Código: PPF1182
AVALIAÇÃO DA GAGUEIRA EM IDIOMA ESTRANGEIRO
 
Autores: John Van Borsel, Mônica Medeiros de Britto Pereira
Instituição: GENT UNIVERSITY/UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
 
A identificação da gagueira pode ser difícil em alguns momentos. Estudos desenvolvidos por Curlee (1981), Kully e Boberg (1988), Ingham e Cordes (1997) concluíram que mesmo profissionais treinados nem sempre concordam em relação à identificação de disfluências em amostras de fala. Watson and Kayser (1994) sugeriram que se o cliente apresenta um quadro severo, a identificação da gagueira pode não ser tão difícil, uma vez que a tensão excessiva e os comportamentos secundários são mais facilmente observados, apesar do idioma não ser familiar. A identificação pode ser, no entanto, mais difícil quando o cliente fala um idioma diferente do idioma nativo do fonoaudiólogo. De acordo com Finn e Cordes (1997) há pouca evidência empírica sobre a capacidade de fonoaudiólogos clínicos em realizar diagnósticos confiáveis em gagueira em um idioma não familiar.

Humphrey (2004) investigou se juizes bilíngües (inglês-espanhol) teriam mais facilidade em realizar julgamentos em gagueira do que juizes falantes apenas do inglês e concluiu que a familiaridade com o idioma não fez diferença significativa no julgamento de disfluências no espanhol. Em suas conclusões levantou a possibilidade da influência da demografia, uma vez que o estudo foi desenvolvido na Flórida onde mesmo as pessoas que falam apenas o inglês possuem certa familiaridade com o espanhol.

O presente estudo relata uma pesquisa cujo objetivo foi investigar se pessoas com conhecimento sobre o distúrbio da gagueira são capazes de distinguir entre pessoas fluentes e pessoas que gaguejam em um idioma não familiar, como julgam a severidade da gagueira em clientes que falam um idioma diferente de seu idioma nativo e quais são os fatores que influenciam na identificação da gagueira em um idioma estrangeiro.

Para a pesquisa foram organizadas duas fitas de vídeo com amostras de fala de dez pessoas, cinco das quais fluentes e cinco gagas. Uma das fitas continha amostras de falantes do Português Brasileiro (PB) e a outra de falantes do Holandês (H). O grau de severidade dos falantes gagos variou de leve à moderada de acordo com avaliação de dois juizes (fonoaudiólogos com experiência em terapia de gagueira), em cada idioma. Dois grupos de juizes, o primeiro composto por 14 alunas do curso de Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida, falantes do PB e o segundo composto por 14 alunas do curso de Fonoaudiologia da Gent University, falantes do H, deveriam assistir às fitas e realizar o julgamento de acordo com questionário confeccionado para o estudo. Cada grupo de juizes deveria assistir primeiro a fita de falantes de seu próprio idioma para depois assistir a fita de falantes do idioma estrangeiro. Os juizes eram informados que iriam julgar amostras de fala de pessoas fluentes e
pessoas gagas. Para cada amostra eram solicitados a responder se: 1- a pessoa era gaga ou não, 2- qual o grau de certeza sobre o seu julgamento, 3- quando considerava a pessoa como gaga também era solicitado a dar o grau de severidade da gagueira e 4- escrever as características que o fizeram achar que a pessoa era gaga, 5- no final da apresentação de cada amostra os observadores deveriam julgar o grau de dificuldade da tarefa.

Resultados: Em relação ao item 1-O grupo de juizes PB apresentaram performance semelhante na identificação da gagueira em ambos os idiomas. Os juizes H apresentaram melhor performance no julgamento dos falantes gagos em seu idioma nativo. Os juizes PB apresentaram melhor performance na identificação de pessoas fluentes em seu próprio idioma. Os juizes H também apresentaram melhor performance na identificação dos falantes fluentes no idioma nativo, mas a diferença não foi significativa. Em relação às amostras de fala do PB, os juizes PB apresentaram melhor performance do que os juizes H e vice-versa. O número de identificações corretas realizadas pelos grupos de juizes variou entre os informantes e entre os juizes.

2-Ambos os grupos de juizes demonstraram mais segurança na identificação de pessoas gagas e fluentes no idioma nativo. No idioma nativo, os juizes H mostraram uma tendência a se sentirem mais seguros na identificação de gagos do que de fluentes, já os juizes PB mostraram uma tendência oposta. No idioma estrangeiro não foi observada nenhuma diferença na performance de ambos os grupos de juizes para a identificação de gagos e fluentes. Ao julgar amostras de fala do PB, juizes H demonstraram menos segurança do que os juizes PB. Já no que se refere ao julgamento das amostras de fala do H, não foi observado diferença significativa na performance de ambos os grupos de juizes. O nível de significância variou de informante para informante e de juiz para juiz.

3- Ao julgar a severidade da gagueira ambos os grupos de juizes apresentaram performance similar, mostrando uma tendência a realizar julgamentos mais amenos para os falantes do PB do que para os falantes do H.

