VOZ PROFISSIONAL: CONCEITUANDO PREVENÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE |
Marcia Simões
Palestrante |
Instituição: CURSO DE FONOAUDIOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP |
|
Os programas de prevenção e promoção da saúde são importantes ferramentas na área de voz profissional.
O fonoaudiólogo inserido no serviço público e que atua em atenção primária tem como atribuição o trabalho em saúde coletiva. Na maioria das vezes acaba desenvolvendo atividades junto às escolas da região e, dessa forma, sua principal clientela na área de voz profissional se constitui por professores.
Como se sabe, os professores compõe uma das principais categorias que sofrem com os distúrbios da voz, fato que não ocorre só no Brasil.
A natureza multifatorial desse distúrbio dificulta o estabelecimento dos fatores de risco que expliquem essa alta ocorrência de disfonia. A partir de estudos realizados observa-se que para alguns grupos o impacto de fatores do ambiente, como ruído e poeira é significativo. Já para outros grupos esses fatores não se mostraram tão importantes, mas sim aspectos como tempo na profissão e idade. Também quanto ao nível de ensino (educação infantil, ensino fundamental, médio e superior) e disciplina ministrada não há consenso, aparecendo em alguns estudos certa tendência de maior ocorrência nos professores da educação infantil e primeiras séries do ensino fundamental, assim como em professores de educação física. O que se tem observado nas pesquisas é que tanto o mau uso quanto o abuso vocal sempre estão presentes nos professores que apresentam queixa ou alteração de voz, assim como o pouco conhecimento sobre o uso adequado da voz no trabalho e desconhecimento quanto aos fatores de higiene vocal. Muitas vezes, quando há o conhecimento não há a prática, ou seja, em grupos onde os professores sabiam o que faz mal para a voz ainda assim havia fatores negativos no dia-a-dia, como por exemplo, a baixa ingestão de água.
Dessa forma, acredita-se importante pensar nas pesquisas que realizamos e nas que iremos realizar de forma a responder duas grandes perguntas: quais os fatores que realmente podem ser chamados “de risco” para a ocorrência de disfonia em professores e como instrumentalizá-los de maneira efetiva para o uso profissional adequado da voz?
Os programas de promoção à saúde do professor com ênfase na voz podem se beneficiar do referencial teórico proposto pela Epidemiologia para trilhar esse caminho.
Epidemiologia é definida como estudo da freqüência, distribuição e determinantes dos estados ou eventos relacionados à saúde em específicas populações e aplicação desses estudos no controle dos problemas de saúde (J. Last 1995).
As quatro grandes áreas de aplicação da epidemiologia nos serviços de saúde são: análise da situação de saúde, identificação de perfis e fatores de risco, avaliação epidemiológica de serviços e vigilância em saúde pública.
A análise da situação de saúde refere-se ao acompanhamento e análise sistemáticos da evolução de indicadores demográficos, sociais, econômicos e de saúde, para melhor compreensão dos determinantes das condições de saúde e de bem-estar da população. Esses indicadores poderiam auxiliar na compreensão global dos dados encontrados em cada população de professores com quem trabalhamos, possibilitando e facilitando a interpretação dos dados, mas não tem feito parte da nossa prática a utilização dos indicadores que já existem, bem como a construção de indicadores específicos. Por exemplo, não se sabe como os distúrbios da voz se comportam na população brasileira em geral, nem como os indicadores demográficos, sociais, econômicos e de saúde podem estar relacionados à maior ou menor ocorrência de disfonia em determinados grupos. É importante destacar que, para que indicadores específicos possam ser construídos, é necessário se considerar os mesmos parâmetros na definição de caso, ou seja, o que deve ser levado em conta para classificar a voz do professor em normal ou alterada.
