O PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DE VOZ PROFISSIONAL SOB A VISÃO DA CLINICA FONOAUDIOLÓGICA
Maria Lucia Dragone
Comentador(a) de Caso
Instituição: UNIARA / UNIVOZ / UNESP-FCLAR
 
O conteúdo desta mesa, Protocolos de Avaliação de Voz Profissional, foi dividido para facilitar a abordagem do assunto sob prismas teoricamente diferentes. Coube-me a função de abordá-lo sob a visão da Clínica Fonoaudiológica. É preciso, no entanto, deixar claro que existem limites tênues entre as avaliações de voz profissional realizadas com diferentes finalidades: clínica, ocupacional e perícia. Tais limites tênues podem ser observados, inicialmente, pela tentativa de classificar de forma diferenciada a voz profissional e voz ocupacional. Os termos se entrelaçam e podem ser compreendidos como sinônimos: uma voz é considerada como profissional desde que seja necessária para o exercício da função profissional, se é utilizada no trabalho (seja artístico, empresarial ou educacional), quando é exposta as intercorrências laborais, pode ser denominada como ocupacional; mas, não se trata da mesma voz? Os termos se confundem, e precisam ainda ser mais bem estudados e definidos com parâmetros sólidos para que, se possível for, realmente separe o profissional do ocupacional. O fonoaudiólogo clínico quando atua com portadores de voz profissional precisa voltar-se para o exercício profissional de seu cliente. O usuário de voz na profissão, independente da demanda ou da especificidade, quando procura uma avaliação fonoaudiológica busca resultados que ilustrem objetivamente suas características vocais para melhor conhecê-la e construir novas possibilidades de performance profissional; pode buscar aprimoramento vocal ou tratamento das alterações para retomar a voz ideal. Com esta expectativa, os resultados da avaliação não podem ser vagos, precisam estabelecer padrões objetivos, que viabilizem uma avaliação clara passível de ser comparada com futuras outras reavaliações com o mesmo profissional ou com outros que tomarem contato com o caso. Os dados obtidos precisam ser graduados segundo a intensidade da alteração, segundo a funcionalidade da voz e segundo o grau de limitação nas atividades de vida pessoal e profissional. O cliente tem o direito de tê-los em mãos, documentando sua performance vocal, que com certeza será também documentada em exames admissionais, em possíveis processos de perícia, e, podem ser muito úteis na tomada de decisões profissionais. Desta forma, inviabilizam-se avaliações integralmente subjetivas, sem dados mensuráveis passíveis de serem comparados intra-sujeito futuramente ou com as datas bases de normalidade. O fonoaudiólogo precisa tomar consciência dessa objetividade, palpável, tanto na confirmação da eficiência do seu trabalho dentro de parâmetros que podem ser compreendidos por seus pares e pelas equipes interdisciplinares, como para a valorização de sua própria ação terapêutica na constatação objetiva da melhora do cliente pós-terapia. No entanto, a tarefa de avaliar voz profissional não pode ser considerada de forma alguma como um fato estagnado, rígido, a ponto de podermos traçar protocolos padronizados para todo tipo de uso profissional da voz, sem deixar espaço para considerações perceptivas de difícil mensuração, e que complementa caracterização da voz humana no impacto causado no ouvinte ou na aceitação da mesma pelo sujeito que a emite. A Avaliação Clínica da Voz Profissional tem necessidade de um olhar amplo voltado para a funcionalidade e para a demanda exigida no desempenho do trabalho com a finalidade de oferecer os melhores caminhos de aprimoramento e tratamento. Detalhes são fundamentais para a estruturação de orientações que adeqüem as situações laborais as melhores condições de uso vocal. Os dados obtidos precisam ser o mais objetivos possíveis, oferecendo condições de acompanhamento dos resultados terapêuticos, e, para oferecerem relatórios consistentes, de compreensão clara para serem utilizados, se necessário, pelo cliente junto à empresa ou a profissionais da saúde do trabalho. Desta forma