PROCESSAMENTO TEMPORAL DA FALA |
Autores: |
Claudia Regina Furquim de Andrade - FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Ana Luiza Gomes Pinto Navas - FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO Helena Bolli Mota - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA Vicente José Assêncio Ferreira - CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA |
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A compreensão do processamento temporal da fala requer a caracterização de como o sistema nervoso processa o tempo na variação em milésimos de segundos. Esse processamento é requisitado para problemas sensoriais simples como intervalo, duração, discriminação e também para o processamento de formas sensoriais complexas como o reconhecimento e produção da fala. O objetivo desse seminário é refletir sobre a dinâmica entre a especialização temporal motora e cognitiva. O texto de base é uma revisão comportamental, eletrofisiológica e teórica sobre a base neural do processamento temporal. Serão apresentados quatro segmentos de análise do texto base: aspectos temporais e a fluência da fala; aspectos temporais e a aprendizagem; aspectos temporais e a articulação; visão neurológica do processamento temporal.
Visão Neurológica do Processamento Temporal
Vicente José Assencio-Ferreira
A localização anatômica das regiões encefálicas envolvidas no processamento temporal permite a compreensão de quando ocorre a participação consciente/voluntária (córtex cerebral) e quando os mecanismos inconscientes/automáticos (tronco encefálico, cerebelo e gânglios da base) são os controladores do processo. No tronco encefálico existem neurônios especializados em responder a determinadas freqüências preferenciais; nas freqüências mais baixas ou mais altas, os impulsos elétricos não são observados (ou presentes em menor número). Estudos com pacientes acometidos com Parkinson permitiram determinar a participação dos gânglios da base no estabelecimento do timing, tanto para eventos sensitivos como motores. O cerebelo geralmente é visto como uma estrutura unicamente motora, mas também participa, intensamente, do timing sensitivo, pois a habilidade de discriminar fonemas que diferem apenas no timing das consoantes é alterada na lesão cerebelar lateral. O córtex cerebral é considerado como o local primário do processamento temporal, especialmente o córtex parietal e pré-frontal dorsolateral do hemisfério direito.
Com base nestas vias neuroanatômicas podemos aceitar como prováveis estratégias computacionais para explicar o processamento temporal:
a) Modelos de Relógio – leva em consideração intervalos de tempo como base computacional para explicar o processamento temporal, ou seja, pressupõe a existência interna de um oscilador com freqüência constante e um contador neural que faria a integração da informação temporal.
b) Modelos Espectrais – pressupõe a existência de uma ativação seqüencial de determinados grupos de neurônios que oscilam em freqüência e fase variada, levando a diferentes tempos de resposta. A codificação do tempo ocorre desde a chegada do estímulo e da ativação de subconjuntos neuronais diferentes, em tempos diferentes.
c) Modelos de Redes Neurais – não exigem a existência de osciladores ou contadores de tempo. O modelo de redes neurais corticais pressupõe uma capacidade inerente do córtex em processar a informação temporal, pois um determinado estímulo pode ativar diferentes sub-populações de neurônios em redes neurais constituídas recentemente, por estímulos anteriores. As diferenças de ativação de populações neuronais produzidas por novo estímulo podem ser utilizadas para codificar intervalos muito pequenos de tempo. O modelo de redes neurais cerebelares envolve três processos interativos: durante um estímulo existe uma interação repetitiva entre as células cerebelares; a ativação destes neurônios não somente codifica o estímulo por acionar diferentes neurônios em diferentes tempos, mas codifica o tempo transcorrido durante o estímulo; finalmente, a competição entre impulsos excitatórios e inibitórios permite a resolução do tempo de resposta.
Processamento temporal e memória operacional: implicações para o processamento de linguagem
Ana Luiza G.P. Navas
Muitos estudos evidenciam que a memória operacional exerce papel fundamental em todas as formas de pensamento complexo, especialmente naquelas que envolvem a compreensão e produção da fala, uma vez que implica no processamento de uma seqüência linear de elementos, sua manipulação e retenção temporária durante os processos de decodificação, construção e integração da informação. Diversas teorias estudam o funcionamento da memória operacional e discutem as limitações de desempenho por diferentes óticas como (a) a restrição da capacidade em termos da quantidade de informação, (b) a complexidade do processamento, ou (c) simplesmente, uma limitação temporal, ou seja, da duração em milésimos de segundos de manutenção do conteúdo a ser processado.
Em relação à compreensão da escrita à medida que lemos palavras de uma frase a informação fonológica que emerge da decodificação vai sendo armazenada e processada na alça fonológica. Com o processamento da informação que foi armazenada liberam-se os recursos para que uma nova série elementos seja processada. Portanto, há um limite de tempo e/ou de recursos disponíveis para o armazenamento e posterior processamento de informações. Assim, quanto mais eficiente e rápido for o reconhecimento de cada palavra menor será a sobrecarga dos recursos de memória e melhor será a compreensão.
