IDENTIFICAÇÃO DE ZONAS MORTAS NA CÓCLEA POR MEIO DO TESTE TEN ANTES E APÓS A ADAPTAÇÃO DE APARELHO DE AMPLIFICAÇÃO SONORA (AAS)
Regina Tangerino Jacob
Comentador(a) de Caso
Instituição: UNOESTE/FUNCRAF
 
Introdução: O profissional da área da Audiologia avalia a funcionalidade do Sistema Auditivo antes de selecionar qualquer tipo de amplificação. Por muito tempo, a pré-seleção do AAS era baseada na identificação da localização da perda auditiva, podendo ser condutiva, mista ou neurossensorial. Atualmente, o conhecimento dos mecanismos ativos da orelha interna, e seus papéis de transmissão (células ciliadas externas) e transdução sonora (células ciliadas internas) levou à necessidade de pesquisas supraliminares, como as medidas de desconforto auditivo, e, também, ao levantamento de diferentes tipos de perdas neurossensoriais, que terão influência direta no sucesso da adaptação do AAS. Em meados de 2000, Moore e seus colaboradores retomaram o conceito de “zona morta da cóclea” e desenvolveram o teste Threshold-Equalizing Noise (TEN - ruído de equalização dos limiares) para detectar áreas com células ciliadas cocleares não responsivas, em que regiões adjacentes responderiam ao estímulo sonoro inicialmente sintonizado para a área lesada. Os resultados de pesquisas demonstrados por sua equipe representam importantes implicações no processo de adaptação de aparelhos de amplificação sonora (AAS), pois sugerem não haver benefício, ou então mínimo benefício, em amplificar as freqüências de uma região de zona morta para a percepção da fala. No entanto, os testes para identificação dessas regiões ainda não fazem parte da prática clínica entre os profissionais da área, evidenciando a necessidade de maiores investigações sobre o assunto, a fim de verificar as reais aplicações do novo conceito de zonas mortas da cóclea, tema que foi objeto de estudo do presente trabalho. Objetivo: Investigar, por meio do teste TEN (Threshold Equalizing Noise), a presença de zonas mortas na cóclea de indivíduos com perda auditiva neurossensorial antes e após a adaptação de AAS. Método: Local: Centro dos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (CEDALVI) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, campus Bauru (HRAC-USP-Bauru). Participantes: 72 indivíduos adultos, distribuídos em quatro grupos: G1 (5 mulheres com limiares tonais aéreos dentro do padrão de normalidade); G2 (4 mulheres e 5 homens com perda auditiva neurossensorial moderada plana; G3 (19 mulheres e 24 homens com perda auditiva neurossensorial descendente com o grau variando entre leve a profundo; G4 (9 mulheres e 6 homens do grupo G3) divididos em G4.1 (antes do uso do AAS) e G4. 2 (após a adaptação de AAS). Procedimento: O teste TEN foi aplicado nos grupos G1, G2, G3 e G4, sendo que os participantes do G4 já haviam realizado uma primeira avaliação quando fizeram parte do G3. O período entre as duas avaliações com o TEN variou de três a cinco meses. Foi aplicado o questionário QI-AASI em 29 participantes do grupo G3 que apresentaram resultados indicativos de presença de zonas mortas na cóclea. Resultados e discussões: Para o grupo G1, o valor de TEN necessário para eliminar o tom de teste foi, em média, próximo ao limiar absoluto para todas as freqüências. De acordo com os critérios de Moore et al (2000), não foi observada presença de zona morta para nenhuma das orelhas testadas do grupo G2. Para as 76 orelhas testadas do grupo G3, apenas 6 não apresentaram indício de presença de zona morta na cóclea. No grupo G4, observou-se diferença estatisticamente significante para a freqüência de 4kHz no teste TEN pré e pós-adaptação de AAS. Os 29 sujeitos do grupo G3 avaliados pelo QI-AASI demonstraram-se satisfeitos com seus AAS. Nos achados desse estudo, na situação de teste (G4.1) e reteste (G4.2) de 26 orelhas, constatou-se alterações nos limiares pesquisados antes e após a adaptação de AAS para várias freqüências, havendo significância estatística para a diferença entre o limiar no ruído TEN (LM) e o limiar absoluto (LA) somente para a freqüência de 4kHz. Nessa freqüência, as alterações modificaram os resultados que antes eram inconclusivos, pois apresentavam uma diferença de 5dB entre LM e LA, para resultados indicativos de zona morta, ou seja, diferença de 10dB entre LM e LA (5 orelhas). No entanto, para as freqüências de 1, 2 e 3kHz, houve mudança de resultado indicativo de zona morta para não indicativo (3 orelhas 5). Nas freqüências de 1kHz (3 orelhas) e 2kHz ( 2 orelhas) os resultados mudaram de inconclusivos para não indicativo de zona morta. Apesar da análise estatística ter apontado significância na diferença entre LM e LA na situação teste e reteste somente para a freqüência de 4kHz, se fosse adotado na prática clínica o primeiro resultado (G4.1) como definitivo para conduta, e a amplificação ocorresse apenas até 1.7 vezes a