Código: PPC0783
ANÁLISE SÓCIO-DEMOGRÁFICA, CLÍNICA E FONOAUDIOLÓGICA EM CÂNCER DE BOCA E OROFARINGE - EXPERIÊNCIA DE 17 ANOS |
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Autores: Katia Nemr, Alexandra de Oliveira Santos, Abrão Rapoport |
Instituição: HOSPITAL HELIÓPOLIS - SÃO PAULO - SP |
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INTRODUÇÃO: as possibilidades de cura do câncer de cabeça e pescoço aumentaram nos últimos anos, sendo que o diagnóstico precoce e o adequado tratamento podem oferecer ao indivíduo melhor qualidade de vida (Nemr & Lehn, 2004; Fúria, 2004). Os tumores de boca correspondem a 4% de todas as doenças neoplásicas, estando em 10º lugar entre os cânceres de todo o país (INCA, 2002). A cavidade oral é de extensão limitada e as ressecções com ampla margem de segurança podem acarretar grandes mutilações e conseqüentes seqüelas funcionais, sendo necessária, muitas vezes, a reconstrução imediata com retalhos e enxertos. Quanto mais extensa a cirurgia e mais estruturas estiverem envolvidas, pior será o prognóstico (Santos et al., 2004; Vicente et al., 1997). A fonoaudiologia em câncer de cabeça e pescoço abrange cirurgias que englobam uma variedade de ressecções que podem envolver uma ou mais estruturas, parcial ou totalmente,
especialmente em boca e orofaringe, além de apresentar alterações importantes de fala e/ou de deglutição em diferentes graus (Leite et al., 2004). As pesquisas sobre a atuação fonoaudiológica em cancerologia vêm crescendo ano a ano, porém é possível observar que existe uma escassez de publicações sobre o câncer de boca e orofaringe, ao contrário do que ocorre em relação às alterações de voz e/ou deglutição no câncer de laringe. Quanto ao desenvolvimento da voz esofágica, por exemplo, existem estudos padronizando o número de sessões para a emissão do som esofágico (Nemr, 1992; 2000; Nemr e Ramozzi-Chiarottino, 2002). O mesmo não se observa na literatura nos casos de câncer de boca, seja em relação ao número médio de sessões, seja no estudo do prognóstico fonoaudiológico. As pesquisas que tratam dessas neoplasias se restringem a grupos específicos de cirurgias, sem um retrato amplo da evolução fonoaudiológica neste universo mais voltado à motricidade orofacial e à disfagia. A
tentativa de se preencher esta lacuna com o levantamento dos casos atendidos ao longo de 17 anos de atividades do Serviço de Fonoaudiologia de um Hospital Público da Cidade de São Paulo motivou esta pesquisa.
OBJETIVO: caracterizar os aspectos sócio-demográficos, do tratamento e da evolução fonoaudiológica quanto às alterações de fala e/ou deglutição; e correlacionar grau de escolaridade, tempo de fonoterapia, seguimento do caso e evolução fonoaudiológica.
MÉTODO: foi realizado um estudo retrospectivo dos prontuários fonoaudiológicos de indivíduos submetidos à cirurgia por câncer de boca e/ou orofaringe encaminhados ao Serviço de Fonoaudiologia de um Hospital referência em câncer de cabeça e pescoço na cidade de São Paulo no período de 1987 a 2004. O protocolo utilizado para esta coleta constou de aspectos sócio-demográficos (gênero, idade, escolaridade), clínicos (porte da cirurgia, radioterapia pós-operatória), e fonoaudiológicos (número de sessões de fonoterapia, se houve melhora das alterações fonoaudiológicas e o seguimento dos casos até a coleta dos dados). Foram consideradas as seguintes cirurgias (Nemr, 2005): glossectomias parciais e totais, mandibulectomias parciais e totais, ressecções de palato duro e/ou mole parciais ou totais, ressecções de lábio superior e/ou inferior parciais ou totais, pelvectomias parciais ou totais, pelveglossectomias e pelveglossomandibulectomias marginais ou seccionais, operações retromolares. As
cirurgias foram divididas em dois grupos: Grupo I: pequenas cirurgias – ressecção parcial de uma estrutura, sendo que nas glossectomias foi considerada a ressecção parcial de língua menor que um terço, com pequeno impacto nas funções de fala e/ou deglutição. Grupo II: grandes cirurgias – ressecção de mais de uma estrutura total ou parcialmente, com grande impacto nas funções de fala e/ou deglutição. Na análise estatística foi utilizado o programa SPSS for windows 13.0, e constou de duas partes: uma descritiva e outra com aplicação de testes não paramétricos.
