CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM SÓCIO- HISTÓRICA PARA OS ESTUDOS SOBRE LINGUAGEM DE SUJEITOS COM ACOMETIMENTOS NEUROLÓGICOS
Autores: Ana Paula de Freitas - UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
Clícia Assumpção Martarello de Conti - UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
Evani Andreatta Amaral Camargo - UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
Maria Inês Bacellar Monteiro - UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
 
Temática proposta e relações com os estudos a serem apresentados:

O objetivo desta proposta é criar um espaço de reflexão para aqueles que tem interesse em estudos sobre a linguagem de sujeitos com acometimentos neurológicos voltados para uma perspectiva sócio-histórica. Desta maneira, a proposta reúne pesquisadores que se dedicam à pesquisa das alterações de linguagem nestes sujeitos fundamentados em Vygotsky (1991; 2001) e Bakhtin (1995; 1997), autores que apresentam contribuições relevantes para o entendimento da natureza dialética e social da linguagem. Nesta perspectiva, a linguagem tem um lugar central na constituição dos sujeitos. Compreende-se o homem como ser histórico que procura recuperar o seu espaço de sujeito, sendo influenciado pelo meio, mas voltando-se sobre ele para transformá-lo. O aspecto social é condição para a capacidade de simbolização e é através da interação social que as ações e objetos vão impregnar-se de significados e sofrerão transformações qualitativas que resultam em processo de simbolização. À medida que a criança cresce, o processo que era inicialmente partilhado com o adulto passa a ser articulado como modo de funcionamento dela própria. As teorias de Vygotsky (1991; 2001) e Bakhtin (1995;1997) consideram o homem como um ser essencialmente social e histórico que, na relação com o outro, em uma atividade prática comum intermediada pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito.
Os trabalhos relatados desenvolveram-se, portanto, num enfoque histórico-cultural que inter-relaciona o funcionamento mental humano e os contextos culturais e históricos.
Nesta perspectiva, a clínica fonoaudiológica tem o objetivo de dar aos sujeitos com alterações lingüísticas e suas famílias (como o primeiro contexto sócio-cultural) condições para que possam construir ou ressignificar suas potencialidades lingüísticas e cognitivas pela linguagem.
As discussões utilizar-se-ão de dados, cuja construção e análise foram feitas a partir de uma perspectiva qualitativa (REY, 2002) levando-se em conta as temáticas, as reflexões e as elaborações dos sujeitos envolvidos nas discussões. De acordo com Freitas (2003), a pesquisa qualitativa de orientação sócio-histórica favorece a análise a partir da inter-relação entre o funcionamento mental humano e os contextos sócio-históricos e segundo Bakhtin (1995), os sentidos que veiculam vão sendo construídos nas interações verbais, que se realizam nas enunciações (FREITAS, 2002, 2003; BRAIT, 2005).
As apresentações abordam aspectos destacados pela teoria sócio-histórica tais como a simbolização, a subjetividade, a importância do social e os conceitos de zona de desenvolvimento proximal, mediação e compensação, relacionados à linguagem dos sujeitos.

Títulos das Apresentações:

1. A imagem de si e a formação da identidade de sujeitos diagnosticados como deficientes mentais
Dra Maria Inês Bacellar Monteiro

O sujeito se constitui à medida que o outro atribui sentido a suas palavras e ações e, portanto, os interlocutores têm um papel essencial no funcionamento intra-psicológico de cada um e na formação da consciência individual. Isto significa que a subjetividade é constituída nas relações sociais e a linguagem e as interações têm um papel fundamental na constituição do sujeito. As noções de identidade e alteridade e a construção da significação de si mesmo no processo de formação de sujeitos deficientes é uma questão ainda pouco explorada. Trataremos aqui questões referentes à imagem que sujeitos diagnosticados como deficientes mentais têm de si mesmo e as implicações para sua formação e inserção social. As reflexões serão feitas a partir de dados obtidos através de entrevistas realizadas com jovens deficientes que relatam suas experiências na convivência com outros jovens de seu grupo social. A entrevista permitiu uma análise minuciosa da interação entre duas pessoas numa situação de compreensão ativa em que o entrevistador “....tem condições de dar forma e acabamento ao que ouviu e completá-lo com o que é transcendente à sua consciência.” (FREITAS, 2003, p.34). Serão discutidos aspectos relativos ao modo como o deficiente assimila em sua própria fala os dizeres sobre sua diferença.

2. Contribuições de conceitos da teoria histórico-cultural para a clínica fonoaudiológica
Dra Ana Paula de Freitas

Na área fonoaudiológica, pelo menos no Brasil, existem poucos estudos sobre o trabalho terapêutico que se fundamenta na perspectiva teórica histórico-cultural do desenvolvimento humano (Vygotsky, 1991, 2001). Deste modo, este estudo teve como objetivo relacionar conceitos fundantes da referida teoria com o trabalho terapêutico fonoaudiológico realizado com um sujeito com desenvolvimento atípico. Trata-se de Lucas, um garoto que aos 11 anos de idade, que apresentava alterações significativas de linguagem oral e não estava alfabetizado. Seu exame neurológico por imagem - SPECT Cerebral - revelou hipoperfusão predominantemente frontal e temporal (secundária) à esquerda. O atendimento fonoaudiológico priorizou o trabalho com a linguagem em suas esferas simbólicas: desenho, narratividade, brincadeira e escrita (Lacerda, 1996; Freitas, 2001). As sessões foram videogravadas durante 3 anos, e trechos foram transcritos e analisados. A análise focalizou o processo de desenvolvimento de linguagem e cognitivo, enfatizando-se a relação intersubjetiva. Os resultados indicam que o sujeito, em situação terapêutica, na qual a fonoaudióloga procura organizar e planejar ações com ele e por ele, atuando em sua zona de desenvolvimento proximal, apresenta momentos de êxito e fracasso, angústia, aceitação e recusa à ajuda do outro, permeados por tensão, conflito e sucesso; confirmando o postulado vygotskyano de que o desenvolvimento é um processo, movido por elaborações e reelaborações, com avanços e retrocessos. Observou-se, no período, evolução significativa no desenvolvimento de linguagem e cognitivo e identificaram-se mudanças de funcionamento, possibilitadas pela proposta terapêutica baseada nas interações dialógicas.