região tida como limite de zona morta (Moore, 2004), não seria oferecido ganho para as altas freqüências em 3 orelhas. Da mesma forma, ocorreria “superamplificação” em 5 orelhas, o que leva ao questionamento da efetividade do teste TEN em indicar o ganho desejável do AAS para indivíduos com e sem zona morta. Palmer (2004) recomendou cautela na interpretação dos resultados de testes de zona morta para a prescrição do ganho, fazendo uma brincadeira com as palavras, onde “as altas freqüências não deveriam ser enterradas ainda”, visto que há estudos demonstrando que muitos indivíduos com prováveis zonas mortas apresentaram melhora no desempenho com o retorno da audibilidade em altas freqüências. As alterações nos limiares de audibilidade antes e depois do uso do AAS podem ainda pressupor o fenômeno de aclimatização. Segundo o wokshop de Eriksholm (Arlinger et al 1996), aclimatização é uma mudança sistemática na performance auditiva com o tempo, associada a uma mudança na informação acústica disponível ao indivíduo. Envolve uma melhora de performance que não pode ser atribuída puramente a efeitos de treinamento ou exercício. No que se refere ao tempo de amplificação, o presente trabalho fundamentou-se nas recomendações de Gatehouse (1996), que sugere a verificação da amplificação de três ou quatro meses após o início do uso do AAS. Todos os participantes do grupo G4 eram novos usuários de AAS, e o período de aplicação do teste TEN antes (G4.1) e após (G4.2) a adaptação variou entre três e cinco meses. Boéchat (2002), em seu estudo sobre a plasticidade do sistema auditivo quanto à sensibilidade auditiva para tons puros e respostas para a fala na deficiência auditiva neurossensorial, ressalta que “todo e qualquer processo de avaliação ou verificação do benefício com os AAS’s deve levar em conta o fenômeno da aclimatização” (p.136). A autora encontrou evidências de melhora na variação de sensibilidade e IPRF, na orelha pior, de indivíduos que apresentavam perda neurossensorial bilateral assimétrica ou unilateral, com a introdução de estímulo auditivo pela amplificação com AAS. O teste TEN provavelmente apresenta-se como mais um recurso para a compreensão das queixas quanto à amplificação de indivíduos com perda auditiva neurossensorial em rampa; porém, devido à variabilidade na condição teste e reteste, a presença de zona morta indicada pelo TEN não é suficiente para definir a conduta quanto à prescrição do ganho acústico do AAS no caso de novos usuários. Recomendamos priorizar o período de aclimatização adequado às novas situações de audição como determinante no processo de acompanhamento e aconselhamento do indivíduo. O termo zona morta na cóclea, traduzido do original “dead cochlear region” (Moore et al, 2000), reflete uma conotação muito forte, pois sugere um fenômeno “tudo-ou-nada”, em que um resultado indicativo de zona morta excluiria a possibilidade de aproveitamento dessa região, principalmente na compreensão do prognóstico para um indivíduo leigo. Conclusões: O teste TEN, de acordo com os critérios de Moore et al (2000), é efetivo para indicar presença de zona morta da cóclea em indivíduos com perda auditiva neurossensorial descendente. Há evidência de diferença na detecção do tom puro na presença de ruído para indivíduos com perda auditiva em altas freqüências e aqueles com perda auditiva plana, pois se observou diferença significativa entre o limiar mascarado e absoluto apenas para perdas auditivas descendentes e não para as planas. A presença de zona morta indicada pelo TEN não é suficiente para definir a conduta quanto à prescrição do ganho acústico do AAS no caso de novos usuários, pois, além de 29 usuários de AAS que apresentaram indícios de presença de zona morta no teste TEN relatarem satisfação quanto à amplificação, houve mudança significativa do resultado do teste TEN na situação teste e reteste para a freqüência de 4kHz. Referências Bibliográficas Arlinger S, Gatehouse S, Bentler RA, Byrne D, Cox RM, Dirks D, Humes et al. Report of the ErikSholm workshop on auditory deprivation and acclimatization. Ear Hear 1996; 17:87-90. Boéchat EM. Plasticidade do sistema auditivo quanto à sensibilidade auditiva para tons puros e respostas para a fala na deficiência auditiva neurossensorial [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2002. Gatehouse S. Editorial of plasticity, deprivation and acclimatization. Ear Hear 1996; 17: 1-2. Moore BCJ. Dead regions en the cochlea: conceptual foundations, diagnosis, and clinical applications. Ear Hear 2004; 25:98-116. Moore BCJ , Huss M, Vickers DA , Glasberg BR , Alcàntara JI. A test for diagnosis of dead regions in the cochlea. Br J Audiol 2000; 34: 205-24. Palmer CV. Deprivation, acclimatization, adaptation. Hearing J 2004; 57(1): 12-16.
 
Contato: reginatangerino@uol.com.br
 

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