Código: PDL0954
MEMÓRIA DE TRABALHO E CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO DESVIO FONOLÓGICO
 
Autores: Michele Gindri Vieira, Helena Bolli Mota, Márcia Keske-soares
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA-UFSM/RS
 
INTRODUÇÃO: As habilidades em memória de trabalho e em consciência fonológica fazem parte do processamento fonológico e estão relacionadas à aprendizagem da leitura e da escrita. Crianças que apresentam desvio fonológico podem ter dificuldades nessas habilidades e podem ser consideradas de risco para o processo de alfabetização. O desvio fonológico caracteriza-se como uma dificuldade específica para o aprendizado da fala, na ausência de fatores etiológicos conhecidos e detectáveis, como dificuldade geral de aprendizagem, déficit intelectual, desordens neuromotoras, distúrbios psiquiátricos ou fatores ambientais (GRUNWELL, 1981). O desvio fonológico pode ser classificado em diferentes tipos de severidade (KESKE-SOARES, 2001). O modelo de BADDELEY & HITCH (1974 apud GATHERCOLE & BADDELEY, 1993), revisado por BADDELEY (1986), explica a memória de trabalho como um sistema de memória de curto prazo que está envolvido no processamento temporário e na estocagem da informação e que desempenha um papel importante enquanto subsídio para diversas atividades cognitivas, como as relacionadas à linguagem e ao aprendizado a longo prazo (EYSENCK & KEANE, 1994; BADDELEY, 1998). Este modelo está formado por três componentes principais: o executivo central e seus dois sistemas subordinados, o circuito fonológico e o registro visuo-espacial. Neste estudo foram investigados o executivo central e o circuito fonológico, onde é processada a memória fonológica. O executivo central regula o fluxo de informações dentro da memória de trabalho (GATHERCOLE & BADDELEY, 1993) e integra as informações que chegam dos sentidos e da memória de longo prazo (STERNBERG, 2000). O circuito fonológico é um sistema especializado em processar e armazenar material verbal e atua na aquisição da leitura, na consciência fonológica, na aquisição da linguagem e do vocabulário, na aquisição da segunda língua e no processamento de material verbal novo (NUNES, 2001). Segundo MOOJEN et al. (2003), a consciência fonológica inclui a capacidade de refletir (constatar e comparar) e a capacidade de operar com fonemas, sílabas, rimas e aliterações (contar, segmentar, unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor).
OBJETIVO: Investigar o desempenho de crianças com desvio fonológico nas habilidades em memória de trabalho e em consciência fonológica e verificar se estas habilidades estão relacionadas entre si, com a idade cronológica e com a severidade do desvio fonológico.
MÉTODO: A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e os responsáveis permitiram a participação das crianças por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra foi formada por 28 crianças com desvio fonológico, com idades entre 4 anos e 6 anos e 7 meses, não alfabetizadas, com hipótese de escrita pré-silábica, e foi dividida em dois grupos, sendo um com 21 crianças com desvio fonológico mais severo e outro com 7 crianças com desvio fonológico mais leve. Inicialmente foi realizada uma triagem fonoaudiológica que teve como objetivos observar o desenvolvimento da linguagem, o sistema estomatognático, a articulação dos fonemas, servindo como mecanismo para excluir crianças que tivessem alteração de linguagem, com exceção do componente fonológico, alteração apenas fonética, e também aquelas que apresentassem alterações evidentes nos aspectos neurológico, cognitivo, psicológico e/ou emocional. Foram realizadas avaliações fonoaudiológicas para o diagnóstico do desvio fonológico, como avaliações fonológicas para determinar o sistema fonológico, com a utilização do instrumento de avaliação fonológica, proposto por YAVAS, HERNANDORENA & LAMPRECHT (1991). Para classificar a severidade da fala foi utilizada a medida qualitativa do desvio fonológico proposta por KESKE-SOARES (2001). Foi realizada, também, avaliação audiológica a fim de verificar se os níveis de audição das crianças estavam dentro dos padrões de normalidade para que não interferissem na fala. O desempenho das crianças na avaliação da memória de trabalho foi verificado através da tarefa de repetição de seqüências de dígitos (BOGOSSIAN & SANTOS, 1977) – para avaliar o executivo central e a memória fonológica; e da tarefa de repetição de não-palavras (KESSLER, 1997) – para avaliar especificamente a memória fonológica. O desempenho na avaliação de consciência fonológica também foi verificado, incluindo tarefas de consciência silábica e fonêmica (CONFIAS - MOOJEN et al., 2003). Para analisar a correlação entre as medidas foram utilizados os testes Coeficiente de Pearson e Coeficiente de Spearman e para verificar se as diferenças de médias entre os grupos eram significativas foram utilizados os testes t e Kruskal-Wallis.
RESULTADOS: Através da análise de correlação verificou-se que: 1) a amostra apresentou desempenho inferior em memória fonológica e em consciência fonológica quando comparado ao desempenho de crianças com desenvolvimento fonológico normal de outras pesquisas; 2) houve correlação significativa entre a tarefa de repetição de não-palavras e de consciência de sílabas; 3) houve uma correlação estatisticamente significativa entre idade e tarefa de repetição de não-palavras e uma fraca correlação entre idade com a repetição de dígitos e com a consciência fonológica. Na comparação entre o desempenho dos grupos verificou-se que as crianças com desvio fonológico mais severo apresentaram desempenhos inferiores em todas as tarefas do que o grupo com desvio fonológico mais leve, sendo esta diferença significativa nos escores totais de consciência fonológica e na consciência fonêmica.
