PESQUISA EM TRANSTORNOS DE LINGUAGEM ESCRITA |
Simone Aparecida Capellini
Palestrante |
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Dentre os transtornos da linguagem escrita, a dislexia do desenvolvimento é caracterizada como um transtorno específico da aprendizagem da leitura e vem sendo descrita desde a década de 70 como de natureza genética-neurológica. Dentre as bases etiológicas deste transtorno específico de aprendizagem encontramos:
a) questões referentes a anatomia neurológica: vários estudos de Galaburda1-3 apontam anomalias de migração celular que afetam a região perisilviana – hemisfério esquerdo entre a 16a e 24a semana gestacional ; diferenças anatômicas nos cérebros de indivíduos do sexo masculino e feminino quanto a: simetria do plano temporal; anomalias de desenvolvimento do córtex cerebral e do corpo geniculado lateral e medial; ectopias; microgiria (região pré-frontal inferior), região subcentral, região parietal, giro angular e supramarginal, giro temporal posterior e superior e região têmporo-occipital.
Em estudo realizado em 2003, Galaburda e Cestnick3 referiram que as anomalias neurológicas que ocorrem no período de desenvolvimento cerebral embrionário são responsáveis pelas anomalias funcionais das redes neurais que comprometem o processamento dos sons. Sendo assim, os autores apontam que as anomalias anatômicas e interconexões anormais presentes nas regiões do cérebro responsáveis pelo processamento dos sons pré-lingüísticos, como o corpo geniculado medial; processamento lingüístico, como a região perisilviana posterior e processamento metalingüístico, como o córtex frontal e a parte anterior do lobo temporal explicaria porque os indivíduos disléxicos apresentam transtornos perceptivos-cognitivos e visuais-auditivos para realização do processamento bottom-up (acesso exterior de estímulos visuais e auditivos) e top-down (processos de abstração, categorização e generalização) da leitura.
Atualmente, os estudos com neuroimagem funcional são os que proporcionam aos pesquisadores maior entendimento sobre a base neurológica da dislexia do desenvolvimento. Os transtornos nos processos cognitivos e subjacentes à leitura podem ser causados por uma dissolução de uma rede neuronal espacialmente distribuída. A Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), a Tomografia Monofotônica (SPECT) e os estudos funcionais de Ressonância Magnética (RMf) podem proporcionar a capacidade de medir a atividade metabólica envolvida na atividade cerebral ampliadamente distribuída em oposição as medidas anatômicas mais localizadas realizadas nos estudos neuropatológicos e neurorradiológicos.
Rumsey et al.4, utilizou a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) para demonstrar que os indivíduos com dislexia não apresentam ativação do córtex temporo-parietal esquerdo, e esta ausência de ativação foi observada pelos autores em menor medida para a região temporo-parietal direito.
Shaywitz et al.5 em seu estudo, realizou a medição através de Ressonância Magnética Funcional (RMf) da atividade cerebral de indivíduos disléxicos submetidos a tarefas de linguagem que exigiam a participação do processamento visuoespacial, análise fonológica simples e complexa e provas de julgamento léxico-semântico. Os resultados revelaram a presença de uma alteração funcional no cérebro dos disléxicos caracterizada por uma hipoativivação na área de Wernicke, na circunvolução angular e no córtex estriado, com relativa hiperativação em nível da circunvolução frontal inferior. Os autores sugeriram que a dislexia tem uma natureza fonológica e que os padrões de ativação cerebral encontrados neste estudo poderiam representar uma característica neurológica da dislexia do desenvolvimento.
No Brasil, ainda são poucos os estudos que correlacionam os exames de neuroimagem funcional e a avaliação clínica de indivíduos com dislexia. Entre eles, destaco o estudo de Ciasca6 e Pestun, Ciasca, Gonçalves7, Ciasca8 que revelaram a ocorrência de hipoperfusão da porção mesial do lobo temporal em crianças com distúrbio de aprendizagem e dislexia do desenvolvimento.
Compreender a correlação clínica-neurológica envolvida na dislexia do desenvolvimento têm sido o desafio de pesquisadores da área das ciências cognitivas, neurociências, neuropsicologia e neurobiologia interessados no maior entendimento das alterações estruturais que estas crianças sofrem e que comprometem de uma forma significativa o processamento de sons verbais (fonemas, palavras), não-verbais e tarefas visuais. Todavia, uma das maiores contribuições dos estudos realizados nas áreas acima citadas foi o entendimento de que a dislexia do desenvolvimento tem sua origem durante o período embrionário, significando que a mesma não é conseqüência de um problema ambiental ou social, mas decorrente de um dano neurológico que ocorre no período de desenvolvimento fetal.
b) questões referentes a genética: vários estudos9-14 apontam a relação entre o padrão de herança e a dislexia do desenvolvimento, ou seja, crianças filhos de pais com problemas de leitura teriam maior probabilidade de apresentarem este transtorno, como apontam também a participação de alguns genes localizados no braço curto do cromossomo 15, no braço curto do cromossomo 2 e no cromossomo 6, como responsáveis pela dificuldade da leitura.
Devido ao caráter genético-neurológico deste transtorno específico da aprendizagem as recentes pesquisas tem enfocado o processamento metafonológico e metasintático tanto das crianças como de seus familiares quando há histórico de fracasso no processo de alfabetização dos mesmos.
Referências Bibliográficas
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8. CIASCA, S.M. Estudo comparativo das avaliações neuropsicológicas e de neuroimagem em crianças com distúrbio específico de leitura. Tese de livre docência apresentada à Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2005.
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10. GRIGORENKO, E.L.; WOOD, F.B.; MEYER, M.S.; HART, L.A.; SPEED, W.C.; SHUSTER,A.; PAULS, D.L. Susceptibility loci for distinct components of developmental dyslexia on chromossome 6 ans 15. Am. J. Hum. Genet., Chicago, v.60, n.1, p. 27-39, Jan. 199760, p. 27-39, 1997.
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