Enfoque Fonoaudiológico, São Paulo, Lovise, 1996.
FERNANDES, F.D.M; Pragmática, IN: Andrade, C.R.F e col., ABFW-Teste de Linguagem Infantil nas Áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. Pró-Fono, Carapicuiba, 2000, cap 4.
FERNANDES, F.D.M Atuação Fonoaudiológica com Crianças com Transtornos de Espectro Autístico. Tese de Livre Docente, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
FERNANDES, F.D.M.,Distúrbios da linguagem em autismo infantil, IN: LIMONGI,S.C.O., Fonoaudiologia: Informação para Formação - Linguagem: Desenvolvimento Normal, Alterações e Distúrbios, São Paulo, Guanabara-Koogan, 2003, p.65-86.
HERMELIN,B.; FRITH,U. Psychological studies of childhood autism – Can autistic children make sense of what they see and hear?, Focus on Autistic Behavior, v.6, n.1,6-13,1991.
JARROLD,C.; BOUCHER,J.; SMITH, P., Symbolic Play in Autism: A review. Journal of Autism and Developmental Disorders , v..23,n.02, 281-307, 1993.
KENT, R.D. (ed.), The MIT Encyclopedia of Communication Disorders. Massachusetts Institute of Technology, Part III: Language, USA, p. 372-375, 2004.
LESLIE,A.M. Pretense and representation: The origins of “theory of mind”. Psychological Review, v.94,p.412-426,1987.
LEWIS, V.; BOUCHER, J.; ASTELL,A. The assessment of symbolic play in young children: A prototypical test. European Journal of Disorders of Communication, v.27, p.231-245, 1992.
LIBBY, S.; POWELL, S; MESSER,D.; JORDAN,R. Imitation and pretend play acts by children with autism and down syndrome. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.27, n. 4, p. 365-383, 1997.
LIBBY, S.; POWELL, S; MESSER,D.; JORDAN,R. Spontaneous play in children with autism: A reappraisal. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.28, n. 6, p.487-497,1998.
LIMONGI,S.C.O.Da Ação à Comunicação: Um Processo de Aprendizagem, Revista de Psicopedagogia, v.15, n.56, 1996.
LIMONGI,S.C.O. Paralisia Cerebral: Linguagem e Cognição. Pró-Fono Departamento Editorial, Carapicuiba, 1995.
LOVELAND, K. A.;LANDRY, S. H., Joint Attention and Language in Autism and Developmental Language Delay. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.16,n.3,p. 335-349, 1986.
MARKMAN, E.M. Constraints on word meaning in early language acquisition, Lingua, v. 92, p.199-227, 1994.
MAXWELL, L.D.;SATAKE, E., Research and Statistical Methods in Communication Disorders, ed. William & Wilkins, EUA, 1997.
MUNDY, P.; SIGMAN,M.; UNGERER,J.; SHERMAN,T. Nonverbal communication and play correlates of language development in autistic children. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.17, n. 3, p.349-364, 1987.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10 – Critérios Diagnósticos para Pesquisa, trad. Maria Lúcia Domingues, Porto Alegre, Artes Médicas, 1998.
PARISSE,C. Cognition and language acquisition in normal and autistic children. Journal of Neurolinguistics, v.12, p.247-269, 1999.
PRINZ,P. Development of pragmatics: Multiword level, In: IWIN,J. Pragmatics: the role in Language Development, La verne: Fox PrintPubli.Ltda, 1982, cap.4, p.49-81.
PRIZANT, B; WETHERBY,A. Toward integrated view of early language and communication development and socioemotional development, Topics in Language Disorders, v.10,n.4,p.1-16, 1990.
PRUTTING,C. Infans – (one) unable to speak, IN: Pragmatics: The Role in Language Development, John Irwin, Fox point public, La Verne, 1982.
RESCORLA,L.;GOOSSENS,M. Symbolic play development in toddlers with expressive specific language impairment (SLI-E), Journal of Speech and Hearing Research, v.35, p.1290-1302,1992.
ROSNER,B. Fundaments of Biostatistics, 2nd edition, Duxburry Press, Boston, 1986.
RUTTER, M. Cognitive Deficits in the Pathogenesis of Autism. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v.24,n.4,p. 513-531, 1983.
SCHEUER,C.I.; Distúrbios Cognitivos IN: FERNANDES, PASTORELLO & SCHEUER (orgs.) A Fonoaudiologia em Distúrbios Psiquiátricos da Infância, Lovise, p.61-67, 1996.
STONE,W.L.;CARO-MARTINEZ,L.M. Naturalistic Observations of Spontaneous Communication in Autistic Children. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.4,n16,p.515-517, 1986.
TAGER-FLUSBERG,E. Current theory and research on language and communication in autism, Journal Of Autism and Developmental Disorders, v.2,n.26,p.169-172, 1996.
THAL,D.J., Language and cognition in normal and late-talking toddlers, Topics in Language Desorders, v.4,n.11,p.33-42,1991.
THAL,D.J; BATES, E. language and gesture in late talkers. Journal of Speech and Hearing Research, v.31, p. 115-123, 1988.
TILTON,J.; OTTINGER,D., Comparison of the toy play behaviour of autistic, retarded, and normal cjhildren, Psychological Reports, v.15, p.967-975, 1984.
TOMASELLO,M., STRIANO,T., ROCHAT,P. Do young children use objects as symbols?, British Journal of Developmental Psychology, v.17,p.563-584,1999.
UNGERER,J.A.;SIGMAN,M. Symbolic play and language comprehension in autistic children. Journal of the American Academy of Child Psychiatry, v.20, p.318-337,1981.
WETHERBY, A.M. Ontogeny of communicative functions in autism, Journal of Autism and Development Desorders, v.16, p.295-316, 1986.
WETHERBY,A.M.;CAIN,D.H.;YONCLAS,D.G.;WALKER,V.G.; Analysis of intentional communication of normal children from prelinguistic to the multiword stage, Journal of Speech and Hearing Research, v.31,p.240-252, 1988.
WETHERBY,A.; PRUTTING, C. Profiles of communicative and cognitive-social abilities in autistic children. Journal of Speech and Hearing Reserch,v.27, p.364-377, 1984.
WETHERBY,A.;GAINES,B.H. Cognition and language development in autism. Journal of Speech and Hearing Reserch, v.27,p.363-374,1982.
WILLIAMS,E.; REDDY, V.;COSTALL, A. Taking a closer look at functional play in children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.31, n. 1, 67-77, 2001.
WULFF, S.B., The symbolic and object play of children with autism: A review. Journal of Autism and Developmental Disorders, v.15, n. 2,p. 139-149, 1985. |
|
Contato: fgasilvia@hotmail.com |
|

Imprimir Trabalho |

Imprimir Certificado Colorido |

Imprimir Certificado em Preto e Branco |
|