Código: PDL1340
EFICÁCIA DE UM PROGRAMA DE ORIENTAÇÃO PARA CUIDADORES DE AFÁSICOS EM POPULAÇÃO BRASILEIRA
 
Autores: Thais Helena Machado, Letícia Lessa Mansur
Instituição: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
 
INTRODUÇÃO
Lesões que comprometem o território da artéria cerebral média no hemisfério esquerdo de indivíduos destros freqüentemente provocam disfunções na linguagem (Damásio, 1992; Alexander, 1997).
Variáveis psicossociais, relacionadas ao meio ambiente e atitudes do paciente vêm merecendo espaço na larga variedade de fatores que determinam o prognóstico de recuperação do paciente, já que estudos com foco principal na família e cuidadores têm demonstrado resultados terapêuticos favoráveis.
Em nosso meio, é desconhecida a maneira como os cuidadores lidam com informações sobre a lesão, a doença (Acidente Vascular Encefálico - AVE e afasia), atitudes de auxílio, as expectativas de ajuste do paciente e a possibilidade de existência de ajustes diferenciados em relação ao tempo decorrido de lesão e em relação aos diferentes déficits.
No final da década de 80 surgiram estudos (Williams,1993; Müller e Code, 1989; Lyon, 1994; Kagan, 1998; Tsouna-Hadjis e cols, 2000) que se preocuparam com o planejamento integrado do tratamento da comunicação e obtenção de bem estar.
Nossa investigação é sobre a comunicação entre cuidadores e afásicos e os efeitos de programa de intervenção, fundamentado em modelo multidimensional.

OBJETIVO
Estudar o impacto de ações educativas na percepção de funcionalidade da comunicação do indivíduo.

MÉTODO
A) Participantes afásicos
Participaram dez afásicos do ambulatório de neurolingüística do Curso de Fonoaudiologia e Divisão de Clínica Neurológica do HCFMUSP e do Centro de Docência e Pesquisa do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP. Sete, eram do gênero feminino, e três, do masculino, com média de idade de 62,7 anos, escolaridade média 5,8 anos e diferentes ocupações.
Foram incluídos participantes que apresentavam AVE diagnosticado há pelo menos dois meses e afasia e, excluídos, os que apresentassem doenças neurológicas além do AVE, que consumissem drogas com possível efeito no sistema cognitivo ou com alterações sensoriais disfuncionais.
Os participantes foram agrupados segundo a ordem de chegada ao ambulatório, e constituíram quatro grupos, de afásicos e cuidadores.

B) Participantes cuidadores
Foram incluídos cuidadores com escolaridade mínima de quatro anos e relação de proximidade com o paciente. Foram excluídos aqueles que apresentavam relações conflituosas com os afásicos.
Os cuidadores, familiares dos pacientes, com idade e escolaridade médias de 47,5 anos e 9,4 anos, respectivamente, formaram díades para interagir com os pacientes, fornecer informações sobre sua comunicação e observar suas habilidades e dificuldades nesse domínio.
Todos os participantes e cuidadores consentiram participar da pesquisa, assim como divulgar seus resultados, conforme Resolução 196/96 (CAPEPesq – HCFMUSP).

Materiais e Procedimentos
A avaliação fonoaudiológica foi realizada conforme segue:
I) Avaliação pré-intervenção
1- Teste de Boston (Goodglass et al, 2001).
2- Questionário de avaliação de qualidade de vida, aplicado aos cuidadores, (Ware Shebourne,1993).
3- Questionário, aplicado ao cuidador, sobre a funcionalidade da comunicação do paciente, CAPPA (Whitworth et al,1997), em três partes:
A) entrevista com o cuidador para avaliar sua percepção das habilidades lingüísticas;
B) obtenção de amostra de conversação entre o cuidador e paciente;
C) definição de perfil-resumo, que combina a informação obtida na entrevista e o modelo de conversação, permitindo análise do nível de concordância, discordância ou ausência de evidências entre as duas fontes de informação.
II) Programa de orientação ao cuidador
Após a avaliação, os participantes afásicos e seus cuidadores compareceram às sessões em grupo, que visavam fornecer informações sobre a afasia, detecção e observação de conseqüências da mesma. Além disso, foi incluída a discussão de amostras de comunicação, visando aprimorar a percepção das alterações da comunicação, destacar estratégias positivas e discutir meios de obter estratégias positivas de interação.
Cada grupo participou de seis sessões semanais, de 50 minutos, apoiadas nas amostras de conversação entre o paciente e o cuidador e registradas em vídeo.
III) Avaliação pós-intervenção
Após as orientações, cada cuidador foi reavaliado, em entrevista individual e pela interação com o paciente, registrada em vídeo. Nessa entrevista, foi reaplicado o CAPPA, para dimensionar suas mudanças de percepção e de atitudes e conseqüências na comunicação com o paciente.

RESULTADOS
A maioria dos pacientes selecionados (60%) apresentava lesões cerebrais extensas, com prejuízo significativo em aspectos pragmáticos da comunicação. Dos dez participantes afásicos, três apresentaram predomínio no comprometimento de recepção auditiva. Nos demais sujeitos, foi o déficit na expressão oral que mais se destacou, embora também estivessem comprometidos na compreensão auditiva.
Os participantes foram analisados em grupo e individualmente.

