GAGUEIRA - DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO |
Ana Maria Schiefer
Apresentador(a) de Caso |
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O objetivo desta apresentação é promover, neste fórum, a discussão dos achados fonoaudiológicos, por especialistas na área da fluência, em um caso com avaliação e diagnóstico de gagueira.
A gagueira é diagnosticada geralmente na primeira infância, principalmente no período em que as crianças estão em pleno desenvolvimento da fala e da linguagem. É uma desordem muito complexa, no qual as disfluências são seus aspectos mais importantes. Entretanto, sabemos que inúmeros outros aspectos participam da sua construção.
A causa da gagueira ainda é desconhecida porem discute-se que seja decorrente de uma interação entre fatores constitucionais, desenvolvimentais e orgânicos.
É de senso comum, entre os profissionais que tratam das desordens da fluência, que a avaliação e o diagnóstico de gagueira não é uma tarefa de fácil realização. Parte dessa dificuldade, muito provavelmente decorre da falta de medidas mais objetivas da fala disfluente, de fácil aplicação clínica, e dos critérios que separam, de modo mais claro, falantes fluentes de disfluentes. Não existe um teste específico para detecção da gagueira.
A avaliação da fluência /disfluência é fundamental para o diagnóstico de gagueira.A quantidade de rupturas, ou seja, de disfluências na fala é o que pode levar o clínico a diferenciar a disfluência normal da patológica.
A avaliação da fluência e/ou diagnóstico de gagueira é um processo de investigação dos fatores de risco, de observação do comportamento, e do julgamento de todos os dados coletados, que possibilita reduzir a probabilidade de erro.
Vale ressaltar que, além da análise de fala mais criteriosa, é necessário identificar os fatores de risco que predispõe o individuo desenvolver gagueira, em graus de severidade variados.
Em outras palavras, alem da descrição dos comportamentos de fala e de não fala comuns à gagueira dentro de uma estrutura de avaliação fonoaudiológica, outros aspectos devem ser considerados para o diagnóstico de um indivíduo que manifeste gagueira: historia desenvolvimental, de fala e linguagem, fatores ambientais, emocionais considerando a sua natureza complexa e muldimensional.
Para possibilitar uma reflexão sobre o tema gagueira selecionei um paciente do sexo masculino, de 9 anos e 5 meses de idade, atendido em ambulatório publico por apresentar queixa primária de gagueira. A relevância deste caso clinico é a presença de comorbidades que necessitam de avaliações fonoaudiológicas especificas. Na historia clinica verificou-se que a criança não apresentou intercorrências na gestação e parto e teve desenvolvimento neuropsicomotor adequado. No que se refere ao desenvolvimento da linguagem, as primeiras palavras ocorreram com atraso, ao redor dos dois anos, e o vocabulário aumentou quando começou a freqüentar a escola aos três anos de idade. Nessa época, apresentava disfluências e trocas de sons que tornavam sua fala quase ininteligível. As disfluências aumentaram com a idade associada a outros movimentos faciais, entre eles, “piscar de olhos e abertura de boca”. Aos cinco anos e meio fez terapia fonoaudiológica por aproximadamente um ano e apresentou melhora da fala. Parou o tratamento devido à mudança da família para outra cidade.A família negou antecedente genético para gagueira, mas informou que o pai da criança apresentou problemas de fala na infância.
A criança apresentou resfriados constantes e otites de repetição principalmente durante os primeiros anos de vida.
Atualmente, está cursando a 3ª série do Ensino Fundamental em escola pública no município de São Paulo, e não tem dificuldades para aprender. É uma criança muito tímida, fala pouco e evita situações de comunicação por causa das disfluências.
A avaliação fonoaudiológica foi realizada por meio de observações do comportamento da criança, provas específicas de habilidades lingüísticas e de fala, testes padronizados, e avaliação auditiva.
Durante o processo de avaliação fonoaudiológica a criança apresentou adequação da mobilidade e tônus dos órgãos fonoarticulatórios, das funções neurovegetativas (respiração, mastigação e deglutição) e da qualidade vocal.
A criança demonstrou boa compreensão durante a aplicação das provas específicas e na conversação informal. Comunicou-se através do código lingüístico oral demonstrando habilidades conversacionais, e a utilização de frases estruturadas gramaticalmente, vocabulário rotineiro.Sua narrativa apresentou-se adequada para a idade, mas apresentou alguns erros de concordância verbal e omissão assistemática do arquifonema /R/.
Um corpus lingüístico de 300 silabas possibilitou a avaliação da fala encadeada. Nesta foram verificadas disfluências típicas como hesitações, interjeições, repetições de palavras, e disfluências atípicas como repetições de sons e de sílabas, prolongamentos e bloqueios com média de 2 segundos de duração. A freqüência de rupturas observada foi de 13%. Apresentou movimentos associados à fonação de cabeça, olhos e sobrancelhas.Essas manifestações foram classificadas como Gagueira de grau severo (SSI-3,Riley, 1994).
No teste Illinois de Habilidades Psicolingüísticas, ITPA, teste que possibilita a caracterização das habilidades perceptuais auditivas e visuais observou-se resultados compatíveis com a normalidade na maioria dos itens, com exceção da prova de memória seqüencial auditiva (inabilidade).
Nas provas de consciência fonológica apresentou dificuldades de segmentação, síntese e transposição fonêmica.
Na avaliação auditiva apresentou sensibilidade auditiva normal.No processamento auditivo os mecanismos sensoriais que se encontraram alterados foram os de: discriminação da direção da fonte sonora, discriminação de sons verbais em seqüência, reconhecimento de sons verbais e não-verbais em escuta dicótica. Essas alterações indicam prejuízo gnósico dos tipos organização (memória para sons em seqüência), decodificação (análise acústica dos sons da fala) de grau moderado, codificação (perda gradual de memória) e não-verbal (análise acústica dos aspectos supra-segmentais da fala), caracterizando um Distúrbio do Desenvolvimento Auditivo.
Na avaliação da leitura apresentou compreensão de um texto de 3ª série e os mesmos tipos de disfluências observadas na fala espontânea.Com relação à escrita (ditado e redação de história) apresentou trocas auditivas, dificuldade na utilização de letras maiúsculas e acento, na generalização de regras e apoio na oralidade.
Em síntese, a descrição dos aspectos clínicos observados durante o processo de avaliação fonoaudiológica evidenciou tratar-se de um quadro de gagueira desenvolvimental associado a outros aspectos agravantes do mesmo. A análise dos dados permite estabelecer que, embora a gagueira muitas vezes seja compreendida como uma desordem motora, ou seja, do plano da articulação, sabemos que inúmeros aspectos podem interferir para sua manifestação, manutenção e piora. A discussão dos achados fonoaudiológicos apresentados pela criança selecionada possibilita refletir sobre o diagnóstico, prognóstico e a conduta terapêutica na área dos distúrbios da fluência.
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Contato: a.schiefer@uol.com.br |
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