O MOVIMENTOS DAS CIÊNCIAS DA AUDIÇÃO |
Clay Rienzo Balieiro
Palestrante |
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O objetivo do Simpósio é discutir o movimento das Ciências de Audição e sua influência nos processos de intervenção junto a pessoas com alterações da audição. Para tanto, alguns aspectos históricos serão discutidos, uma vez que esses vêm de certa forma determinar a abrangência ou restrição da atuação do profissional da área. A sofisticação no diagnóstico e a intervenção fonoaudiológica necessária são os aspectos que ancoram a discussão apresentada, focalizando, principalmente, questões relativas aos recém-nascidos e aos idosos com alterações auditivas.
A área da Audiologia enquanto atuação profissional é praticamente inaugurada por volta de 1920 quando os audiômetros foram designados para medir a audição. Porém, a atuação profissional data dos anos 40 quando os soldados retornavam da guerra com perda auditiva induzida pelo ruído ou por outros traumas. É consenso na literatura que a Audiologia tem sua origem em programas de reabilitação já durante a II Guerra Mundial (Jerger, 2003).
Educação de surdos, patologia da fala, psicologia, testes audiológicos, treinamento auditivo, aparelhos de aparelhos de amplificação sonora, protocolos para aplicação de provas e testes que avaliassem a função auditiva foram conhecimentos que precisaram ser coordenados para atender às necessidades desse momento histórico. A criação e organização de programas de reabilitação aural com o objetivo de tratar aqueles que haviam perdido a audição na guerra fizeram com que profissionais, com diferentes especializações fossem convocados a organizar um programa de reabilitação aural. Segundo Ross, 1997, o resultado foi um programa que ainda está por ser superado, ou mesmo igualado em qualquer lugar e em qualquer época.
Essa demanda e o desenvolvimento concomitante de equipamentos para avaliar a audição, foram circunscrevendo a prática e a formação de profissionais que em nosso meio são conhecidos hoje como fonoaudiólogos. Inicialmente a atuação e o interesse se focalizaram prioritariamente sobre os aparelhos de amplificação sonora e sobre a reabilitação aural.
Entretanto, no inicio dos anos 50, a demanda nesse campo foi por maior investimento nos procedimentos de avaliação audiológica. Desde então, os estudos sobre audição, perda auditiva e reabilitação audiolgica tem se expandido. Foram desenvolvidos testes de audição para avaliar a função da orelha externa, da orelha média, cóclea, nervo acústico e áreas relacionadas ao cérebro, chegando-se à possibilidade de registro dos potenciais, neste caso, dos potenciais auditivos, bem como a construção dos microfones de prova, culminando em recursos para medir / avaliar eletrofisiológicamente a audição e registrar as emissões otoacusticas. A busca por técnicas que realizassem medidas fisiológicas exigiram muitos anos de pesquisa, porém hoje podem ser consideradas rotina.
Consideramos que a Audiologia vem evoluindo enquanto um campo de atuação abrangente e complexo que pressupõe conhecimento oriundo de diversos campos.
Segundo Luterman, 2000, a Audiologia, a despeito de sua origem enquanto profissão reabilitativa, está fortemente ligada ao modelo médico, uma vez que as habilidades em diagnóstico desenvolvidas pelos audiologistas foram rapidamente usadas como suplemento da prática da otorrinolaringologia. Carhart, geralmente considerado o primeiro audiologista, trabalhou em conjunto com médicos otologistas no hospital do exército Deshon Army Hospital, em 1945. Sua atividade na área da reabilitação esteve limitada a aspectos relacionados à prescrição de aparelhos de amplificação sonora e mais tarde à adaptação dos mesmos. A aplicação do conhecimento da audiologia na pediatria também seguiu o modelo médico, uma vez que programas voltados para a população pediátrica estiveram apoiados principalmente em testes para diagnóstico e ao período de testes com aparelhos de amplificação sonora e monitoramento de seu uso.
Entretanto, para Ross , 1997, a atuação restrita à esfera diagnóstica não é um avanço. Para o autor, a independência e autonomia profissional residem na reabilitação.