CAPPA - Análise descritiva
Observou-se aumento de concordância do cuidador com o avaliador, entre os momentos pré e pós intervenção, na maioria das díades. O fato de ter havido variação positiva de escore, mesmo quando discreta entre os dois momentos de avaliação, significa que houve aprendizado e mudança de atitude por parte do cuidador.
Nos itens sobre estilos pré-mórbidos, diferenças positivas também foram notadas na maioria das duplas. Variações negativas ocorreram nos itens estilo, pessoas, situações e tópicos.
CAPPA - Análise estatística
A primeira análise teve por objetivo verificar o possível efeito do grupo na percepção dos cuidadores. Os quatro grupos foram comparados entre si, para a observação do cuidador sobre a intensidade da afasia e das mudanças pré-mórbidas, pré e pós-intervenção, expressas por variáveis não paramétricas. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para esse fim. Nessa análise, foram consideradas as concordâncias de observações entre os cuidadores e avaliador-fonoaudiólogo, nos momentos pré e pós-intervenção. Verificou-se semelhança nas percepções entre avaliador-fonoaudiólogo e cuidadores, na maioria dos itens analisados, entre os quatro grupos estudados. A percepção de rupturas na comunicação, no entanto, diferenciou a observação de avaliador e cuidador quando comparados os grupos G1 e G4, pelo Teste de Mann-Whitney, somente no momento da reavaliação.
A segunda análise visou observar o agrupamento espontâneo das díades. Duas análises hierárquicas de Cluster, foram então, realizadas. Dividiu-se o CAPPA em dois blocos: o primeiro, relacionado à percepção de habilidades e inabilidades de conversação atuais - primeira análise, e o segundo bloco, relacionado à percepção de mudanças na conversação pré-mórbida - segunda análise. Na primeira análise encontramos o sujeito 02 destacando-se dos demais, na avaliação e na reavaliação. Esse sujeito também apresentou maior diferença de escore na concordância cuidador- terapeuta, quando se compararam os dois momentos.
No primeiro momento de avaliação, os afásicos com maior dificuldade na compreensão auditiva mostraram-se muito diferentes uns dos outros. No entanto, na reavaliação o agrupamento mostrou semelhanças. Pode-se dizer que os casos restantes assemelham-se nos dois momentos.
Na primeira avaliação da percepção de mudanças pré-mórbidas, na conversação, os participantes com maior dificuldade na compreensão auditiva novamente se agrupam, porém, na reavaliação, um deles manifesta diminuição de pontuação sobre a percepção de estilo, interlocutores e tópicos. Os quatro indivíduos com maior dificuldade na expressão oral assemelham-se tanto na avaliação como na reavaliação, o que pode ser comprovado em seus escores. Já demais participantes que mostraram certa igualdade no primeiro momento, manifestaram importante diferença no segundo momento.
Esses dados revelam que os resultados do teste de Boston não foram determinantes para as respostas sobre a funcionalidade de comunicação, pois se notam agrupamentos de pacientes que apresentavam diferentes classificações afásicas.
A terceira análise centrou-se na verificação das mudanças de percepção, apresentadas pela totalidade dos cuidadores, independentemente dos grupos de origem. Foram comparadas percepções pré e pós-intervenção, pelo teste dos Postos Sinalizadores de Wilcoxon. Não se constataram diferenças significativas em relação à freqüência de problemas de comunicação e mudanças pré-mórbidas, com exceção de uma questão relacionada à produção de erros apráxicos, percebida com maior freqüência no segundo momento.
Qualidade de vida
Na visão dos cuidadores os aspectos mais comprometidos na qualidade de vida foram os físicos, os emocionais e os funcionais. Houve grande alteração entre as respostas dos cuidadores na percepção dos oito domínios do questionário, e, surpreendentemente, para os avaliadores fonoaudiólogos, os aspectos sociais não estavam entre os mais citados como fonte de problemas.
Encontrou-se semelhança nos dois tipos de comparação (análise entre grupos e análise entre os domínios), ou seja, independentemente do grupo, da síndrome afásica e de sua gravidade, não houve diferença estatisticamente significante entre os domínios.
Quanto à percepção dos resultados, apesar de a medida do CAPPA ter mostrado resultados discretos, os relatos de benefícios pelo grupo foram notáveis (percepção subjetiva). Todos os cuidadores mostraram-se muito entusiasmados com o programa e com o bom aproveitamento do conteúdo discutido nas sessões, relataram maior facilidade nas situações de comunicação com o afásico em seu dia-a-dia e, até mesmo, maior motivação do paciente, tanto em casa como para comparecer nas reuniões. Esse último dado pode ser confirmado pelo avaliador-fonoaudiólogo, pois houve assiduidade e entrosamento entre os participantes.

CONCLUSÃO
As orientações aos cuidadores mostraram-se eficazes, apesar de haver discrepância entre os resultados relatados pelos sujeitos e os do questionário CAPPA. A análise de maior número de sujeitos/cuidadores/interlocutores é necessária para que se verifiquem outras adaptações da proposta à realidade brasileira. As lacunas apontadas evidenciam a complexidade do tema reabilitação e a dificuldade de se eleger indicadores de mudanças na comunicação.
 
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Damásio AR. Aphasia. New England Journal of Medicine. 1992; 326: 531-9.

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Contato: thaismachado@yahoo.com
 

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