Código: PIL0834
INTELIGIBILIDADE DE FALA, GRAVIDADE E TIPO DE ERROS CARACTERISTICOS DO TRANSTORNO FONOLÓGICO |
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Autores: Ludimila Ferraz da Fonseca, Haydée Fiszbein Wertzner |
Instituição: FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO |
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O transtorno fonológico é considerado como a alteração de linguagem e fala mais prevalente em pré-escolares e escolares. (Andrade et al, 1991; Shriberg el at. 1994; Gierut, 1998). É caracterizado pelo uso inadequado dos sons, que podem envolver erros na produção, percepção ou organização dos sons (Shriberg e Kwiathowski, 1988; Gierut, 1998).
O transtorno fonológico envolve um déficit na aquisição fonológica, podendo ocorrer dificuldades em vários níveis: discriminação de diferenças fonéticas, reconhecimento dos contrastes fonológicos e representação destes contrastes no léxico, modificações dos sons da fala pelo uso de regras fonológicas da criança e imprecisão articulatória. Portanto, pode afetar a fonética, a fonologia ou a maneira de armazenamento e representação da informação no léxico mental ou a maneira de como a informação é acessada e recuperada cognitivamente (Shriberg e Kwiatkowski, 1982a; Elbert, 1992; Fey, 1992). Além disso, a ininteligibilidade de fala varia de acordo com a gravidade do transtorno (Hodson e Paden, 1981; Shriberg e Kwiatkowski, 1982; Shriberg, 1993).
Em função desses aspectos, procedimentos que quantificam a gravidade do transtorno e o impacto das alterações na comunicação são importantes para classificação diagnóstica e intervenção. Um índice bastante utilizado é a Porcentagem de Consoantes Corretas-Revisada, o PCC-R (Shriberg et al., 1997), que considera como erro substituições e omissões, recomendado quando os falantes apresentam idades e características de fala variadas.
Quanto ao Índice de Ininteligibilidade de Fala (IIF) na avaliação clínica o fonoaudiólogo depende de estimativas de porcentagem de palavras inteligíveis na fala, bem como do julgamento perceptivo (Shiriberg e Kwiatkowski ,1982).
Para verificar tanto a gravidade como a inteligibilidade de fala, a fala espontânea é considerada uma amostra importante que possibilita verificar a forma coloquial presente na comunicação (Ingram, 1976; Shriberg e Kwiatkowski, 1985; Garret e Moran, 1992; Hoffman e Norris 2002).
Outro aspecto a ser considerado para um diagnóstico adequado e uma intervenção eficaz é o sistema fonológico próprio da língua estudada. Vários são os modelos para essa análise. Para verificar a ocorrência de erros é interessante classificar o tipo de estrutura silábica.
No caso do Português, Câmara (1975) aponta cinco tipos de estruturas silábicas: V (sílaba simples), CV (sílaba complexa crescente), VC (sílaba complexa crescente-decrescente), CVC (sílaba fechada) e CVV (sílaba aberta).
Assim, pode-se verificar para cada estrutura silábica os sons produzidos corretamente, omitidos, substituídos, distorcidos, invertidos e adicionados nas diferentes estruturas silábicas. A literatura aponta que as maiores ocorrências, em casos de transtorno fonológico, são substituições, omissões e distorções (Hodson e Paden,1991; Shriberg e Kwiathowski, 1994; Wertzner, 2002; Keske-Soares et al, 2004).
Objetivo
Verificar a ocorrência dos tipos de erros de acordo com a estrutura silábica e a posição da sílaba, relacionando os erros aos índices IIF e PCC-R na Fala Espontânea.
Método
A pesquisa foi analisada e aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa - Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da USP (protocolo 950/00).
Foram coletados dados de 30 sujeitos entre 4:0 e 12:0 anos de idade, diagnosticados com transtorno fonológico no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia do curso de Fonoaudiologia da FMUSP.
Foi realizada uma entrevista com os pais dos sujeitos, explicada a pesquisa e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento pós-informação. A amostra de fala espontânea foi obtida a partir da contagem de uma história com estímulo visual, filmada e gravada em CD.
Calculou-se o IIF por meio da divisão do número de palavras inteligíveis pelo número total de palavras da prova de Fala Espontânea. Após a transcrição das fitas aplicou-se o PCC-R (conforme descrição de Shriberg et al, 1997). A classificação dos tipos de ocorrências (acertos, omissões, substituições, adições, distorções e inversões) foi realizada para os seis tipos de estrutura silábica nas posições de sílabas iniciais e finais: consoante-vogal (CV), consoante-vogal-consoante (CVC), consoante-vogal-vogal (CVV), consoante-consoante-vogal (CCV), consoante-consoante-vogal-consoante (CCVC), consoante-consoante-vogal-vogal (CCVV).
Foram analisadas as variáveis: tipo e proporção de ocorrência de eventos nas estruturas silábicas, PCC-R e IIF (correlação de Pearson).