Há evidências de que redes neuronais são capazes de codificar várias formas de informação temporal como resultado de mudanças em sua dinâmica de ativações caracterizadas por uma plasticidade de curta duração. Em relação à memória, esta representação é feita através de padrões de ativação entre populações de neurônios, possivelmente, de forma distribuída em várias regiões do sistema nervoso. A hipótese de que a atividade persistente é gerada por uma espécie de reverberação sináptica foi ampliada já que recentemente verificou-se que certos neurônios corticais têm a capacidade de disparos persistentes. Portanto, os avanços no entendimento dos mecanismos neurofisiológicos do processamento temporal trazem novos elementos para as implicações da memória operacional e suas relações com a fala e linguagem.
Considerações sobre o processamento temporal e o reconhecimento da fala
Helena Bolli Mota
A maioria dos estudos sobre reconhecimento da palavra considera que as palavras são formadas por fonemas definidos em termos de traços distintivos e que estes traços distintivos são, de alguma maneira, extraídos das ondas acústicas e comparados às formas lexicais estocadas para a obtenção do significado. Um dos aspectos mais importante do processamento auditivo da fala é que este sistema distingue rapidamente os sons da fala de outros sons. Os fenômenos conhecidos como “percepção categórica” e “percepção duplex” são indicadores da natureza especial da percepção da fala.
O processamento temporal é um dos aspectos mais importantes no reconhecimento da fala. Durante a fala contínua, as sílabas são geradas a cada 200-400 ms. O arranjo seqüencial das sílabas é importante no reconhecimento das palavras, como por exemplo: bo-ca x ca-bo, as pausas entre as palavras também são extremamente importantes para análise e compreensão do significado. A estrutura temporal dentro de cada sílaba e fonema também contribui para o reconhecimento e a percepção da fala, sendo que os aspectos temporais são fundamentais para a discriminação dos fonemas. Pode-se citar como exemplo o tempo de início de sonorização (voice onset time VOT), que contribui para a diferenciação de /p/ x /b/. Também pistas prosódicas tais como pausas e duração dos segmentos da fala são usadas para determinar o conteúdo semântico. Uma vez que a fala apresenta múltiplos níveis e escalas de informação temporal somadas à informação espacial, esta é considerada como uma das formas mais complexas de reconhecimento e requer principalmente o processamento da informação temporal. Assim seria esperado que déficits no processamento temporal pudessem levar a distúrbios de linguagem.
Processamento temporal e fluência da fala
Claudia Regina Furquim de Andrade
A fluência pode ser definida como um descritor de performance de fala. A velocidade (entendida pela medida entre a quantidade de fala num espaço de tempo) e a ausência de esforço (suavidade) são as duas principais características da performance fluente. A fluência se diferencia dos demais componentes da linguagem (gramatical, sintático, lexical, etc.) por caracterizar um padrão automático, primariamente temporal. A automatização torna possível que os múltiplos componentes da produção da fala trabalhem em paralelo o que é uma condição nuclear da fala fluente, ininterrupta.
Para processar a informação temporal deve haver primariamente a codificação da relação do domínio temporal/código espacial, ou seja, codificação da velocidade (relação de espaço e tempo num movimento uniforme). A segunda etapa seria a decodificação da informação temporal ou geração da resposta motora. Em termos neurofisiológicos seriam redes neurais que respondem seletivamente para intervalos entre dois eventos. As sinapses especializadas e os mecanismos celulares respondem pela natureza temporal inerente ao ambiente sensorial e o contínuo da interação motora em tempo real com o ambiente favorece a visão que a informação temporal e espacial é processada pelos mesmos circuitos. A base neural da temporalização parece depender de uma ordem regular dos elementos que se diferenciam em termos de parâmetros temporais.
A fluência é produto da linguagem transformada em movimentos e sons, em ordem temporal, seqüencial e pertinente a cada língua natural. O sistema motor da fala não é um canal passivo para a transmissão de um sinal linguístico, decorrente de estágios anteriores de planejamento, ao contrário, o sistema motor da fala transforma o sinal linguístico em diferentes caminhos. A trajetória de um grande número de articuladores deve ser programada em rápida sucessão considerando as variáveis de tempo, a força e controle. O falante modifica o estilo e a precisão da fala em tempo real, ajustando-a ao contexto ambiental e social, respondendo assim à demanda conversacional.
TEXTO BASE: MAUK, M. D.; BUONOMANO, D. V. – THE NEURAL BASIS OF TEMPORAL PROCESSING. ANNU.REV. NEUROSCI. 2004. 27 :307-40. |
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