RESULTADOS: Análise descritiva - dos 287 prontuários pesquisados, 239 (83.3%) indivíduos eram do gênero masculino e 48 (16.7%) do gênero feminino. A idade variou de 25 a 83 anos, com média de 55 anos, mediana de 54 anos e desvio padrão de 11. Deste total, 209 (72.8%) tinham idade superior a 50 anos e 78 (27.2%) idade inferior a 50 anos Em relação ao grau de escolaridade 35 (12.2%) eram analfabetos, 200 (69,7%) referiram ensino fundamental incompleto, 26 (9.1%) concluíram o ensino fundamental e 26 (9.1%) cursaram além do ensino fundamental. Quanto ao porte da cirurgia, 236 (82.8%) foram submetidos a grandes cirurgias, enquanto que 51 (17.8%) foram submetidos a pequenas cirurgias. Destes, 168 (58.5%) realizaram tratamento de radioterapia complementar. Em relação ao número de sessões de fonoterapia, observamos de 1 a 42 sessões, com mediana de 5 sessões. Quanto ao seguimento até a dada da coleta dos dados pode-se observar que 38 (13.2%) pacientes tiveram alta fonoaudiológica, 137
(47.7%) não retornaram, sem causa especificada, 47 (16.4%) apresentaram complicações pós-cirúrgicas, ou recidivas, metástases e segundas lesões ocasionando a interrupção da fonoterapia, 52 (18.1%) foram encaminhados para adaptação de prótese buco-maxilo-facial e não retornaram à fonoterapia para controle e alta, 7 (2.4%) foram encaminhados a outro serviço a pedido, e 6 (2.1%) permanecem em acompanhamento fonoaudiológico. Para análise estatística consideramos as variáveis: escolaridade: 235 (81.9%) analfabetos/semi-alfabetizados (analfabetos e ensino fundamental incompleto), e 52 (18.2%) alfabetizados (ensino fundamental completo ou superior a este); número de sessões: 248 (86.4%) até 10 sessões e 39 (13.6%) acima de 10 sessões; evolução: 205 (71.4%) com melhoras fonoaudiológicas nas funções de fala e/ou deglutição, e 82 (28.6%) sem melhoras (tanto a melhora como a não melhora foram definidas a partir de avaliações fonoaudiológicas clínicas perceptivo-auditiva-visuais ou objetivas
por videofluoroscopia, e referidas pelos pacientes durante a fonoterapia). O seguimento manteve as alternativas descritas anteriormente. Houve associação estatisticamente significante entre número de sessões e melhoras na fonoterapia, tanto na análise dicotômica com número igual/inferior a 10 sessões e superior a 10 sessões (Teste do Qui-Quadrado: X2=9.64 e p=0.002), quanto na análise numérica (Teste de Mann Witney: p<0.001), mostrando que quanto mais sessões realizadas, mais melhoras nas funções alteradas coma cirurgia são observadas. Outra associação significante foi entre o seguimento sem retorno sem causa especificada, número de sessões até 10 e a evolução fonoaudiológica satisfatória com melhoras (Teste do Qui-Quadrado: X2=6.87, p=0.009), apontando para uma possível alta espontânea destes indivíduos frente à melhora das funções. O nível de escolaridade não mostrou ser significante nas correlações com as demais variáveis.
CONCLUSÃO: na população estudada a sua maioria era do gênero masculino, com idade acima de 50 anos e ensino fundamental incompleto. Quanto aos aspectos clínicos, houve predomínio de cirurgia de grande porte com tratamento radioterápico complementar. Quanto aos aspectos fonoaudiológicos, a maior parte da população pesquisada realizou até 10 sessões de fonoterapia, apresentaram melhoras de fala e/ou deglutição, e não retornaram à fonoterapia sem justificativa. A pesquisa demonstrou a associação do número de sessões e melhoras nas funções alteradas com a cirurgia, numa relação proporcional, e uma possível alta espontânea destes indivíduos frente à melhora das funções até 10 sessões de fonoterapia. |
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REFERÊNCIAS
Furia CLB. Disfagias Mecânicas. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Editora Roca; 2004. p.386-404.
INCA. Estimativa sobre a incidência e mortalidade por câncer no Brasil – 2002. Rev. Bras. Cancerol. 2002; 48: 175-9.
Leite GCA, Nemr K, Kohle J, Santos AO. Avaliação de fala e dos órgãos fonoarticulatórios após fonoterapia em indivíduos submetidos a pelveglossectomias e pelveglossomandibulectomias. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2004; 9: 33-38.
Nemr NK – A outra voz- estudo dos fatores determinantes da adaptação vocal do laringectomizado. São Paulo, 1992. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade católica de São Paulo.
Nemr NK. A epistemologia genética de Jean Piaget na adaptação do laringectomizado. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo.
Nemr K. Câncer de cabeça e pescoço. In: Marchesan IQ.Fundamentos em fonoaudiologia- aspectos clínicos da motricidade oral (2a. ed- ampliada). Rio de Janeiro:Guanabara Koogan; 2005. p. 103-120
Nemr K, Lehn C. Voz em câncer de cabeça e pescoço. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Editora Roca; 2004.
Nemr K, Ramozzi-Chiarottino Z. fatores cognitivos na adaptação vocal após laringectomia total. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2002: 68(6):805-10.
Santos AO, Nemr K, Kohle J, Leite GCA. Análise da correlação entre a auto-avaliação fonoaudiológica do padrão articulatório em pelveglossectomia e pelveglossomandibulectomia. Rev Fono Atual 2004; 7: 30-36.
Vicente LCC, Forte AP, Martins L, Soneghet R. Tumores de cavidade oral e orofaringe – Atuação fonoaudiológica. In: Lopes Filho. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p.1094. |
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