Resultados
A análise das ocorrências nas diferentes estruturas silábicas (Tabela 1) indica maior número de acertos na CV em sílaba inicial e final das palavras. Não houve ocorrência de palavra com a estrutura CCVV em sílaba final. O tipo de erro mais freqüente foi substituição seguida pela omissão em sílaba inicial e final. Não houve ocorrência de adições e praticamente não ocorreram inversões.
TABELA 1: Média das proporções de acertos e erros de acordo com as sílabas iniciais e finais das estruturas silábicas
Considerando os índices PCC-R, IIF, tipos de ocorrências, tipos de estrutura silábica e silaba inicial e final nota-se, na estrutura CV: altas correlações entre PCC-R e substituições em sílabas iniciais e finais (correlação: -0,79 e -0,69; p valor: 0,00 respectivamente); estrutura CVC: correlações moderadas entre IIF e omissões em sílaba inicial (correlação: -0,58; p valor: 0,00) e entre distorções e omissões em sílaba inicial (correlação: 0,64; p valor: 0,00), indicando que a criança que comete um tipo de erro tende a cometer o outro; estrutura CCV: correlações moderadas entre substituições em sílabas iniciais e finais (correlação: 0,63 e 0,54; p valor: 0,00) e entre substituições e omissões em sílaba final das palavras (correlação: 0,54; p valor: 0,00); na estrutura CVV não foram observadas correlações entre os tipos de erros e os índices PCC-R e IIF; na estrutura CCVC: correlações altas entre substituições e omissões em sílaba inicial (correlação: 1,00; p valor: 0.00) e entre distorções e omissões em sílaba final (correlação: 1,00; p valor: 0,00).
Para todas as estruturas silábicas analisadas na prova, assim como para PCC-R, não houve correlação com a idade dos sujeitos. O IIF apresentou correlação alta com PCC-R (correlação: 0,64; p valor: 0,00).
Discussão
Em relação às proporções de acertos e erros dentro das estruturas silábicas, quanto maior a ocorrência de omissões e substituições, menor foi o índice PCC-R. Foi verificado que, independente da estrutura silábica, as maiores médias de acerto foram no início, seguido pelo final das palavras.
Destaca-se que as distorções não apresentaram correlação com os índices PCC-R e IIF, indicando que esse tipo de ocorrência gera pouca interferência na comunicação da mensagem, aspecto também citado por Hodson e Paden (1981) Shriberg e Kwiatkowski (1994), Lowe (1996), DePaul e Kent (2000), Wertzner (2002).
O IIF para as estruturas CV e CVC, mostrou forte correlação negativa com substituições e omissões em sílabas iniciais, apontando que esses tipos de erros diminuem a inteligibilidade do discurso. Este dado foi apontado por Wetzner (2002) durante uma pesquisa com crianças, com transtorno fonológico, falantes do Português Brasileiro.
Considerando o tipo de erros para as estruturas CV, CVV e CCVC não foram encontradas correlações. Para a estrutura CVC houve evidências de correlações entre distorções e omissões em sílabas iniciais, indicando que a criança que comete uma distorção no início da palavra, tende a cometer uma omissão. Isso aponta que a criança que realiza omissões e distorções apresenta maior dificuldade na produção dos sons.
Na estrutura CCV, evidenciou-se correlação entre substituições em sílabas iniciais e finais, indicando que a criança que comete uma substituição em sílaba inicial, tende a cometer também em sílaba final. Outra correlação observada é entre substituição e omissão em sílaba final, indicando que a criança que comete uma substituição em sílaba final, tende a cometer uma omissão. Esse resultado indica que para essa estrutura silábica as substituições ocorrem independentemente da posição na sílaba.
A correlação entre IIF e PCC-R na presente pesquisa coincide com alguns trabalhos os quais mostram que na inteligibilidade de fala interferem, além do tipo de erro a freqüência com que estes ocorrem (Hodson e Paden, 1981; Wertzner et al, 2003; Wertzner et al, 2004).
Portanto, procedimentos que quantificam a gravidade do transtorno e o impacto das alterações da comunicação são importantes para a classificação diagnóstica, realização de planejamentos objetivos e dirigidos à necessidade do sujeito, controle terapêutico e desenvolvimento de estudos mais específicos (Shriberg e Kwiatkowski, 1982).
Conclusão
O estudo realizado indicou a forte associação entre a gravidade (PCC-R) e a inteligibilidade (IIF) no Transtorno Fonológico, confirmando a eficácia do uso destes índices para o diagnóstico e o controle da intervenção fonoaudiológica.
Os resultados encontrados mostram que, para o diagnóstico do transtorno fonológico, o uso da prova de Fala Espontânea pode ser uma medida eficaz na avaliação do transtorno fonológico, auxiliando a prática clínica e o planejamento terapêutico.
O fato de um tipo de erro ocorrer na mesma estrutura silábica tanto em posição inicial como final, é uma informação importante para a seleção de sons a serem abordados no tratamento fonoaudiológico.
Também a maior ocorrência de erros na produção dos sons em estruturas silábicas como CVV e CCV, evidencia que por serem mais complexas se forem abordadas desde o inicio do tratamento, poderão contribuir para que o objetivo da intervenção seja atingido mais rapidamente (Gierut, 1998; Hodson e Paden, 1991). |
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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