ESTUDO DE CASO – TRANSTORNO FONOLÓGICO |
Tatiana Bagetti
Comentador(a) de Caso |
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Normalmente o desenvolvimento dos aspectos fonológicos da linguagem de uma criança ocorre de forma gradativa, não-linear, até aproximadamente a idade de 5:0 anos, resultando no estabelecimento do sistema fonológico condizente com o alvo-adulto, que é a fala social em que a mesma está inserida (Lamprecht, 2004). A maioria das crianças não apresenta dificuldade na aquisição dos aspectos fonológicos da linguagem. No entanto, algumas apresentam dificuldades na aquisição fonológica, sem que outras áreas da linguagem estejam defasadas, apresentando desvio fonológico (DF). Segundo Grunwell (1981 1990), as crianças com DF devem apresentar algumas características clínicas, como, por exemplo, fala espontânea quase completamente ininteligível, idade superior a quatro anos (superior à idade na qual a fala da criança é normalmente inteligível para a maioria das pessoas), audição normal para a fala, ausência de anormalidades anatômicas ou fisiológicas nos mecanismos de produção da fala, inexistência de disfunção neurológica relevante à produção da fala, capacidades intelectuais adequadas para a aquisição da linguagem falada, compreensão da linguagem falada apropriada à idade mental e capacidades expressivas aparentemente bem desenvolvidas em termos de abrangência do vocabulário e comprimento médio dos enunciados. No entanto, segundo Mota (2001) a ocorrência do desvio fonológico em sua forma é pura, de acordo com as características propostas por Grunwell (1981), é rara, sendo que algumas crianças podem ter outros problemas como, progresso educacional lento e problemas de atenção e muitas destas crianças têm história familiar de distúrbios de aprendizagem. Alguns autores, como Finger (2000), Vieira (2001) e Linassi (2002) também referem que as crianças com desvio fonológico podem apresentar alterações em outras habilidades, como no processamento auditivo, na consciência fonológica e na memória de trabalho. Algumas crianças com desvio fonológico também possuem distúrbios de leitura e escrita, embora, muitas vezes estas alterações ocorram isoladamente. Também há estudos que indicam que há uma relação entre as dificuldades de leitura e escrita e as desordens de processamento auditivo (Furbeta & Fellippe, 2005), como também há relações entre o desempenho ortográfico e as habilidades metalingüísticas, como a consciência fonológica e a consciência de palavra (Queiroga, Borba & Bogeley, 2005).
A terapia com base fonológica tem contribuído com um tratamento mais efetivo do desvio fonológico, pois o seu objetivo é promover a reorganização do sistema fonológico da criança, através da generalização, que é o uso correto do som-alvo em outros ambientes ou contextos não-treinados. A ocorrência da generalização faz com que o tempo de tratamento seja reduzido, pois desta forma não é mais necessário ensinar todos os sons alterados em todas as posições da palavra. Existem diferentes enfoques de tratamento com base fonológica. No Brasil, os trabalhos de Mota (1990), Keske-Soares (1996), Pereira (1999) e Ardenghi (2004) foram aplicações de diferentes modelos de terapia com base fonológica em crianças com desvios fonológicos e demonstraram a efetividade dos mesmos no tratamento das crianças estudadas, bem como a ocorrência de generalizações em seus sistemas fonológicos.
A seguir será apresentado e comentado os sobre um sujeito que possui desvio (distúrbio) fonológico associado a distúrbio de leitura e escrita. KCA, com 7 anos e 4 meses, apresentava como queixa inicial “trocar o começo das palavras”. No serviço de atendimento fonoudiológico foram realizadas as seguintes avaliações: anamnese, avaliação da linguagem, do sistema fonológico, da consciência fonológica, do processamento fonológico, da linguagem escrita, do sistema miofuncional oral, avaliação auditiva e do processamento auditivo. Verificou-se que a criança apresentou alterações fonológicas, evidenciadas pela presença dos seguintes processos fonológicos: anteriorização de velar, redução do encontro consonantal, simplificação da consoante final, semivocalização e apagamento de líquidas e desonorização de plosiva e fricativa (este último não produtivo-25% de ocorrência). KCA também apresentou alteração na consciência fonológica, no processamento fonológico, na leitura e escrita e no processamento auditivo. Verificou-se que a criança possui um desvio (distúrbio fonológico) associado a uma dificuldade de leitura e escrita. Neste caso, pode-se aplicar um modelo de terapia fonológica e conjuntamente realizar atividades que visem a estimulação do desenvolvimento da leitura e escrita. Os modelos de terapia fonológica que já tiveram sua efetividade comprovada são: Modelo de Ciclos Modificado, Modelo de Oposições Máximas, ABAB-Retirada. Mota (2001) refere que se a criança possui vários processos inapropriados para a idade, é recomendado a utilização do Modelo de Ciclos Modificado, pois este tratamento envolve o tratamento simultâneo de três processos fonológicos. Já as crianças que apresentam um ou poucos processos é recomendado o tratamento pelo Modelo de Oposições Mínimas. No entanto, verifica-se que o tratamento pelo Modelo ABAB-retirada e Oposições Máximas também pode ser aplicado nos casos em que a criança apresenta várias alterações em seus sistema fonológicos. No caso da criança referida, KCA, como possuímos os dados dos processos fonológicos e verificamos que a criança apresenta vários processos, pode ser aplicado o Modelo de Ciclos. Recomenda-se que não sejam aplicados processos não produtivos ou que tenham uma ocorrência de 100%. Sugere-se abordar os processos semivocalização de líquida, redução do encontro consonantal e substituição da consoante final. Para aplicar o Modelo de Oposições Máximas, seria necessário verificar os fonemas ausentes e presentes no sistema fonológico do sujeito, a fim de escolher fonemas que pertençam a hierarquia de Gierut (1992) em que são previstas maiores mudanças fonológicas: dois fonemas novos, com diferença máxima de traços e traços de classe principal. Caso fosse aplicado o Modelo de Oposições Máximas Modificado, também seria necessário realizar uma análise por traços distintivos, a fim de verificar os traços que a criança apresenta dificuldade. Analisando os processos fonológicos, pode-se verificar que a criança ao realizar anteriorização de velar, apresenta dificuldade com o traço [dorsal], e ao realizar dessonorização, possui dificuldade com o traço [+voz]. Na terapia poderia abordar estes traços, no entanto, seria necessário, como referido antes, realizar uma análise por traços distintivos, a fim de verificar todos os traços alterados. Concomitantemente a terapia fonológica sugere-se a estimular o desenvolvimento da consciência fonológica, como também o desenvolvimento da leitura e escrita.
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Contato: tatibagetti@brturbo.com |
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