CONCLUSÕES: Concluiu-se que crianças com desvio fonológico em idade pré-escolar, quando consideradas como um grupo e não individualmente, apresentam pior desempenho em tarefas de consciência fonológica e de memória fonológica do que grupos de crianças com desenvolvimento fonológico normal. Autores como WEBSTER & PLANTE (1992), referem que o desvio fonológico pode afetar a habilidade da criança em manter informações fonológicas na memória de trabalho para realizar tarefas de consciência fonológica. Para LOWE & WEITZ (1996), algumas crianças com distúrbio fonológico têm dificuldades em consciência fonológica, pois possuem déficits no conhecimento do seu sistema fonológico. Constatou-se, ainda, que as habilidades em memória de trabalho e em consciência fonológica estão correlacionadas significativamente. O resultado obtido neste estudo de que a idade e a tarefa de repetição de não-palavras (memória fonológica) estão correlacionadas significativamente está de acordo com o referido por GATHERCOLE & BADDELEY (1993), GATHERCOLE et al. (1994) e CIELO (2001), de que a memória fonológica, bem como o número de acertos nas tarefas de memória fonológica e o processamento de um maior número de elementos, aumentam em função da idade. Não foi constatado aumento evidente na capacidade da memória de trabalho entre as idades de 4 e 6 anos, quando considerado o aumento na extensão de dígitos repetidos corretamente. O fato da idade não estar correlacionada significativamente com a consciência fonológica, discorda de autores como CARVALHO, ALVAREZ & CAETANO (1998) e VIEIRA, MOTA & KESKE-SOARES (2004), que encontraram que o desenvolvimento da consciência fonológica está relacionado com a idade cronológica. Porém, considerando a faixa etária e o fato de que as crianças do presente estudo não estavam alfabetizadas, concorda com CIELO (2001). A autora verificou que nas faixas etárias entre 4 e 6 anos não houve um crescimento muito diferenciado da consciência fonológica e sim, entre estas idades em comparação com as idades de 7 e 8 anos, quando houve a influência da alfabetização no desenvolvimento da consciência fonológica. Quanto à influência da severidade do desvio fonológico na habilidade de crianças com desvio fonológico em tarefas envolvendo memória de trabalho e consciência fonológica concluiu-se que crianças com desvio mais severo apresentam pior desempenho do que crianças com menos alterações na fala, com diferença estatisticamente significativa nas tarefas de consciência fonológica.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BADDELEY, A.D. Working memory. Oxford: Claridon press, 1986. 282p.
_____ . Human memory: theory and practice. Boston: Allyn and Bacon, 1998. 423p.
BOGOSSIAN, M.A.D.S.; SANTOS, M.J. Adaptação brasileira do teste Illinois de habilidades psicolingüísticas. Florianópolis: Tamasa, 1977.
CARVALHO, I.A.M.; ALVAREZ, A.M.M.A.; CAETANO, A.L. Perfil das habilidades fonológicas. São Paulo: Lettera, 1998. 12p.
CIELO, C.A. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. 2001. 144 f. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.
EYSENCK; M.W.; KEANE, M.T. Psicologia cognitiva: um manual introdutório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 490p.
GATHERCOLE, S.E.; BADDELEY, A.D. Working memory and language. Hove: Lawrence Erlbaum, 1993. 266p.
GATHERCOLE, S.E. et al. The children’s test of nonword repetition: a test of phonological working memory. In: GATHERCOLE, S.E; McCARTHY, R.A. Memory tests and techniques. Hove, UK: Lawrence Erlbaum Associates, p.103-128, 1994.
GRUNWELL, P. The nature of phonological disability in children. London: Academic Press, 1981.
KESKE-SOARES, M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos. 2001. 193 f. Tese (Doutorado em Letras. Área de Concentração – Lingüística Aplicada) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.
KESSLER, T.M. Estudo da memória operacional em pré-escolares. 1997. 36f. Dissertação (Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1997.
LOWE, R.J.; WEITZ, J.M. Intervenção. In: LOWE, R.J. Fonologia: avaliação e intervenção: aplicações na patologia da fala. Porto Alegre: Artes Médicas, p.159-188, 1996.
MOOJEN, S. (Coord.). Consciência fonológica: Instrumento de avaliação seqüencial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. 37p.
NUNES, M.V.R.S. A aprendizagem da leitura e o “loop” fonológico. RFML, série III, v.6, n.1, p.21-28, 2001.
STERNBERG, R.J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000. 494p.
VIEIRA, M.G.; MOTA, H.B.; KESKE-SOARES, M. Relação entre idade, grau de severidade do desvio fonológico e consciência fonológica. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v.9, n.3, p.144-150, jul./set., 2004.
YAVAS, M.; HERNANDORENA; C.L.M.; LAMPRECHT, R.R. Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 148p.
WEBSTER, P.E.; PLANTE, A.S. Effects of phonological impairment on word, syllable, and phoneme segmentation and reading. Language, Speech, and Hearing Services in Schools, v.23, p.176-182, april, 1992.
 
Contato: michelegvieira@yahoo.com.br
 

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