Código: PIL0620
PRODUÇÕES VERBAIS E NÃO-VERBAIS DE UM BEBê NA RELAÇÃO COM SUA MÃE: UMA ANÁLISE INTERACIONISTA
 
Autores: Rafael da Silva Taveira, Nadia Pereira da Silva Gonçalves de Azevedo
Instituição: UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
 
Esta pesquisa visa a registrar a linguagem de um bebê em processo de aquisição de linguagem, sob o olhar do Projeto Interacionista, sendo este um tema de interesse tanto para a Fonoaudiologia quanto para Lingüística, pois aborda esta aquisição, importante para Fonoaudiologia à luz de uma teoria lingüística. Interessamo-nos em realizar este estudo apoiando-nos no projeto Interacionista em Aquisição de Linguagem, no momento em que acreditamos ser esta teoria da linguagem que dá sustentação à área fonoaudiológica e, diante disso, lançamos um desafio: compreender a linguagem oral em seu desenvolvimento a partir do funcionamento discursivo, além de identificar como a linguagem de um bebê é significada pela mãe. Através da interação mãe/bebê obtivemos dados concretos que comprovaram a importância desta interação no processo de aquisição da linguagem tanto verbal, quanto a não verbal da criança. Procuramos estudar a linguagem desta criança a partir do funcionamento discursivo desta, em diferentes relações com sua mãe, especificamente a alimentação. Sabe-se que através do interacionismo estudado por De Lemos (1977 a 2002), a fala inicial da criança, ainda que fragmentada, exibe uma relação com a fala da mãe que vai além do seu espelhamento. Sendo assim, é de fundamental importância termos uma análise minuciosa desta linguagem, podendo o projeto interacionista em aquisição de linguagem, contribuir para desvendar e aprofundar cada vez mais os estudos sobre a linguagem do bebê.
Inicialmente a hipótese para esta pesquisa, estava no fato de que os pais ocupam o seu próprio turno e o turno de linguagem do bebê, falando por ele, enquanto este não é capaz de preenchê-lo. Haveria então um “desvelamento” que implica em ver uma proposta da aquisição/construção de linguagem a partir da passagem do discurso infantil no eixo paradigmático (metáfora) para o eixo sintagmático (metonímia) atravessada por deslizamentos propostos de forma a ocorrer sistematicamente. Quando o bebê começa a emitir significantes, ou seja, emissões orais como, por exemplo, o balbucio, os pais passam a significá-los, o que leva a significantes com estatutos fonológicos, semânticos e morfossintáticos.
A teoria que nos interessa discutir é o projeto interacionista em aquisição de linguagem, embasamento principal desta pesquisa, estudado especialmente por De Lemos, (1995), onde esta acessa uma Lingüística tocada pela Psicanálise, que permite incorporar o sujeito à estrutura, alçando a idéia de funcionamento da linguagem. No processo de aquisição da linguagem, os significantes da criança são postos em circulação pelo adulto, que os interpreta, articulando-os a um texto. A criança cruza momentos diferentes de textos e co-textos, momento em que a língua passa a fazer efeito nela, gerando auto-correções e o assemelhamento à fala do outro. Assim sendo, inicialmente, a criança alça significantes corretos da língua, não interpretados por ela, para, enfim, deslocar-se, dessubjetivando o adulto, momento em que passa de personagem a autor de seu processo. Há o efeito reorganizador da linguagem sobre a linguagem, na medida em que a criança ouve e produz enunciados. A própria produção de um enunciado desencadeia reorganização, como conseqüência de ter sido ouvido e ressignificado. As auto-correções são, portanto, mudanças da posição de interpretado para intérprete de si mesmo e do outro. Nesta linha de pensamento o interesse nos processos dialógicos na questão sobre a aquisição de linguagem vem à tona, pois toma o diálogo entre mãe/bebê em sua funcionalidade, como fenômeno de natureza discursiva a partir de uma unidade de análise.
O que tem acontecido nos estudos de aquisição de linguagem serve como mostruário dos efeitos da ausência de uma reflexão sobre o problema de incluir a fala e o falante. De uma maneira geral, usa-se o que é formulado na lingüística para descrever a linguagem da criança. Já para explicar a produção dessa fala e a aquisição do conhecimento parcial que a sua descrição supostamente representa, fazem-se referências tanto à percepção e à cognição quanto a fatores comunicativos. Reduz-se, assim, a interdisciplinaridade da área de aquisição de linguagem e da chamada psicolingüística à simples menção de termos que remetem à Psicologia. E é esse tipo de interdisciplinaridade, sem restrições nem compromissos, que este trabalho pretende levar a interrogar as inter-relações entre a lingüística e a Fonoaudiologia. O que se quer deixar claro é que a partir desta pesquisa, a linguagem não seja vista isoladamente como percepção e cognição, mas principalmente, como constitutiva do sujeito. E esta possibilidade pode ser dada através de outras vertentes teóricas que a lingüística junto a outras ciências podem fundamentar. Salientamos que nem todas as vertentes teóricas compreendem a linguagem sob este prisma, ou seja, de que o sujeito é constituído na/pela linguagem, só as teorias perpassadas pela Psicanálise, como o Interacionismo, por exemplo. Ao assumir essa visão, pressupõe-se a indiferenciação inicial do sujeito e a indiferenciação inicial do objeto da linguagem. Os processos de subjetivação e de objetivação são vistos como processos solidários no desenvolvimento da criança. É importante, desse modo, explicitarmos um desdobramento no objetivo inicial, dado que toda ação é mediada pela representação que fazemos de nosso interlocutor, portanto enfocaremos não apenas a presença da ação interpretativa da mãe sobre a conduta do bebê como também as representações subjacentes a essa atividade de interpretação. E a partir dessa observação, discutiremos o papel interpretação pelo adulto do comportamento espontâneo da criança.
A coleta de dados foi realizada na casa da família em situações de interação na alimentação, tendo ocorrido também o registro de situação do banho do bebê. Em algumas sessões, compareceram outros interlocutores familiares de R., como o seu pai, a babá que, cuida da criança no período em que a mãe trabalha fora, deixando claro que estas presenças não interferiram diretamente na interação mãe-bebê. O registro do contexto global das situações de interlocução gravadas foi realizado pelo pesquisador, uma vez que os mesmos dados seriam posteriormente utilizados para realização desta pesquisa. Estes registros foram feitos através de anotações, tão detalhadas quanto possíveis, realizadas após as gravações. No início do período observado (03;06 meses de idade de R.) a interação mãe-bebê é marcada, quase que em sua totalidade, pela presença da fala da mãe, ainda que, nesta pesquisa, enfocamos também as produções não verbais do bebê, portanto são estes dois momentos que marcam, predominante o início das observações.
Não foram observados, na conduta da mãe, indícios de interpretação do comportamento do bebê que não fossem verbalmente expressos. Em alguns momentos, a interpretação da conduta da criança dá origem a uma ação motora por parte da mãe, mas esta ocorre sempre acompanhada por seu discurso.
É importante considerarmos que a presença de outros interlocutores (o pesquisador, o pai e a babá) durante a coleta de dados pode ser um fator que influencia a conduta que a mãe assume com relação ao bebê, sendo assim, há, com efeito, mais que uma díade durante as gravações e observa-se que a presença do investigador (mais presente) é conseqüentemente tematizada pela mãe no discurso dirigido à criança. Portanto, não podemos deixar de lado a idéia de que a mãe constrói uma representação do investigador e da própria situação de gravação, representação essa que é estruturante relativamente a suas atitudes.
Ainda que a presença triádica, ou envolvendo ainda um número de participantes, seja comum no dia a dia de Renato (nome fictício) é necessário considerarmos a hipótese de que a predominância da linguagem verbal da mãe em sua ação interpretativa possa estar relacionada à presença do investigador.
Cabe ressaltar que a presença do investigador durante a coleta de dados é assumida neste trabalho como tendo um papel estruturante sobre o diálogo mãe-bebê. A nosso ver, uma pesquisa que toma como objeto a análise de como a linguagem da criança é significada pela mãe, além de analisar a ocupação dos turnos de linguagem da criança pela mãe não pode deixar de assinalar o fato de que o pesquisador é também um interlocutor representado pela mãe, e a idéia daí decorrente de que essa representação compareça como mediadora do diálogo mãe-bebê durante as gravações.
Podemos observar que apesar da mãe não tomar o turno de linguagem do bebê, a mesma interpreta as produções não verbais no momento em que as percebe, ou até mesmo “adivinha” o significado que estas querem passar. Podemos dizer que a conduta da mãe configura o pseudo-diálogo, conforme assegura Rubino (1998) em seu trabalho, isto é, um diálogo ilusório, constituído pela própria ação interpretativa da mãe, que incide sobre o fluxo do comportamento da criança como se esta fosse um interlocutor efetivamente capaz de comunicar-se.
Portanto, o discurso da mãe atua como um elo entre ela e o bebê, criando e recriando a aparência de uma relação de troca entre eles. Segundo De Lemos (1999) a criança depende do reconhecimento que a interpretação do adulto confere a esses fragmentos, no caso as produções não verbais do bebê, para poder continuar a se fazer presente no diálogo, pois a fala da criança seria a onipresença nessa fala de fragmentos da fala da mãe, assim como fato de que o diálogo mãe-criança depende fundamentalmente da fala com que a mãe interpreta a criança, seus gestos, seu olhar.
 