4- Em relação às características que os ajudaram a identificar os falantes gagos, os juizes H apontaram um maior número de características e mais detalhes no H do que no PB, assim como os juizes PB. No entanto, as respostas deste último grupo foram mais detalhadas ao analisar falantes de PB do que de H. Os resultados da comparação dos traços onde os juizes basearam a identificação da gagueira demonstraram que os comportamentos centrais de gagueira foram mais mencionados pelos juizes H do que pelos juizes PB. Juizes H também fizeram mais menção aos comportamentos de evitamento para os falantes do seu idioma nativo. Sincinesias, aspectos emocionais, padrão respiratório, ritmo e velocidade de fala e descrições gerais foram categorias mencionadas mais freqüentemente pelo grupo de juizes PB, apesar de nem sempre em grau significativo ou nem sempre para ambos os idiomas. Interjeições foram mencionadas com mais freqüência, em ambos os grupos, no idioma nativo. Nenhuma diferença foi
observada para frases incompletas, revisões e na categoria “outros”.

5- O grupo de juizes PB assim como o H acharam que é mais difícil julgar a gagueira em um idioma estrangeiro.

Discussão

Os resultados deste estudo confirmam apenas parcialmente a sugestão de Humphrey (2004) sobre a importância da familiaridade com o idioma na avaliação da gagueira. Nossos achados mostraram que os juizes PB apresentaram performance semelhante na identificação da gagueira em ambos os idiomas e que ambos os grupos de juizes apresentaram performance similar na identificação de gagos falantes do PB, o que reforça em parte os resultados de Humphrey. No entanto, também foi observado que os juizes H apresentaram melhor performance na identificação de falantes gagos no idioma nativo. No que se refere à identificação de falantes fluentes ambos os grupos de juizes tiveram mais facilidade no idioma nativo, onde apresentaram melhor performance do que o outro grupo. Ambos os grupos de juizes demonstraram mais insegurança em diferenciar gagos e fluentes no idioma estrangeiro. Quando questionados sobre as características que os ajudaram a identificar os falantes gagos, forneceram mais detalhes no
idioma nativo.

Tais achados indicam que confiar apenas nos sintomas ao identificar a gagueira em um idioma não familiar pode ser arriscado. As análises das identificações incorretas dos juizes mostraram que ambos falso positivo (identificar erroneamente uma pessoa fluente como gaga) e falso negativo (identificar uma pessoa gaga como fluente) podem ocorrer. Portanto ao avaliar a gagueira em idioma estrangeiro o clínico deve se aprofundar em informações adicionais, coletadas possivelmente na anamnese. Outra estratégia que pode ajudar é pedir ajuda, quando possível, a um falante nativo do idioma em questão, como recomendado por Taylor (1986) e Watson e Kayser (1994). Neste sentido, Finn and Cordes (1997) chamam a atenção para a importância do conhecimento do intérprete sobre o distúrbio da gagueira, caso contrário sua contribuição pode não ser de grande valor.

Foram observadas diferenças entre os dois grupos de juizes referentes aos traços que influenciaram na identificação da gagueira. Os comportamentos centrais de gagueira e de evitamento foram mencionados com mais freqüência pelos juizes H, ao passo que sincinesias, aspectos emocionais, padrão respiratório, velocidade e ritmo de fala e descrições gerais foram mais mencionadas pelos juizes PB. Este achado pode refletir diferenças no treinamento ministrado aos dois grupos de juizes e no foco dado a certos aspectos do distúrbio. De qualquer forma, divergências entre diagnósticos, mesmo entre pessoas com grande experiência no tratamento de gagueira, costumam ocorrer (Kully & Boberg, 1988; Cordes & Ingham, 1995).

Cordes and Ingham (1995) sugeriram a criação de um banco de dados audiovisual com amostras de fala com gagueira, analisadas por diferentes juizes, com o objetivo de padronizar os julgamentos entre clínicos e pesquisadores. Os resultados do presente estudo sugerem, devido à grande diversidade lingüística atual, que seria interessante a inclusão de amostras em idiomas diferentes.

Não foi possível determinar se os achados seriam diferentes para o caso de falantes com gagueira severa ou ainda para crianças com gagueira incipiente e até que ponto a similaridade do idioma estrangeiro com o idioma nativo pode interferir nos resultados. Parece lógico que o julgamento se torna mais fácil se o idioma estrangeiro é mais similar ao idioma nativo do clínico. Um estudo que possa comparar tais julgamentos em idiomas variados pode talvez vir a esclarecer este ponto.
 
Cordes, A.K., & Ingham, R.J. Judgments of stuttered and nonstuttered intervals by recognized authorities in stuttering research. Journal of Speech and Hearing Research, 38, 1995. 33-41.

Curlee, R.F.. Observer agreement on disfluency and stuttering. Journal of Speech and Hearing Research, 24, 1981. 595-600.

Finn, P. and Cordes, A.K. Multicultural identification and treatment of stuttering: a continuing need for research. Journal of Fluency Disorders, 22, 1997. 219-236.

Humphrey, B.D. Judgments of disfluency in a familiar vs. an unfamiliar language. Paper presented at the 4th World Congress on Fluency Disorders. Montreal, Canada, August 11-15.,2004.

Ingham, R., & Cordes, A.K.. Identifying the authoritative judgments of stuttering: Comparisons of self-judgments and observer judgments. Journal of Speech and Hearing Research, 40, 1997. 581-594.

Kully, D., & Boberg, E. An investigation if interclinic agreemnt in the identification of fluent and stuttered syllables. Journal of Fluency Disorders, 5, 1988. 309-318.

Watson, J.B., & Kayser, H. Assessment of bilingual/bilcultural children and adults who stutter. Seminars in Speech and Language, 15, 1994.149-164.

Taylor, O.L. Nature of communication disorders in culturally and linguistically diverse populations. San Diego: College-Hill Press,1986.
 
Contato: monicabp@uva.br
 

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