TRANSTORNOS LINGÜÍSTICOS E TRANSTORNOS ALIMENTARES |
Ruth Ramalho Ruivo Palladino
Palestrante |
Instituição: PUCSP |
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Há muito tempo a Fonoaudiologia estuda, diagnostica e trata os transtornos alimentares, representados nos quadros de disfagia e deglutição atípica, sintomas encenados principalmente pelas crianças e pelos idosos. Em sua tradição, este campo denota a alimentação (a fagia ou o comer) porquanto deglutição e, conseqüentemente, aspectos estruturais e funcionais (orgânicos) são privilegiados no estudo da questão, assim como as alterações de ordem mecânica o são na lida com a patologia (Angelini, 2004:5).
Enfim, há uma preferência por fazer saliente para a discussão o padrão normal de deglutição e seus possíveis desvios, ou seja, aspectos positivos do ato de comer, em detrimento de questões subjetivas, referidas àquele que alimenta e àquele que é alimentado.
É importante frisar, já nesse momento, que a literatura especializada tece comentários sobre fatores que podem alterar o mecanismo da deglutição e que não têm origem orgânica. Tais fatores são ditos, então, internos, os quais, contudo, não são nem explicitados nem elevados às condição de problema. Há, inclusive (num caso diferente, mas nem por isto com uma solução diferente para os achados clínicos) quem faça uma distinção entre transtornos alimentares (como desordens no ato de comer) e transtornos de alimentação (como desordens no ato de comer) como forma de lidar com questões subjetivas que, por exemplo, surgem na clínica pediátrica, que se depara com crianças com graves problemas de crescimento sem qualquer questão orgânica que os justifique, como o que a psiquiatria propõe no DMS-IV para a discussão sobre tais distúrbios.
O fato é que inúmeros relatos clínicos na literatura apontam para a possibilidade de certos indivíduos apresentarem condições (estruturas e funções) adequadas para a deglutição sem, entretanto, realizá-la ou realizá-la inapropriadamente. Neste caso, a reflexão apela aos ditos fatores internos, o que não rende mais que um parágrafo de argumentação, apesar de, por exemplo, não ser conhecido o fato de que a passagem para padrões voluntários de deglutição não depender apenas da maturação fisiológica do bebê, mas também da forma de como a função materna pode operar simbolicamente com as questões alimentares (Mariotto, 2003:268).
Diferentemente, quando a reflexão psicanalítica pensa os distúrbios do crescimento, fica cancelada, de certa forma, a separação entre o ato de comer e o ato de dar a comida, cisão que a psicanálise traz. Aqui, a discussão reorganiza a leitura dos fatos colocando em foco a questão da subjetividade. Uma questão que faz diferença.
Uma questão que pode esclarecer um panorama com que o fonoaudiólogo se depara na clínica infantil e que põe em conflito a idéia de que os transtornos alimentares têm uma etiologia particular (e, portanto, um exame e um tratamento específicos), destacada de qualquer outro transtorno. As crianças pequenas com transtornos de linguagem também apresentam transtornos alimentares que podem ser: disfagias, deglutição atípica, transtornos nutricionais (hiper ou hipofagias) e mesmo idiossincrasias em rituais alimentares. Tais transtornos podem ser muito evidentes (entendidos como quadros associados aos de linguagem) ou pouco evidentes (surgem, às vezes até discretamente, em relatos maternos), mas são constantes nos quadros de linguagem. Isso abala a idéia de um acaso, ou uma tênue ligação determinando a co-ocorrência de alterações diversas na sua etiologia. Fica possível uma outra idéia, a de que fala e alimentação são acontecimentos implicados entre si e, assim, seus transtornos estão igualmente implicados.
Tratando metodologicamente o problema, é preciso, então, colocar lado a lado 1) crianças com problemas alimentares: crianças sem condições e sem funções, crianças com condições e sem funções e crianças sem condições e com alguma função; 2) crianças com problemas alimentares em transtornos do crescimento com causa orgânica e sem causa orgânica e 3) crianças com transtornos lingüísticos e transtornos alimentares. Ao perfilar todos esses casos ficará importante cancelar a divisão fisiológico/simbólico e aí os casos de linguagem surgem na qualidade de emblemas, ou seja, são notáveis para se discutir a sobredeterminação simbólica.
Uma alternativa, que parece promissora, é tratar do problema supondo a fala e a alimentação como implicadas e a idéia da oralidade parece ser um lugar muito acolhedor para esta discussão.
A idéia de oralidade traz a ordem simbólica como sobredeterminante, isto é, a boca fica como lugar de produção de sentidos, daí o entrelaçamento entre falar e comer, a grande questão posta nesta discussão.
A constituição subjetiva é cena para o desenvolvimento das condutas e habilidades e a alimentação, cuidado materno primordial ocupa desde cedo lugar privilegiado nessa constituição, já que é principalmente no seu entorno que se delineia e se representa a relação entre a mãe e a criança, que são inauguradas as relações objetais (Gusmão, 2002:47), O espaço de subjetivação. Ou seja, no seu entorno a criança é trazida a uma posição imaginariamente postulada pela mãe como sendo de sujeito, aquele que quer/não quer e gosta/não gosta do alimento, aquele a quem querem e gostam de alimentar. Jerusalinsky (1999) aponta explicitamente para o lugar da alimentação na construção subjetiva quando descreve as construções sintomatológicas que surgem ao seu redor. Ele diz que na infância temos os transtornos alimentares, excrementícios, mictóricos, os vômitos ... associados a situações emocionais violentas, trata-se de demonstrativos de até que ponto as determinações simbólicas capturam o ocrpo da criança, colocando-o a serviço da expressão sintomática psíquica, ao mesmo tempo em que desconhece ou se contrapõe à função fisiológica do órgão (p.24). Porém, essa posição, a de sujeito, á condição também para a fala: sem ocupar ou ser alçada a esta posição, a de quem é um endereço e que endereça, a criança não vai falar, vai se manter alienada no outro (vai falar sua fala), vai falar uma fala estrangeira (em que o outro não se reconhece convocado). Portanto, o reconhecimento da criança, como efeito de um funcionamento (do tipo simbólico) representado na aposta de que há ali um sujeito, é contingência para a construção de uma oralidade, da boca como lugar do afeto, do alimento e da palavra, lugar da (sobre)vida da criança. |
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Contato: palladinoruth@hotmail.com |
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