PROJETOS INTERDISCIPLINARES EM MOTRICIDADE OROFACIAL: GRUPO DE BIOMECÂNICA |
Andréa Rodrigues Motta
Palestrante |
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS |
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Nos mais diversos campos de atuação a interdisciplinaridade tem sido celebrada e as mais diversas profissões têm se valido dessa ferramenta objetivando o crescimento e amadurecimento. Uma das possibilidades de interface da Fonoaudiologia, ainda não muito divulgada, é junto à Biomecânica. A Biomecânica pode ser definida como uma ciência que combina o campo da Engenharia Mecânica com os campos da Biologia e Fisiologia, na qual os princípios da mecânica são aplicados na concepção, modelo, desenvolvimento e análises de equipamentos e sistemas na área da saúde. Como resultado da contribuição de pesquisadores de diversas áreas o campo interdisciplinar da Biomecânica tem crescido vertiginosamente nas últimas décadas.
Verifica-se atualmente que a Fonoaudiologia necessita cada vez mais de instrumentalizações objetivas, as quais auxiliem na obtenção de dados mais fidedignos e passíveis de comparação durante as avaliações, tratamentos e até mesmo no prognóstico. O fonoaudiólogo se depara constantemente com a necessidade de obter dados mais objetivos, visto que na maioria das vezes a experiência clínica e o bom senso são os únicos parâmetros utilizados. Para que essa instrumentação objetiva seja desenvolvida é necessário realizar um trabalho interdisciplinar, como propõe a Biomecânica.
O Grupo de Engenharia Biomecânica da Universidade Federal de Minas Gerais envolve pesquisadores das áreas de saúde, engenharias e da Física com o objetivo de estudar o comportamento mecânico de tecidos, órgãos e biomateriais sob ação de esforços externos e outros tipos de solicitações, utilizando para isto técnicas computacionais e numéricas, em um enfoque interdisciplinar. O grupo iniciou suas atividades em 1998, e conta atualmente com a participação de 29 integrantes, dentre docentes, alunos de pós-graduação e graduação e pesquisadores de outras instituições. Participam do grupo, sob a coordenação de um professor do curso de Engenharia, engenheiros, dentistas, fisioterapeutas, médicos, físicos, além de um docente e três acadêmicos do Curso de Fonoaudiologia da UFMG. Para discussão dos projetos em andamento e propostas para novas pesquisas são realizados encontros mensais. Além desses encontros, todos os integrantes se comunicam constantemente por meio de uma lista de discussão, sendo que o grupo possui ainda sua home page (www.dees.ufmg.br/biomec) visando informar à comunidade sobre seus trabalhos e eventos.
No ano de 2003 os membros deste grupo, com a participação ativa da Fonoaudiologia, desenvolveram um instrumento, já descrito em publicação na área fonoaudiológica, para medir as forças axiais produzidas pela língua humana. Acreditava-se que, a partir da aferição da capacidade do indivíduo imprimir uma força horizontal para fora da cavidade oral (força axial), eventualmente fosse possível fazer inferências sobre a capacidade da língua de realizar outras tarefas. Se confirmada esta hipótese, o conhecimento do perfil e dos valores das forças axiais produzidas pela língua humana seria um importante mecanismo para definir a capacidade funcional deste órgão por intermédio de parâmetros quantitativos. Após estudo piloto, o perfil de forças típico, produto do registro dos resultados obtidos com o método proposto, pôde ser decomposto em duas regiões distintas: uma primeira, em que a força cresce rapidamente até um valor máximo, e uma outra, em que a força decai. Assim foi possível definir os seguintes parâmetros característicos das forças medidas: f ′ representando a taxa média de aplicação inicial (medida da explosão muscular de que o indivíduo é capaz); Fmax referindo-se ao valor máximo de primeiro pico e Fdec. representando a força média mantida na região de decaimento (capacidade do indivíduo em manter a força constante em um dado intervalo). Os sinais foram tratados em computador por um software especialmente desenvolvido para esta finalidade, que monitora o ensaio em tempo real, permitindo a definição dos valores dos principais parâmetros, tais como tempo total do ensaio e o número de amostras armazenadas por série
Após o estabelecimento do método e dos parâmetros a serem considerados, foram realizados estudos buscando-se verificar sua aplicabilidade na prática clínica. Com esse objetivo foi conduzido um trabalho de conclusão de curso por um acadêmico de Fonoaudiologia, orientado por um fonoaudiólogo e co-orientado por um engenheiro, que buscou quantificar e comparar as forças axiais média e máxima produzidas pela língua de crianças respiradoras orais pré-cirúrgicas, respiradoras orais em tratamento fonoaudiológico e crianças respiradoras nasais, bem como comparar os achados da avaliação objetiva com os dados da avaliação clínica subjetiva sobre as características linguais de cada participante. De acordo com o estudo a média das forças média e máxima foram menores nos respiradores orais pré-cirúrgicos, além de ter ocorrido concordância entre os resultados das avaliações objetiva e subjetiva da força axial da língua.
Outros dois estudos foram conduzidos buscando-se comparar a avaliação fonoaudiológica clínica da tensão lingual com a avaliação quantitativa da força axial produzida por este órgão, tanto em adultos quanto em crianças. Em ambos os casos a avaliação objetiva foi capaz de refletir as alterações clínicas observadas na avaliação subjetiva da força axial da língua humana, demonstrando eficácia na complementação das avaliações fonoaudiológicas. No grupo de adultos foram avaliados sete indivíduos, com idades entre 19 e 24 anos, tendo os valores médios de força variado de 7,5 a 17 Newtons nos indivíduos classificados como portadores de língua normotensa. Já nos participantes que apresentaram tensão diminuída da musculatura da língua, os valores médios encontrados foram de 4,8 a 5,7 Newtons. No estudo conduzido com crianças pesquisou-se 17 casos com idade entre 6 e 12 anos, tendo sido observado que as crianças que apresentaram hipotensão lingual de acordo com a avaliação clínica obtiveram valores médios de força entre 1,4 e 2,6 Newtons na avaliação objetiva. Já as crianças com tensão adequada deste órgão durante a observação clínica apresentaram valores médios de força entre 1,4 e 10,2 Newtons. Alguns estudos de caso também têm sido conduzidos buscando-se pesquisar aplicabilidades e limitações do aparelho
Atualmente o grupo se papara para aplicar o instrumento nos mais diversos tipos de alterações miofuncionais orofaciais, além de buscar uma amostra significativa para o estabelecimento de padrões de normalidade. O próximo desafio será desenvolver um método para medir a pressão da língua no palato durante a fonação e deglutição.
A oportunidade de trabalho no Grupo de Engenharia Biomecânica da Universidade Federal de Minas Gerais tem proporcionado à Fonoaudiologia a possibilidade de vivenciar a interdisciplinaridade em um campo incomum, despertando idéias e projetos que poderão auxiliar os profissionais nos processos de diagnóstico e tratamento. É apenas mais uma porta que se abre em um vasto campo de possibilidades que uma profissão tão rica e diversificada oferece.
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Contato: andrearmotta@terra.com.br |
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