PROCESSOS DE AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA
Célia Maria Giacheti
Coordenador(a)
Instituição: UNESP-MARÍLIA
 
Definir ciência, segundo inúmeros estudiosos, não é tarefa fácil. Freire-Maia (1998) afirmou que raramente os filósofos da ciência se propõem a definir ciência. Esclareceu que esta dificuldade pode ser explicada porque qualquer definição poderia ser incompleta; pela complexidade do tema ou justamente pela falta de acordo entre as definições. Ferreira (1986) definiu ciência como um conjunto de conhecimentos sistematicamente organizados, com um objeto de estudo determinado. Como alternativa, Freire-Maia (1998) descreveu que a sua definição de ciência contemplaria um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis, modelos etc., visando ao conhecimento de uma parcela da realidade por meio de uma “metodologia especial”, no caso, a metodologia científica. Neste sentido, sabemos que o processo de construção do conhecimento, após definição do objeto de estudo, ocorre pela seleção de perguntas de pesquisa para que o conhecimento possa efetivamente evoluir nas diferentes linhas, seguindo pressupostos teóricos que norteiam a metodologia e que possam responder a essas perguntas. A realização de pesquisas e a divulgação de novos conhecimentos permitem que o conhecimento seja construído. A Fonoaudiologia é a ciência que engloba um conjunto de conhecimentos e que estuda a comunicação do homem-e seus distúrbios-. O fonoaudiólogo é o profissional que atua em pesquisa, prevenção, avaliação, diagnóstico, habilitação e reabilitação dos distúrbios da linguagem oral e escrita, fala e deglutição. Na clínica/terapêutica ou na pesquisa fonoaudiológica as respostas as várias questões sobre a linguagem (e seus diferentes transtornos) só podem ser respondidas ou discutidas quando o processo de avaliação é cuidadosamente realizado. Determinar o que se quer avaliar permite selecionar ações que nos apontam como se deve avaliar e de forma segura como interpretar/julgar as respostas do sujeito. Definir a pergunta e estabelecer o foco de análise pode responder importantes questões sobre a complexa habilidade da linguagem –e seus distúrbios/desvios-, em suas diversas modalidades. É apontar importantes caminhos para intervir nesta área. Há diferentes fontes de coleta de informações sobre o sujeito e sua comunicação. Na prática clínica fonoaudiológica, foco deste texto, o processo de avaliação fonoaudiológica pode ser realizado inicialmente por meio de entrevista diagnóstica/clínica (Craig, 1991) e em seqüência por meio de observações, testes e opiniões (Salvia e Ysseldyke, 1991). Estas observações, testes e opiniões podem ser atuais ou vir por meio de história pregressa. Como os pais, professores ou qualquer outra pessoa envolvida no caso “enxerga” a queixa e como se comportam perante o sujeito, deve também fazer parte das importantes informações deste processo diagnóstico que servirão para determinar como será a devolutiva e o processo de intervenção. A avaliação é o processo de coleta de dados com os objetivos de especificar e verificar problemas antes de tomar decisões (Salvia e Ysseldyke, 1991 e Hadji, 1993). Uma das etapas desse processo, dependendo da metodologia escolhida, pode ser feita por meio da caracterização do desempenho do sujeito em determinada tarefa, após a aplicação de procedimentos para identificar respostas, sintomas (dificuldades) ou habilidades. Hadji (1994) conceituou avaliar como julgar ou atribuir um valor ou um sentido ao confrontar uma situação concreta (real) com uma situação desejada (expectativa social ou àquilo que se pretende/intenção de mudança). Descreveu que o julgamento se faz a partir de um conjunto de elementos (indicadores) comparados com normas ou critérios de apreciação. A avaliação fonoaudiológica, portanto, é o procedimento ou o conjunto de procedimentos pelos quais se realiza uma das mais importantes etapas do processo diagnóstico. A avaliação fonoaudiológica deve abarcar a identificação do perfil de habilidades básicas relacionadas a linguagem oral e de leitura e escrita que nos mostre o desempenho do indivíduo. A forma, o instrumento para se buscar pistas/dados/informações/evidências, como num trabalho de “detetive”, é virtualmente infinito. As hipóteses geradas neste processo devem ser levantadas e discutidas. Essas hipóteses são úteis para que se estabeleçam relações entre seus elementos e para a definição de condutas (Réa-Neto,1998). Qualquer avaliação que englobe a coleta de dados por meio de instrumentos que não sejam baseados em testes é, em geral, considerada uma avaliação não padronizada. Instrumentos de avaliação da linguagem enfocam dimensões passíveis de observação e mensuração. Isto é, a linguagem oral tem propriedades que podem variar em alguma dimensão (qualitativa e quantitativa), como por exemplo, o número de palavras que determina o repertório lexical; o repertório de sons que o indivíduo consegue produzir corretamente ou a