3. O afeto e a capacidade de simbolização na formação da identidade em sujeitos deficientes mentais relacionando questões lingüísticas
Clícia Assumpção Martarello de Conti

Também a Psicanálise considera a natureza do homem na sua constituição histórica e cultural, logo fundamentamo-nos nesta discussão, sobretudo, em autores psicanalistas que discutem a subjetividade construída na intersubjetividade (WINNICOTT, 1988; BION, 1994; LISONDO, 2005), para expandirmos a compreensão a cerca da intrínseca relação entre a aquisição da linguagem, o aprender, a capacidade de lidar com símbolos com aquelas experiências dos primeiros laços afetivos.
O primeiro contato que o bebê faz com o mundo é intermediado pelo encontro com um outro que faz a função materna, e que vai dando sentido às manifestações do bebê, sem a qual a condição de dependência absoluta da cria humana não poderia caminhar para uma independência relativa e progressiva, que inclui o desenvolvimento de suas funções mentais.
No entanto para que essas funções se inaugurem e se desenvolvam é necessário que o ser se estruture numa identidade humana fundada na auto-estima; é necessário que a mente do bebê possa lidar com as suas angústias primitivas; é necessário ainda, entre outras coisas, que o sujeito ao invés de submeter-se passivamente adaptando-se ao meio, sinta-se capaz de interagir criativamente com ele.
Tudo isso ocorre dentro e nas relações que não podem ser compreendidas fora da dimensão afetiva dos laços mútuos que ali se constituem. Se o outro falha em sua função estruturante do ser, dentro dessa experiência afetiva de vínculo, ele está falhando também na sua função fundante de um universo da simbolização. É necessário antes de tudo ser (identidade), para então tornar-se um ser falante, um ser pensante.
Esta perspectiva teórica que marca muito mais os aspectos da privação da criança deficiente do investimento feito pelo outro, aponta também para um compromisso social maior em relação a todas as crianças, independente de comprometimentos orgânicos ou não, pois clama pela responsabilidade de pais, educadores e terapeutas em oferecer a cada uma delas o reconhecimento de que nenhuma síndrome, nenhuma lesão neurológica são capazes de trazer consigo a priori uma identidade, mas esta estará ligada às diferentes formas de significação que pudermos atribuir na experiência viva de relação afetiva com a singularidade de cada ser humano.

4. O olhar do social na formação do sujeito
Dra Evani Andreatta Amaral Camargo

A apresentação a seguir visa discutir concepções de pais de sujeitos acometidos por alterações neurológicas e profissionais da área e como este olhar interfere na constituição da subjetividade desses indivíduos.
Para isso, analisamos um trabalho realizado em uma clínica-escola de Fonoaudiologia, na qual são oferecidos encontros periódicos às famílias, como uma forma de criar espaços discursivos para que os pais possam discutir sobre sentimentos que possuem em relação ao filho, bem como perspectivas para seu desenvolvimento, já que nas inter-relações familiares e sociais é que se fundamenta a subjetividade. Além disso, para complementar este estudo, profissionais relacionados aos sujeitos atendidos também foram entrevistados e apresentaram suas concepções a respeito de indivíduos considerados como “diferentes” e assim pudemos identificar que a relação com tais profissionais (de escolas e instituições especiais) também interfere na concepção que sujeitos com alterações neurológicas têm sobre si mesmos.

Referências Bibliográficas:

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1995.
___________. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BION, W.R. Estudos Psicanalíticos Revisados. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo, Ed. Contexto, 2005.
FREITAS, A.P. Zona de Desenvolvimento Proximal: a problematização do conceito através de um estudo de caso. Campinas, 2001. 133 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
FREITAS, M. T. de A. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa - Fundação Carlos Chagas, Ed. Autores Associados, Campinas, SP, n. 116, 2002, pp. 21 – 40.
FREITAS, M. T. de A. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, Maria Tereza de Assunção et al. Ciências Humanas e Pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003. p. 26-38.
GONZÁLEZ REY, F. L. Pesquisa Qualitativa em Psicologia: caminhos e desafios. São Paulo, Ed. Pioneira, 2002.
LACERDA, C. B. F. Inter-relação entre oralidade, desenho e escrita – o processo de construção do conhecimento. Taubaté: Cabral Editora, 1996.
LISONDO, A.B.D. et al. Orfandade Mental. In HERRMANN, F. E LOWENKRON, T. (ORGS.). Pesquisando com o Método Psicanalítico, São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
WINNICOTT, D.W. Da Pediatria à Psicanálise, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
VYGOSTKY, L.S. A Formação Social da Mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
_____________ . A Construção do Pensamento e da Linguagem. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.


 
 

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