INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA: ASPECTOS METODOLÓGICOS
Ana Claudia M. B. Reis
Coordenador(a)
 
Ao se falar de intervenção fonoaudiológica e deficiência auditiva, neste Encontro, espaço para discutirmos as nossas convicções e, principalmente, revelarmos as nossas incertezas. Para muitos, o processo de intervenção inicia-se com o processo de reabilitação propriamente dito. Para outros, com a seleção, indicação, seleção e adaptação dos dispositivos eletrônicos para surdez e para nós, inicia-se com a “descoberta” do distúrbio da audição ou de sua manifestação. Faremos aqui um parêntese para discutirmos o que seria a descoberta e o porquê considerar este período como o início da intervenção propriamente dita. Com a descoberta, seja ela pela família, por um profissional (da educação ou da saúde), notamos uma mudança de postura em relação ao contato com o portador de deficiência auditiva, mudança relacionada principalmente ao modo de lidar, no que diz respeito à comunicação com esta pessoa. Muitas vezes passa-se a olhar para o distúrbio (em primeiro lugar) e só então, para a pessoa, para o indivíduo. Considerando esta mudança de atitude, podemos, com um olhar através do problema, notar que mudamos o curso de desenvolvimento desta pessoa e, portanto, passamos a intervir no processo de aquisição e/ou desenvolvimento deste indivíduo. Se bem orientada, através de diagnóstico precoce, como os Programas de Triagem Auditiva Neonatal, a “intervenção” torna-se um procedimento saudável, tanto para o portador de deficiência auditiva como para os que participam deste processo - pais, familiares, educadores e profissionais. Caso fique no período de hipóteses e “desconfiança” de que algo não está bem (não responde como deveria), verificamos tentativas de mudanças para atender às novas necessidades, estas não conhecidas a priori pelos que estão evolvidos e, conseqüentemente, passam a lidar com a situação por “ensaio e erro”, o que leva a uma situação na qual temos grandes chances de erro e ínfimas de acertos. A sistematização dos dados, o olhar treinado para a situação, o permitir se reavaliar (auto-avaliação) faz com que tenhamos procedimentos metodológicos consistentes, para que possamos encontrar caminhos para o que consideramos melhor, naquele momento histórico da pessoa, da comunidade científica (tanto no que se refere aos avanços tecnológicos como aos de conhecimento), a fim de propormos respostas às necessidades dos portadores de deficiência auditiva, de seus familiares e parceiros. A partir deste pressuposto, de que o processo de intervenção inicia-se com o diagnóstico, optamos por refletir sobre “o como” realizar intervenção, sem intenção de oferecer “receitas” ou regras pré-estabelecidas. Sugere uma reflexão, com objetivo de propor um trabalho comparativo entre o pensamento clínico para a intervenção e o pensamento científico, no que diz respeito à questão metodológica. Antes de discutirmos, especificamente, esta comparação e similaridade entre os dois “pensamentos”, consideramos necessário a reflexão de alguns pontos que, para ambos, pensamento clínico ou pensamento científico apresentam-se presentes. Inicialmente, iremos discutir a importância de se ter um referencial teórico, o do Saber, no sentido de aprender a conhecer, a compreender e a descobrir. “Avaliar supõe uma busca ordenada de fatos, supõe a utilização de uma metodologia que nos possibilite elaborar, através do raciocínio lógico, as diferentes instâncias do diagnóstico...” (CHIARI, 1992, p.101). O processo de intervenção fonoaudiológica deve ser conduzido sob um determinado rigor científico (referencial teórico) e metodológico. Outra questão relevante é a importância de se Saber ser, ou seja, a atitude, a postura de quem faz a intervenção. Assim como quem faz ciência, lida com incertezas e fenômenos complexos, o que faz com que o cientista deva ter sempre um comportamento parcimonioso em relação às suas conclusões, bem como uma visão relativa dos fenômenos (Hübner, 1998 ), o profissional que lida com o processo de intervenção também. O profissional da área da saúde lida com fenômenos complexos, não apenas pela sua natureza, mas principalmente porque lida com seres humanos, que por si só já são complexos, relativos e sofrem influências de vários fatores inter-relacionados. Portanto, lidamos com um enorme determinismo probabilístico. Lidamos com incertezas e isto faz com que procuremos cada vez mais acertar, porque sabemos que não sabemos com certeza, se estamos certos