Código: PPA0732
CONTRIBUIÇÃO DA RECICLAGEM DO COURO NO PROGRAMA DE CONSERVAÇÃO AUDITIVA
 
Autores: Iraides Maria do Prado Dias Baffa, Ana Claudia Mirândola Barbosa Dos Reis
Instituição: UNIFRAN
 
O equipamento de proteção individual auditivo mais usado para prevenir a perda de audição induzida pelo ruído possui uma serie de inconvenientes que podem ser evitados se fizermos uma proteção adequada diretamente na fonte de ruído ao encapsular com algum material acústico acessível. Dentro desta perspectiva iniciamos este trabalho.

A indústria de calçados em algumas cidades brasileiras gera centenas de toneladas de resíduos de couro diariamente, dois terços dos quais advém do couro e o restante de material sintético (EVA e PVC) ou misto (espuma, tecido, madeira, papelão, etc). O resíduo em couro se apresenta em pó, raspas e retalhos, sendo os dois primeiros provenientes do beneficiamento da pele de vários animais (gado, ovelha, avestruz, etc) no curtume. O material descartado pelos curtumes na primeira fase de industrialização para artefatos de couro (pó e raspa), tem sido reaproveitado pela própria indústria na fabricação de palmilhas e reforços para calçados, assim como fazem totalmente com a borracha de solados. O material sintético também tem sido reaproveitado, podendo ser encontrado até em blocos para construção civil na região sul do país. A dificuldade de reciclagem se encontra no retalho de couro proveniente da fase final da fabricação de calçado e artefatos que é na maioria das vezes, lançado em
aterro sanitário.

O objetivo deste trabalho começou com a busca de alternativas de aproveitamento do resíduo da indústria de calçado que apresenta sua maior parte na forma de retalhos de couro, tratado quimicamente para oferecer impermeabilidade, flexibilidade e durabilidade em um calçado. A reciclagem em blocos de concreto se mostrou viável ao longo da pesquisa para várias finalidades principalmente no programa de conservação auditiva.

A metodologia utilizada foi desenvolver o bloco que tivesse as melhores características para controle de ruídos em uma edificação conforme as normas vigentes e depois testá-lo em situações adequadas para prevenir a perda de audição induzida por ruído.

Os primeiros ensaios foram feitos para determinar a quantidade de adição de resíduo de couro que desse uma consistência normal sem perda significativa de resistência. Foram testados vários tamanhos de retalhos de couro substituindo parte do agregado graúdo e do miúdo em porcentagens de adição de até 100% em relação ao peso do cimento.

O bloco de concreto com couro é pré-fabricado devido aos cuidados que são necessários nos procedimentos de confecção e moldagem para manter um padrão de qualidade. Estes concretos estudados foram desenvolvidos conforme as possibilidades de utilização na construção civil, podendo ser estrutural ou de vedação e enchimento. O bloco de concreto com couro é composto de cimento Portland comum CP-32, agregado miúdo de areia natural e pedaços de couro menores que 10mm. A massa específica do retalho de couro está dentro do limite para ser considerada uma adição como agregado leve, estando abaixo de 1g/cm3 (menos da metade do agregado convencional). O resíduo de couro tem várias origens e tratamentos, podendo ter diferentes texturas e resistências. A espessura varia entre 1,6 a 2,14 mm e o alongamento máximo pode variar de 60 a 150%.

A adição de resíduo de couro pode ser considerada inerte (sem provocar desagregação da mistura) conforme se observa na imersão em pasta de cimento até o fim de pega (endurecimento). O comportamento físico do retalho de couro em contato com a água é de deformação elástica, e neste alongamento o cimento penetra nos poros. O cimento no fim de pega (endurecimento) estabiliza a deformação do couro.