Considerando nossa realidade, pode-se dizer que a profissão continua se expandindo, tanto em função da produção de conhecimento, do aumento do campo de atuação, das oportunidades de trabalho e de qualificação profissional. Isso pode ser observado pelo grande número de profissionais que buscam, em nosso meio, cursos de pós graduação stritu senso em Audiologia e pós graduação latus senso em áreas de conhecimento relacionadas e conseqüente produção de conhecimento.
A consciência cada vez maior em relação à saúde, no sentido de se promover trabalhos em prol de melhor qualidade de vida para a população, o que tem tudo a ver com a profissão do fonoaudiólogo, uma vez que enfoca a reabilitação visando o desenvolvimento de funções e ou sua compensação, tem levado à formulação de propostas em nível nacional no âmbito da saúde auditiva. Embora esse aspecto seja recente e a despeito de que ainda há muito a ser feito, tal conquista iguala a atuação dos nossos profissionais a dos países mais desenvolvidos.
Tal expansão pode ser creditada a uma multiplicidade de fatores, dentre eles o trabalho no que tange aos cuidados com a saúde auditiva para qualquer idade, isto é, dos recém nascidos até pessoas muito idosas. A emergência da identificação precoce da deficiência auditiva através de programas de triagem auditiva neonatal universal em maternidades e centros de diagnóstico bem como sua prevalência, além do aumento da expectativa de vida na população e a prevalência da perda auditiva entre pessoas idosas não só é indicador da necessidade de profissionais como exige profissionais preparados segundo propostas de formação acadêmica e educação continuada consoantes com o momento atual.
A idéia de se promover saúde mais do que tratar a doença requer também profissionais preparados para atuar em programas ou serviços voltados à prevenção de perdas auditivas, criando recursos para educação e orientação. Trabalhos desenvolvidos para implementar programas de conservação auditiva em locais que abrigam trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à audição são exemplos disso.
O profissional da área também está habilitado para adaptar aparelhos de amplificação sonora. A recomendação internacional para identificar um candidato ao uso de aparelho de amplificação sonora é que sua função auditiva não esteja normal e que a perda auditiva não possa ser tratada com intervenção médica ou cirúrgica.
Inicialmente, aparelhos de amplificação sonora somente eram recomendados para pacientes com perda auditiva condutiva, devido à habilidade preservada para o reconhecimento de palavras e à alta tolerância para sons fortes. Em contrapartida, os pacientes com perda auditiva neuro-sensorial tinham habilidades reduzidas para reconhecimento de palavras, não sendo, portanto, considerados bons candidatos à amplificação. Com o avanço de técnicas cirúrgicas, muitas das perdas auditivas condutivas foram tratadas cirurgicamente, o que reduziu a necessidade de aparelhos de amplificação sonora para esse grupo. Ao mesmo tempo, incrementos na tecnologia dos aparelhos de amplificação sonora e nos moldes auriculares aumentaram a intervenção junto a sujeitos com perda auditiva neuro-sensorial. Hoje, mesmo pacientes com audição normal até as freqüências médias podem ser beneficiados pela amplificação. A tecnologia moderna e computadorizada influenciou não só o aperfeiçoamento dos aparelhos de amplificação sonora como também os dispositivos eletrônicos a serem implantados cirurgicamente. Os implantes cocleares também foram altamente incrementados pelas pesquisas relacionadas ao processamento eletrônico do sinal acústico da fala. O fato de estimularem diretamente o nervo acústico e as sofisticadas formas de processamento do sinal tem trazido resultados bastante satisfatórios.
A Audiologia, conforme dito acima, tem sua origem na reabilitação, ou seja, a intervenção (tratamento) junto a sujeitos que passaram a apresentar uma perda auditiva. Dessa forma a vocação do fonoaudiólogo que atua na área também é a terapêutica. Faz parte da proposta terapêutica a adaptação de aparelhos de amplificação sonora. É, portanto, o fonoaudiólogo que determina a quantidade de amplificação, o tipo de circuito, os ajustes apropriados, além do trabalho terapêutico em nível de linguagem, estratégias de comunicação e adaptação social. Embora a intervenção nessa área seja conhecida como Reabilitação Aural na convenção “ASHA Convention”, 2005 foi sugerido que a terminologia Reabilitação aural seja substituída por Tratamento Audiológico .