A identificação de perfis e fatores de risco constitui-se em identificar grupos da população mais vulneráveis e os fatores de risco associados. Isso tem sido muito feito na área de voz profissional do professor, chegando até a se tornar exaustiva e aparentemente inesgotável essa busca pelos perfis dos diversos grupos de professores junto aos quais estamos atuando. É um pouco mais tímida nossa busca pela associação entre disfonia e os diversos aspectos que aparecem na literatura como potenciais fatores de risco para este problema. Dessa forma temos observado uma grande (e quase exclusiva) concentração dos esforços em traçar o perfil vocal do professor. Nos primeiros estudos essa tendência poderia ser justificada pela inserção do fonoaudiólogo nos serviços e sua necessidade em conhecer / reconhecer o distúrbio da voz do professor como algo coletivo. É importante lembrar que nossa atuação sempre foi muito clínica e o contato que tínhamos com os professores com problemas de voz se dava nos consultórios, de maneira individual. Foi necessário desenvolver outro olhar. Hoje já se acredita que este é um grupo vulnerável quanto ao aspecto da voz e que são necessárias medidas específicas para se cumprir o objetivo da eqüidade proposto pelo SUS e reiterado pela Promoção da Saúde. Mas o que se vê é que a tendência de estudos de identificação de perfis se manteve, mesmo após se ter constatado essa vulnerabilidade. No Congresso de Fonoaudiologia do ano passado 45% dos 36 trabalhos apresentados sobre voz do professor eram perfil vocal ou levantamentos de queixas vocais. É claro que é fundamental conhecer a população com a qual se vai trabalhar e por isso o perfil vocal é necessário, mas como um primeiro passo e não se encerrando nele mesmo. Já em relação ao estabelecimento dos fatores de risco para disfonia junto aos professores é necessário avançar nas pesquisas, realizando estudos com delineamento do tipo caso-controle e utilizando análises estatísticas que possam dar conta da questão multifatorial. Programas que pretendem diminuir a ocorrência de alteração vocal em grupos de professores inevitavelmente deverão buscar minimizar o efeito desses fatores. Conhecer os fatores de risco também possibilita agilizar o trabalho em grandes populações na medida em que se poderão identificar mais facilmente por meio de rastreamentos quais os professores ou grupos de professores que apresentam maior número de fatores de risco e que devem ter prioridade nas ações de prevenção ou promoção da saúde.
A avaliação epidemiológica de serviços está voltada para a avaliação de um programa desenvolvido por um sistema de saúde. Isso pode ser feito verificando se as atividades previstas foram implementadas com êxito, ou ainda, pode se verificar o impacto do programa na evolução de indicadores de saúde ou na freqüência dos agravos à saúde contemplados pelo programa. Visa estabelecer a efetividade (definida como habilidade de um programa produzir os resultados nas condições de campo) e a eficiência (definida como capacidade de um programa de alcançar os resultados pretendidos dependendo de um mínimo de recursos) do programa. Em relação a esta área, pode-se dizer que há um crescimento, principalmente fora do Brasil, de estudos controlados para medir a efetividade e eficiência dos programas voltados à formação do professor para o uso da voz. É imprescindível que também em relação a este aspecto se atenda a critérios de padronização quanto à definição de caso e de todos os outros parâmetros que se espera modificar, pois só assim poderá ser verificado se houve sucesso com o programa em questão. No Brasil, o que se vê nos poucos trabalhos publicados não é nem a falta de padronização, uma vez que a maioria nem sequer realiza avaliação dos professores participantes dos programas. Além disso, quando há o interesse em avaliar a efetividade do programa isto é feito apenas de maneira subjetiva, a partir das impressões pessoais dos professores, como ter ou não gostado do programa oferecido. É fundamental que esses profissionais passem por um processo de avaliação, ainda que mínimo como uma triagem vocal, e que as análises de comparação do antes e depois sejam consistentes, envolvendo também os testes estatísticos apropriados. Só a partir da análise subjetiva somada à análise objetiva se poderá saber se para aquele grupo o programa está ou não sendo efetivo e, quando não se observarem os resultados esperados, que se possa detectar onde estão os problemas e rever sua estruturação.
Por fim, temos a área da vigilância em saúde pública, definida como “a observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças mediante a coleta sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbidade, assim como de outros dados relevantes, e a regular disseminação dessas informações a todos que necessitam conhecê-la” (Langmuir 1963). Em relação a este item, acredita-se que ele só fará parte do panorama da ação da fonoaudiologia na voz profissional do professor quando todas as outras áreas referidas anteriormente apresentarem maior avanço. Quando houver maior conhecimento científico sobre a alteração vocal do professor, quando houver uma prática estabelecida de programas voltados à diminuição da ocorrência de disfonia neste grupo, quando esses programas tiverem avaliação criteriosa e contínua, poderemos saber o quanto se consegue diminuir realmente essa ocorrência, controlá-la e acompanhá-la nos grupos específicos.
Sendo assim, por mais que tenhamos estudado a problemática da voz do professor, muito temos ainda a realizar para que realmente possamos beneficiar este profissional com nossa atuação. A Epidemiologia e a Promoção da Saúde são importantes aliados neste processo trazendo contribuições teóricas e práticas fundamentais para que o nosso fazer seja revisto e ampliado. |
|
Contato: marciasz@usp.com.br |
|

Imprimir Palestra |
|