encontram-se aqui também linhas tênues de interfaces entre os protocolos de avaliação clínicos, ocupacionais e de perícia. A mais clara diferença está no foco: o protocolo de avaliação clínico é direcionado a performance e ao tratamento do cliente individualmente, o protocolo ocupacional é direcionado as condições de trabalho e a performance vocal da empresa; e o de perícia é direcionado para identificar as condições laborais e relacioná-las a legislação vigente de cuidado com a saúde do trabalhador. A montagem de Protocolos de Avaliação de Voz Profissional é fundamental para orientar o trabalho do fonoaudiólogo, fortalecendo-o quanto a sua qualidade e organizando-o para que não sejam esquecidos aspectos fundamentais relevantes para a estruturação da intervenção, seja ela orientação, aprimoramento ou tratamento. Deve-se ressaltar a necessidade do estabelecimento de um diagnóstico interdisciplinar das condições anatômico–funcionais da laringe, obtido através da parceria otorrinolaringologista. Também precisa ser sempre lembrado que alterações vocais podem ter sido induzidas pelo ambiente de trabalho, e que a voz faz parte da qualidade de vida do cliente sob o prisma social e profissional. O quê avaliar? –Histórico pessoal (queixa, saúde geral, hábitos, tratamentos pregressos) e profissional (incluindo as aspectos organizacionais e ambientais do trabalho)/ sintomas/ qualidade vocal/ grau de alteração/ funcionalidade, participação e limitação vocal nas atividades sociais e profissionais. Como avaliar? – Protocolar e mensurar. –Estabelecer protocolos específicos para as diferentes atividades profissionais, pois, nelas ocorrem diferentes funcionalidades e níveis de participação da voz e há diferentes ambientes de trabalho no exercício das diferentes profissões. – Buscar protocolos já validados, reconhecidos no meio científico para facilitar a padronização, a compreensão e a comparação de resultados. Conhecer o objetivo para o qual foi criado, aplicá-lo e analisá-lo segundo os critérios estabelecidos pelos autores. –Sempre que possível utilizar análises acústicas indicando o programa utilizado, o tipo de amostra e anexando uma interpretação do resultado. É preciso tomar consciência do esforço internacional para se consiguir estabelecer nomenclaturas e padronizações da mensuração de alterações de saúde e suas relações com a vida social e profissional das pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Diferentemente do CID-10 que fornece “diagnóstico” de doenças, de distúrbios ou de outras condições de saúde, a CIF fornece a classificação da “conseqüência da doença”, ou seja, do seu impacto na condição de saúde da pessoa. A proposta da OMS agrupa sistematicamente diferentes domínios de uma pessoa em um determinado estado de saúde: o que uma pessoa com uma doença ou transtorno faz ou pode fazer, aborda categorias de saúde e estados relacionados à saúde, não somente de pessoas, e estimula a descrição do contexto de fatores ambientais e pessoais – como processo ou resultados. Aplicar essa classificação nos resultados das avaliações clínicas de voz pode ser uma sugestão interessante para que passemos a praticar uma padronização internacional da mensuração dos aspectos da saúde das pessoas, e para que possamos encontrar um consenso sobre aspectos de difícil análise, como por exemplo as dificuldades atualmente encontradas para determinar o tipo e grau de alteração vocal que torna impeditivo o exercício de uma determinada profissão. Finalizando, é preciso deixar destacado que estudos detalhados da voz na performance profissional e das especificidades laborais fortaleceram-se nos últimos anos, incluindo aqueles voltados para as relações existentes entre voz e a qualidade de vida dos indivíduos. Cada vez mais se percebe que não é possível a construção de um protocolo padrão, igual para todas as vozes profissionais. Também, fica cada vez mais evidente a necessidade de que ações clínicas ocorram em compasso combinado com as ações ocupacionais.
 
Contato: mldragone@yahoo.com.br
 

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