De nosso ponto de vista e em consonância com a nossa realidade, consideramos que a atuação do fonouaidiólogo na área da Audição é mais abrangente, constituindo-se numa proposta terapêutica em que além de técnicas específicas a subjetivação também faz parte. Isto vem de encontro às colocações de Ross (1997):
“Embora existisse um programa formal, as trocas informais entre os pacientes ocorriam nas situações de trabalho quanto depois delas. Embora não se falasse em adaptação social e estratégias de comunicação, isso era na essência o que funcionava. Nós partilhávamos experiências sobre nossos sentimentos, sobre quais estratégias de comunicação funcionavam ou não. Realmente, em retrospectiva, este foi o aspecto mais valioso do programa. Embora pensássemos que estávamos aprendendo a ler os lábios e, sem dúvida alguma, alguns de nós realmente estávamos, o mais importante é que estávamos aprendendo a aceitar a perda auditiva e a aceitar a nós mesmos. Uma das razões, eu penso, para o subseqüente declínio da prática deve-se aos moldes do programa, que colocam mais o foco em seus componentes leitura labial e treinamento auditivo, do que no sujeito[...]”
Outro aspecto que merece destaque é a demanda de bebês provenientes da triagem auditiva neo-natal. Segundo dados da literatura, nos Estados Unidos, somente 15% de crianças identificadas acabam sendo beneficiadas com amplificação antes dos três meses e somente 15% das crianças identificadas estão recebendo terapia de audição e linguagem antes dos 6 meses. Esse é um alerta para o desenvolvimento de programas de intervenção, sem o qual a triagem auditiva neo-natal não vem a cumprir o seu objetivo.
Ainda, aspectos relativos à audição de pessoas mais velhas merecem maiores investigações, uma vez que passamos a lidar com uma população com maior expectativa de vida. Segundo publicações, muitos americanos idosos sofrem de dificuldades para compreender a linguagem falada nas situações de comunicação do dia a dia a despeito de uma adequada sensitividade auditiva. Conforme aumenta o número de idosos e conforme aumenta a expectativa de vida melhor compreensão das dificuldades experimentadas pelos idosos nas situações de comunicação se faz necessária para contribuir com o processo de intervenção terapêutica, uma vez que suas dificuldades não estão bem compreendidas. Sabe-se que com a idade as dificuldades de compreensão de fala não apresentam uma forte correlação entre o grau e configuração da perda auditiva, uma vez que são frequentemente maiores do que os limiares de tom puro poderiam sugerir, além do que os aparelhos de amplificação sonora, muitas vezes não oferecem os benefícios esperados. Embora uma redução na sensitividade auditiva possa contribuir para essas dificuldades, outra explicação potencial envolve a idade relacionada a mudanças cognitivas que podem afetar a habilidade para processar eficientemente a fala. Uma mudança consistente é a lentidão cognitiva. Tem sido demonstrado que adultos mais velhos são mais afetados pela velocidade de fala do que adultos mais jovens. Conhecimentos relativos a esses aspectos contribuirão para o delineamento do processo de reabilitação. A população brasileira também está envelhecendo e programas voltados para a saúde e investimento em melhor qualidade de vida também proliferam em nosso país.
Referências à educação de pessoas surdas datam do século 16, época em que o trabalho realizado com crianças com perda auditiva focalizava apenas a produção de fala. Hoje o conhecimento produzido tanto pelos estudos voltados para a audição quanto para os estudos voltados à linguagem e à comunicação, enquanto uma de suas funções, e sobre a subjetividade são a base para se tratar de sujeitos com alterações da audição e ou do equilíbrio que interferem com seu bem estar e auto-estima.
Bibliografia
Luterman D - Audiology in the New Millenium, 9/13/2000,
http://www.audiologyonline.com/articles/arc_disp.asp?id=275
Mosheim, J, Banotai, A - ASHA Makes Strides, Sets New Goals, The 2005 ASHA Convention, Nov. 17-19, San Diego, CA. http://speech-language-pathology
Ross, M - A retrospective look at the future of aural rehabilitation. Reprinted on line from the Journal of the Academy of Rehabilitative JARA, 30 1997, 11-28, January 3, 2005.
Vaughan N E, Furukawa I, Balasingam N, Mortz, M, Fausti S A, - Time- expanded speech and speech recognition in older adults, Journal of Rehabilitation Research and Development, Vol. 39 No. 5, September/October 2002, Pages 559-566. |
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