O comportamento químico do couro em pasta é estável com água potável e temperatura ambiente. A absorção de água pelo retalho de couro é alta e rápida, devendo ser adicionado saturado em água potável. A saturação leva aproximadamente 3 minutos conforme a espessura do couro. A decomposição do couro, em geral, ocorre em meios de pH muito ácido (abaixo de 2) ou muito básicos (acima de 14), numa exposição contínua por vários dias (o que dificilmente ocorre em construções usuais). Neste caso, é recomendável uma impermeabilização do elemento pré-fabricado.Outra condição é não submeter o couro às temperaturas acima de 80oC, mas estudos ainda em andamento sugerem resistência à temperaturas mais altas nos pré-fabricados de concreto com adição.

O bloco de concreto acústico foi definido após vários testes para as porcentagens acima de 50% de couro em relação ao peso de cimento. O restante do agregado do concreto é apenas areia para ser classificado como concreto leve.

Os concretos com adições de até 10% de resíduo são adequados para blocos estruturais de peso reduzido para alvenaria. Aumentando as adições até 100% teremos blocos leves com menor resistência à compressão, mas ainda adequados para elementos de vedação e enchimento com redução do peso em até 40%. Uma das vantagens do bloco com couro é a obtenção de um elemento com massa específica baixa melhorando a economia de fundações da construção, mas a principal vantagem tem se mostrado no controle de ruídos como material acústico.

A legislação trabalhista obriga a execução de testes para os trabalhadores expostos a ruídos em níveis acima de 85 dB A, por 8 horas diárias, inicialmente padronizados nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz.

O equipamento medidor da variação de pressão sonora foi instalado sempre a mesma distancia de 20cm da célula num ambiente que variava em torno de 40dB(NPS).

Os ensaios acústicos foram desenvolvidos em um bloco de referencia (concreto sem couro) e outros oito blocos com 10, 20, 30, 50, 60, 70, 80, 100 % de couro em relação ao peso do cimento. Nas freqüências citadas acima aplicando uma pressão sonora de 86 a 100 dB A, dentro do bloco de referencia sem couros obteve-se uma redução variando em torno de 70 dB A independente da freqüência. Entretanto, com a adição de couro a pressão sonora se reduz para 65 a 45 dB A conforme a quantidade de couro, mostrando uma atenuação do ruído em até 25% no bloco de uma parede de concreto com couro em relação ao bloco sem couro.

Na segunda etapa dos ensaios, uma célula de oito blocos de concreto foi montada com a parte central de tamanho que permitisse a colocação de uma fonte de ruído. Cada bloco tinha as dimensões de blocos convencionais de concreto para construção civil (39x19x14 e 39x19x9) variando a espessura das paredes em 9 e 14cm. A célula tinha dois blocos embaixo (“deitado” com os furos na horizontal), quatro nas laterais (furos na vertical) e dois encima. Os blocos foram escolhidos conforme os testes preliminares mostraram a melhor absorção acústica, ou seja, entre 50 e 70% de pedaços de couro em relação ao peso do cimento da mistura. Os blocos foram montados com argamassa convencional de alvenaria sem revestimento, e os dados obtidos têm nesta fase, duas paredes finas de concreto com couro para proteção acústica.

As medidas foram feitas novamente nas freqüências de 500 a 4000Hz com a fonte encapsulada na célula mostrando sensivel melhoria nos resultados com uma atenuação de até 30% da célula com bloco de concreto com couro em relação ao bloco de concreto convencional. Por ser um material mais poroso e leve teve melhores resultados em freqüências mais altas. A célula foi testada com os blocos vazios e também com os blocos cheios mostrando significativa diferença quando cheios de couro em raspa e pedaços, mas indiferente quando em pó ensacado. Os resultados satisfatórios motivaram a construção de cabide maior para testes, conforme as normas internacionais de acústica (ASTM), para obter os coeficientes reais do material na etapa seguinte desta pesquisa.

Os testes feitos com a célula simulam uma máquina industrial encapsulada mostrando as vantagens deste bloco de fácil execução e montagem no controle de ruído. A alvenaria destes blocos é simples, de baixo custo e não necessita acabamento. O material pode ainda ter as características acústicas melhoradas e os testes ampliados para situações reais de fábrica.
 
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Contato: ira@biomag.usp.br
 

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