do que sabemos e fazemos. Ao avaliarmos, estamos em busca constante de dados. Procuramos aproximar estes do ideal científico o máximo, ou seja, “... a busca dos dados, pública e empiricamente passíveis de verificação e replicação, ainda que eles possam se confrontar com hipóteses e posições pessoais. ” (Hübne, 1998, p. 18). O processo metodológico da intervenção torna-se muito semelhante ao processo metodológico científico. Ambos partem de um problema (uma queixa), levantam-se hipóteses e buscam-se meios (método = avaliação) para se chegar a um resultado (conclusão = hipóteses diagnóstica/etiológica e procedimentos de intervenção), sendo que estes podem ser conclusivos ou relativos. Partimos para a pesquisa científica, sob a presença de um problema, uma problematização da própria realidade e contexto em que o pesquisador está inserido. Do ponto de vista do diagnóstico, a queixa também traz esta peculiaridade, ela não só faz parte de um “problema” da pessoa, como está totalmente inserida dentro de um contexto sócio-político-econômico-social e histórico da mesma. A partir daí, o que vai passar a dirigir o processo de ambos, passa a ser o referencial teórico do pesquisador, no processo metodológico de pesquisa científica e do profissional, no processo de intervenção. Portanto, aqui cabe ressaltar a importância do Saber, conhecimento, conteúdo e referencial teórico; e do Saber ser, relacionado às habilidades do sujeito, responsabilidade pessoal, suas atitudes, sua postura frente às situações que surgem nestes processos e, principalmente, o desenvolvimento da compreensão do outro na realização de projetos comuns (trabalhos em equipe). Consideramos que somos “aprendizes”, alunos pela vida toda, independente de estarmos ou não matriculados em um curso ou programa. A matrícula na vida não se encerra, é contínuo o aprendizado e somente a escola da vida não basta. Refletir sobre as concepções que pesquisador/pesquisado ou avaliador/avaliado têm de homem, sociedade, de ser profissional, do próprio processo de pesquisa ou diagnóstico, dos limites do próprio homem, suas deficiências e competências, responsabilidades, valores morais , éticos, religiosos e tantos outros é tarefa de todos nós. As técnicas de coleta de dados, tanto para um processo como para o outro, necessita de uma escolha adequada que possa garantir a qualidade dos instrumentos de medida com confiabilidade e validade. Confiabilidade, de forma a envolvenr a reprodutibilidade e fidelidade e validade, de forma a envolver a sensibilidade e especificidade. Tanto para o processo metodológico de pesquisa científica como para o processo diagnóstico, a discussão é o ponto principal do trabalho de ambos. A partir da discussão, a conclusão no processo metodológico de pesquisa científica ou a(s) hipótese(s) diagnóstica(s) no processo de diagnóstico são provenientes deste exercício de pensar, de modo lógico, sobre dados levantados e analisados/interpretados. Conseqüentemente, temos as contribuições que um trabalho científico deve trazer à sociedade, as respostas para o problema levantado. Bem como para uma queixa inicial temos a resposta, ou seja, a conduta a ser tomada. Não estamos procurando, portanto, nos processos de diagnóstico e intervenção, um “nome” para a queixa da pessoa, mas sim o que podemos fazer, a partir do entendimento do objeto de estudo, do problema, de sua queixa. “ O ato de avaliar implica coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou quantidade, que se processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O valor ou qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a seu favor ou contra ele. E o posicionamento a favor ou contra o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou quantidade atribuídos, conduz a uma decisão nova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele.” (LUCKESI, 1996, p. 93). Referências CHIARI, Brasília M. O diagnóstico em fonoaudiologia – Um ponto de vista. In: SCOZ, B.J.L., BARONE,L.M.C., CAMPOS, M.C.M. e MENDES, M.H. Psicopedagogia – contextualização, formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. HÜBNER, Maria Martha . Guia para elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e doutorado. Revisão Janice Yunes Perim. São Paulo: Editora Pioneira : Mackenzie, 1998. LUCKESI, C.C. Verificação ou avaliação: o que pratica a escola. In: _____________. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez,1996, 4ª ed.
 
Contato: a.claudia.reis@uol.com.br
 

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