ESTUDO DE CASO – GAGUEIRA
Cristiane Moço Canhetti Oliveira
Comentador(a) de Caso
 
Entre os distúrbios da fluência, a gagueira e a taquifemia, representam as duas principais patologias que podem ser confundidas, pois apresentam manifestações semelhantes. Gagueira é o mais conhecido e estudado em todo o universo. Porém, apesar de mais rara, a taquifemia também merece atenção, e foi definida como distúrbio da fluência caracterizado obrigatoriamente pela velocidade de fala rápida e/ou irregular, disfluências excessivas, e podendo também apresentar sintomas como dificuldades na linguagem ou erros fonológicos e déficit de atenção (ASHA, 1999). A palestra terá como objetivo descrever um caso clínico de gagueira familial, que fez parte de um estudo sobre os aspectos genéticos e fonoaudiológicos na gagueira. Este caso se mostrou particularmente relevante pois é um caso de gêmeo dizigótico onde um apresentava gagueira e o outro taquifemia. Após os indivíduos terem aceito participar deste estudo e terem assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, iniciou-se a pesquisa. Foram utilizados no diagnóstico histórias clínica e familial, bem como registro de uma amostra de 200 sílabas fluentes. A avaliação específica das disfluências foi baseada na Análise Sistemática da Disfluência (Systematic Disfluency Analysis - SDA, Campbell & Hill, 1998), que utiliza a sílaba como unidade de medida. As disfluências foram caracterizadas de acordo com as descritas pelos autores: (a) Hesitações, (b) Interjeições, (c) Repetições de frase, (d) Revisões, (e) Repetições de palavras inteiras, (f) Palavras incompletas, (g) Repetições de parte das palavras, (h) Repetições de sons, (i) Prolongamentos, (j) Bloqueios, (k) Pausas (Campbell & Hill, 1998). Também foram utilizadas mais duas categorias de disfluências atípicas, (l) Repetição de palavras monossilábicas descrita pela ASHA (1999) e, (m) Intrusões (produção de sons não pertinentes ao contexto inter ou intrapalavras - Andrade, 2000). Para analisar a freqüência da gagueira somente disfluências atípicas foram consideradas como eventos de gagueira. A transcrição da fala foi baseada em Andrade (2000). O Instrumento de Gravidade da Gagueira (Stuttering Severity Instrument-3, Riley, 1994) foi utilizado, para classificar a gagueira nos diferentes graus de gravidade. Este teste avaliou a freqüência e duração das interrupções da fala, assim como a presença de concomitantes físicos associados com as disfluências. Baseado nestes parâmetros, a gravidade da gagueira foi determinada como leve, moderada, grave ou muito grave. A escala foi pontuada de acordo com as indicações do manual do examinador do teste. A. foi diagnosticado como taquifêmico de acordo com as manifestações consideradas obrigatórias do distúrbio pelos principais autores do assunto (Luchsinger & Arnold, 1965; Weiss, 1968; Perkins, 1977; Starkweather, 1991; Curlee, 1993; Daly & Burnett, 1996; St. Louis & Myers, 1996; ASHA, 1999), que são velocidade de fala aumentada e disfluências excessivas obtidas na avaliação da fluência. M. tinha 42 anos e apresentava gagueira desde a infância. O histórico familial revelou que M. apresentava um tio paterno com gagueira e um irmão gêmeo dizigótico taquifêmico. Segundo relato da mãe, os irmãos sempre foram tratados da mesma maneira, inclusive as roupas eram iguais. Porém, ela relatou “apesar de eu ter tratado sempre igual eles são tão diferentes .” M. relatou que durante o tiro de guerra, quando o sargento pedia para ele ler, logo em seguida ele perdia a paciência e solicitava que seu irmão gêmeo continuasse a leitura, “para compensar o tempo que eu demorava para falar”. Os resultados da avaliação demonstraram que a gagueira de M. era caracterizada principalmente pelas seguintes disfluências: repetição de parte da palavra (em média 4 vezes), prolongamentos (duração média de 4 segundos) e bloqueios (3 segundos em média), com concomitantes físicos faciais categorizados como distrativos (fechava os olhos, movimentava a cabeça para frente). Na Análise Sistemática da Disfluência M. recebeu uma pontuação total de 308. A porcentagem de descontinuidade da fala foi de 21,5% e porcentagem de disfluências gagas foi de 15,5%. O fluxo de sílabas por minuto foi de 171,43 e o fluxo de informação (PPM) foi de 95,4. A gagueira foi classificada como moderada no Instrumento de Gravidade da Gagueira. A taquifemia de A. era caracterizada principalmente pelas seguintes disfluências: hesitações, repetições de palavras, e revisões, sem a presença de concomitantes físicos, apesar de A. ter apresentado gesticulação aumentada das mãos. Na Análise Sistemática das Disfluências A. recebeu uma pontuação total de 85. A porcentagem de descontinuidade da fala foi de 12% e porcentagem de disfluências gagas foi de 0,5%. O fluxo de sílabas por minuto foi de 352, 94 e o fluxo de informação (PPM) foi de 183,53. Este caso corrobora os achados da literatura referente ao possível parentesco da gagueira e taquifemia, pois estes distúrbios devem apresentar o mesmo substrato genético devido à ocorrência de ambos os distúrbios na mesma família (Seeman, 1966; Weiss, 1968; Daly & Burnett, 1996). A prevalência familial é semelhante nos distúrbios, sendo relatada de 4 a 5 homens para 1 uma mulher (Arnold, 1960; St. Louis & Hinzman, 1986; Bloodstein, 1995; Felsenfeld et al., 2000). Os estudos dos distúrbios da fluência freqüentemente têm sido direcionados para a compreensão dos mecanismos envolvidos na gagueira. Determinar a etiologia da gagueira é uma tarefa difícil, já que o distúrbio tem sido considerado como heterogêneo sugerindo que os mecanismos envolvidos também deveriam ser heterogêneos, e as manifestações poderiam representar apenas a ponta de um icebergue. A literatura evidencia que o gene ou os genes também poderiam estar associados com alguma função cerebral específica, pois a disfunção da gagueira de acordo com Sommer et al. (2002) e Maguire et al. (2002) se localiza no cérebro, e novas técnicas de imagens cerebrais têm reforçado esta hipótese (Ingham, 2001; Van Borsel et al., 2003). E quanto a taquifemia? Será que os genes também não seriam responsáveis por algum funcionamento cerebral anormal? Os estudos sobre neuroimagens de taquifemia são escassos, porém em termos de manifestação clínica, freqüentemente o taquifemia apresenta hiperatividade. Acreditamos que este caso clínico associado à literatura poderá promover uma melhor compreensão dos distúrbios da fluência, tanto em termos etiológicos, como em termos de manifestações clínicas. Os achados deste caso sugerem que gagueira e taquifemia apresentam um substrato genético comum. Porém, estudos futuros são necessários na procura do(s) gene(s) candidato(s) à determinantes destas condições, e na compreensão da interação gene-ambiente na gagueira.
 
Contato: cmcoliveira@terra.com.br
 

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