própria organização dos elementos de uma frase que compõe a sintaxe. No processo de avaliação observamos a linguagem oral e as habilidades básicas cruciais para o desenvolvimento da linguagem oral e de leitura e escrita, como a habilidade para manter a atenção nas atividades, a memória, outras habilidades do processamento auditivo e visual e a orientação espaço temporal. Avaliamos também a leitura e escrita e a possibilidade do sujeito em lidar com números, operações aritméticas e o raciocínio lógico- matemático. A utilização da avaliação formal, também utilizada no processo de avaliação, permite obter uma estimativa geral global do desempenho de um sujeito e de como ele se comporta comparado um grupo de referência em termos de um conjunto de habilidades ou comprometimentos. É muito importante como uma forma de descrever o desempenho do paciente, permitindo comparações entre ele e seu grupo de referência, bem como dele consigo mesmo em momentos diferentes (pré e pós testagem). No histórico da prática fonoaudiológica no Brasil não tem sido usual a aplicação de testes (avaliação formal padronizada). Ainda assim, além dos recursos tradicionais de avaliação clínica e na pesquisa fonoaudiológica alguns testes psicométricos e neuropsicológicos tem sido usados como fontes de informação objetiva e sistemática. O diagnóstico é a identificação da anormalidade ou distúrbio pela análise dos sintomas presentes. Pode envolver estudo da origem e desenvolvimento desses sintomas (Nicolesi et al., 1996). O diagnóstico fonoaudiológico é a etapa final do processo de avaliação, onde se determina ou se caracteriza o desempenho daquele individuo em determinada tarefa que envolve habilidades relacionadas a linguagem em suas diferentes modalidades e num determinado contexto. Independente da maneira que o fonoaudiólogo/pesquisador elege para conhecer o sujeito e sua “queixa” deve ter elementos que identifique se algum problema está realmente presente, o impacto do mesmo na comunicação, nos diferentes contextos (família, escola, trabalho) e se há possibilidades de mudar o quadro (intervenção). Estudos sobre o processo de avaliação e diagnóstico nas habilidades relacionadas a linguagem/aprendizagem têm constantemente mostrado preocupação em garantir que o desempenho das crianças nas provas e testes isoladamente não definam por si só o diagnóstico fonoaudiológico. Estes recursos avaliativos muitas vezes avaliam o que a criança foi ou não capaz de responder/aprender, mas não o potencial que tem para aprender determinada habilidade. Para assegurar que o processo de avaliação seja completo, além do trabalho em equipe, temos tentado proporcionar as crianças, ainda durante este processo, treinar algumas das habilidades que envolvem a linguagem oral ou leitura e escrita e verificar se (e como) conseguem melhorar o seu desempenho. Avaliar em processo, ensinando ou expondo pré-escolares e escolares, em diferentes programas instrucionais, informatizados ou não, que ensinem as habilidades relacionadas a fala, leitura, escrita e matemática, poderia garantir que essas crianças sejam expostas a situações comunicativas facilitadoras e aí sim complementar o processo de avaliação. Estudos atuais em escolares com dificuldade/distúrbio de aprendizagem sugeriram que garantir a instrução adequada e verificar a responsividade dessas crianças em programas específicos deve fazer parte do processo de identificação desse quadro (Speece, Case e Molloy, 2003). Estabelecer metas e comparar o desempenho das crianças antes e após o treino pode confirmar, negar uma condição ou apontar novas ações para nossa atuação. O acompanhamento da equipe durante o processo de avaliação fonoaudiológica em nossa prática diária e adicionar as nossas discussões informações sobre avaliação genética, neurológica, psicológica, pedagógica e de imagem têm contribuído para entender o complexo mecanismo da comunicação e seus distúrbios. Referências Bibliográficas CRAIG,R.J. Entrevista clínica e Diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas,1991. HADJI, C. A Avaliação, Regras do Jogo. 4a. Ed. Portugal:Porto,1993. FERREIRA, A. B. H., 1986, Novo dicionário da língua portuguesa, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 1128. FREIRE-MAIA, N. A ciência por dentro. 5. ed. Rio de Janeiro : Vozes, 1998. NICOLOSI, L.; HARRYMAN E.; KRESHECK, J. Terminology of communication disorders speech language hearing. Baltimore, Williams Wilkins, 1996. REA-NETO,A Raciocínio clínico-o processo de decisão diagnóstica e terapêutica, Revista da Associação Médica Brasileira, V:44, 4, 1998. SALVIA, J.; YSSELDYKE, J.E. Avaliação em educação especial e corretiva. 4.ed. São Paulo: Manole, 1991. SPEECE,D. L; CASE, L.P; MOLLOY,D.E Responsiveness to General Education Instruction as the First Gate to Learning Disabilities Identification Learning Disabilities Research & Practice, 18(3), 2003, 147–156
 
Contato: giacheti@uol.com.br
 

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