LEMOS, Sobre o interacionismo, ANPOLL, 1998, a ser publicado em letras hoje.

____________ Desenvolvimento da linguagem e processo de subjetivação, São Paulo, 1997. (Mimeogr.).

____________ Em busca de uma alternativa à noção de desenvolvimento na interpretação do processo de Aquisição de Linguagem: Parte II, Relatório Científico, São Paulo, 1977 a 1999.

____________ O que significa aprender a falar? Uma discussão entre a psicolingüística e a psicanálise, São Paulo, 1989.

____________ O erro como desafio empírico a abordagem cognitivistas do uso da linguagem: o caso da aquisição de linguagem, Sétimo Congresso Internacional de Pragmática, Budapest, Hungria, 2000.

____________ Processos metafóricos e metonímicos: seu estatuto descritivo e explicativo na aquisição da língua materna, São Paulo, 1999 (Mimeogr.).

____________ Língua e discurso na teorização sobre aquisição de linguagem. Letras de hoje. Porto Alegre, v. 30, nº 4, 1995.a.

____________ Das vicissitudes da fala da criança e sua investigação, In: Cad. Est. LINGUAGEM. 42: 41-69. Campinas, 2002.

RUBINO, Rejane. Representando o interlocutor no período pré lingüístico, Dissertação de Mestrado, PUC – SP, São Paulo, 1989.
 
Contato: rafaelfono@hotmail.com
 

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