DESAFIOS DA PESQUISA EM FONOAUDIOLOGIA E SAÚDE COLETIVA
Vera Lucia Ferreira Mendes
Palestrante
 
RESUMO Temos assistido uma crescente ampliação de pesquisas em Fonoaudiologia no campo da Saúde Pública, mas o que elas nos mostram e a que tentam responder? E o mais importante: quais os principais desafios a serem enfrentados pela Fonoaudiologia no sentido de produzir uma maior consistência teórica e metodológica das pesquisas em Saúde Coletiva? Em primeiro lugar, não podemos esquecer que ainda temos a tarefa de qualificar a formação de nossos profissionais, promovendo uma maior circulação nos universos conceituais e teóricos deste campo de conhecimento. Só assim, poderemos aprofundar a discussão sobre o método, bem como, (re)avaliar as concepções de empreendimento científico que estão subjacentes tais propostas investigativas. Por exemplo, há um crescente interesse da área por estudos epidemiológicos, valorizando aí, questões relacionadas à possibilidade de instituir um sistema de informação dos principais agravos à saúde relacionados ao campo fonoaudiológico, que possam alçar a condição de prioridades no desenvolvimento de políticas públicas de saúde e na sua vinculação com as intervenções necessárias da nossa disciplina em serviços de saúde. Tais pesquisas, sem sombra de dúvida, são de grande relevância não apenas para o desenvolvimento científico da Fonoaudiologia, mas também como efeito no acesso da população a serviços de saúde que promovam os cuidados à saúde que se referem aos distúrbios da comunicação. Mas não seria exagero dizer, que a maioria destas pesquisas, ainda nos coloca o problema da fragilidade teórica e metodológica dos fonoaudiólogos especificamente ao campo de conhecimento da saúde coletiva. Em alguns trabalhos, vemos a tentativa de estabelecer a probabilidade de adoecer a partir da exposição a um determinado fator de risco. No entanto, ainda são raros os trabalhos que lidem com metodologias que estabeleçam uma referência confiável de risco, uma vez que, a probabilidade de adoecer depende de uma considerável combinação de fatores e, se se deseja construir um indicador de risco pela investigação epidemiológica, deve-se considerar pelo menos três medidas: risco absoluto (casos novos em um grupo, num dado período), risco relativo (quantas vezes o risco é maior em um grupo quando comparado a outro) e risco atribuível (diferença de incidência de dois grupos, atribuída à exposição do fator de risco). Em outros, observa-se uma tendência a estudos de prevalência, tentando mapear os casos existentes numa dada coletividade, mas poucos são os estudos de incidência, ou seja, aqueles que mostram o número de casos novos em um grupo, num certo período. Poucos são os estudos de análise do planejamento, implantação e avaliação das ações de saúde, que possam evidenciar a variedade e complexidade dos modos de produção de novas tecnologias em serviços, dos dispositivos clínicos por eles gerados, bem como dos diferentes fatores culturais e sociais implicados nos modos pelos quais a população lida com a sua saúde. Embora o uso da epidemiologia em pesquisas tenha avançado na direção de conhecer um problema de saúde na população e as razões de sua produção, as pesquisas até aqui realizadas, em sua maioria, são estudos preliminares, que indicam o movimento inicial da área de gerar dados sobre a saúde de grupos populacionais específicos, ou seja, de estabelecer alguns indicativos de necessidades e características desses grupos, bem como, apontar formas de proteção que vise diminuir os riscos à saúde. E, o mais importante, é que pouco nos perguntamos a respeito das concepções de modelos científicos que estão na base de nossas escolhas metodológicas. Em geral, o que predomina é a tradição Aristotélica, onde o conhecimento produzido, só tem validade científica quando se propõem a ter a capacidade de universalização. Ou seja, o que caracteriza a Ciência é seu caráter redutor, sua capacidade de apreender, pelos resultados de pesquisas científicas e seguindo métodos considerados válidos de redução formal, os aspectos que falem de uma espécie de essência verdadeira do objeto estudado. Neste sentido, é preciso refletir com mais cuidado sobre os instrumentos e modos de fazer epidemiologia, uma vez que, a tendência à supervalorização (e às vezes absolutização) de indicadores epidemiológicos como instrumento de compreensão dos problemas de saúde e de planejamento de ações, principalmente quando, inspirados pelo positivismo, acabam por gerar medições que reiteram a idéia de pureza metodológica e, por isso mesmo, restringem as possibilidades de análise e de intervenção na realidade. Ou seja, ao invés de se preocupar com leis universais e generalizáveis, devemos nos preocupar com contextos específicos de vida e de saúde em grupos sociais concretos. O que estou querendo dizer é que a epidemiologia pode ser um importante instrumento na efetuação de diagnósticos de grupos populacionais, na construção de indicadores de saúde e na identificação das necessidades da população, desde que, sejam produzidos de modo articulado com os elementos sanitários, assistenciais, ambientais, geopolíticos e sócio-culturais que compõe os processos de saúde-doença de territórios locais. Outro aspecto fundamental a ser considerado é que a Fonoaudiologia, enquanto prática social, deve investir em metodologias que dêem conta de pensar e produzir conhecimento a respeito do seu caráter terapêutico. E, neste sentido, as pesquisas clínicas no campo da saúde coletiva, são fundamentais, no sentido de abrir espaço para o plano do viver, da experimentação, como tentativa de ampliar as possibilidades de compreensão e de intervenção na realidade sanitária brasileira. A Clínica é um campo essencial para operar com a saúde nos coletivos, uma vez que a intervenção apenas orientada pelo reconhecimento de um risco epidemiológico pouco pode responder às necessidades de saúde das pessoas. Pensada como campo de saber e não na especificidade de uma disciplina clínica em particular, nos convoca a pensá-la como potência de enfretamento do sofrimento em suas muitas faces e desdobramentos; e não como isolamento das doenças e dos indivíduos. É o plano clínico que nos traz a possibilidade de singularização dos processos de adoecimento e de desenvolvimento de práticas de acolhimento, vínculo, responsabilização e ampliação da autonomia das pessoas. A valorização desses aspectos como objetos de estudo de pesquisas no campo fonoaudiológico, me parece ser, como diz Ayres , “um compromisso fundamental quando se quer cuidar. (...) Mais que tratar de um objeto, a intervenção técnica se articula verdadeiramente com um cuidar quando o sentido da intervenção passa a ser não apenas o alcance de um estado de saúde visado de antemão, nem somente a aplicação mecânica das tecnologias disponíveis para alcançar este estado, mas o exame da relação entre finalidades e meios, e seu sentido prático para o paciente(...).” Por fim, não poderia deixar de mencionar o papel estratégico das instituições de ensino e pesquisa na afirmação de um compromisso com uma ética da processualidade e da responsabilidade social do trabalho fonoaudiológico na saúde pública. Tal compromisso, passa pelo compromisso de integrar tais saberes, de investir com maior rigor no arcabouço conceitual e metodológico do campo da saúde coletiva, bem como de investir nos diferentes saberes tecnológicos e metodológicos, seja no campo das políticas públicas, do planejamento e Gestão, ou da Assistência à Saúde.
 
Contato: veralfm@uol.com.br
 

Imprimir Palestra