Código: PIA0110
TREINAMENTO AUDITIVO EM OFICINAS: OPÇÃO TERAPEUTICA EM GRUPO
 
Autores: Juliana Nunes Santos , Isabel Plais do Couto, Raquel Martins da Costa Amorim
Instituição: FEAD MINAS
 
Introdução

Biologicamente, a maioria dos seres humanos nasce ouvindo e desenvolve habilidades auditivas como a localização da fonte sonora, discriminação, memória e reconhecimento. Porém o contato da criança com o meio ambiente parece determinar a qualidade do desenvolvimento dessas habilidades (Ribas, 2001).
Pesquisas recentes têm demonstrando evidências consideráveis que o treinamento auditivo (TA) pode melhorar vários processos auditivos, promovendo uma reorganização do substrato neural auditivo. Existem mudanças na morfologia e desempenho auditivo depois do treinamento auditivo ou rigorosa estimulação sonora. Cérebros jovens possuem maior plasticidade e podem se alterar rapidamente (Musiek et al, 1999), observando-se melhoras efetivas nas habilidades dos indivíduos submetidos ao TA (Musiek, Berge, 1998; Gil et al 2000; Chaves et al, 2001; Schochat et al 2002).
Na literatura fonoaudiológica é possível encontrar trabalhos grupais desenvolvidos junto a sujeitos com atraso e/ou alterações de linguagem, motricidade orofacial, voz, leitura e escrita, porém pouco se pesquisa sobre indivíduos deficientes mentais enfocando a audição.
Ademais, os efeitos do TA em indivíduos portadores de deficiência mental ainda são desconhecidos. Na definição desta patologia verifica-se o estado de redução notável do funcionamento intelectual significativamente inferior à média, associado à limitações pelo menos em dois aspectos do funcionamento adaptativo: comunicação, cuidados pessoais, competência domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho (Ballone, 2003). Entretanto, sabe-se que o funcionamento adaptativo da pessoa pode ser influenciado por vários fatores, incluindo treinamento, educação, motivação, características de personalidade, oportunidades sociais e vocacionais, necessidades práticas e condições médicas gerais. Acredita-se que os problemas na adaptação melhorem em decorrência de oportunidades vivenciadas, favorecendo a independência/interdependência, produtividade e integração destes indivíduos na comunidade. Portanto, espera-se que o TA seja eficaz quando realizado em grupos no ambiente de oficinas (laboratório de atividades) e que venha aprimorar a interação familiar e o desempenho da percepção auditiva do indivíduo deficiente mental, já que estudos apontam para um mau funcionamento das respostas automáticas auditivas do cérebro desta população (Ikeda et al, 2000).
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo verificar a eficácia do TA em grupo de excepcionais no ambiente de oficinas, além de avaliar uma possível relação entre a melhora do desempenho da percepção auditiva do indivíduo e seu comportamento auditivo no ambiente familiar.

Materiais e Métodos
Este trabalho caracterizou-se por um estudo longitudinal prospectivo onde foram sujeitos da pesquisa 15 alunos matriculados na Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE) de Congonhas que freqüentavam os Centros de Convivência da escola. Os participantes foram, aleatoriamente, divididos em dois grupos: caso (n=7) e controle (n=8).
Definiu-se como critérios de inclusão no estudo estar matriculado na APAE, freqüentar o Centro de Convivência já existente na Instituição e possuir deficiência mental de grau leve a moderado.
Como critérios de exclusão, foram estabelecidos apresentar síndrome degenerativa, ser deficiente auditivo de grau moderado à profundo bilateralmente, possuir deficiência mental que incapacitasse o indivíduo a participar das avaliações e atividades propostas pela oficina, e obter ausência de respostas evocadas auditivas em pelo menos uma orelha.
Primeiramente, foi realizada a inspeção do meato acústico externo para descartar a presença de cerúmen. Posteriormente, para testar a integridade coclear dos indivíduos por meio da captação de emissões evocadas das células ciliadas externas, foi realizado o exame de emissões otoacústicas evocadas transientes e por produto de distorção em todos os indivíduos (Andersson et al, 2000). Os exames foram realizados no Centro FEAD de Fonoaudiologia em Belo Horizonte com o equipamento Madsen Capella, da GN Otometrics, modelo CE, série 459. Aqueles indivíduos que obtiveram ausência de respostas em pelo menos uma das orelhas, foram excluídos da amostra. Dessa forma, excluiu-se 02 indivíduos do grupo caso, permanecendo somente 13 indivíduos no estudo, sendo cinco do grupo caso (idade média=20,6 anos) e oito do grupo controle (idade média=26,7 anos).
Os participantes foram avaliados com protocolo específico quanto às habilidades auditivas (testes de localização, identificação, memória, seqüência e discriminação auditiva) no início e término do projeto.
Além disso, pretendeu-se verificar o impacto e repercussões da oficina no contexto familiar por meio da aplicação de um questionário à família do aluno. Foram utilizadas questões do “Auditory Behavior in Everyday Life” (ABEL), questionário desenvolvido nos EUA para verificar as percepções paternas acerca do comportamento auditivo de seus filhos (Purdy et al, 2002) com adaptações realizadas pelas pesquisadoras. Este questionário foi aplicado no início e final do projeto às famílias dos 13 alunos envolvidos.
A oficina de TA aconteceu nos meses de outubro a novembro de 2004, com freqüência de duas vezes por semana e duração de uma hora e 30 minutos cada encontro, totalizando 10 sessões. O projeto foi organizado em módulos temáticos (instrumentos musicais, sons produzidos pelo corpo humano, sons de animais, sons ambientais) e incluiu atividades de identificação, discriminação, atenção, compreensão e memória auditiva.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Mater Dei sob protocolo 074. Os responsáveis pela escola autorizaram a realização do projeto e os responsáveis pelos participantes (alunos) foram informados do caráter voluntário da pesquisa, seus benefícios e possíveis repercussões, e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
A entrada de dados foi realizada em um banco estruturado especificamente para este estudo no programa estatístico Epi-Info 6.04. Para análise de variáveis contínuas foram utilizados a média, a variância e o teste T de Student e o teste F. Para análise das variáveis categóricas foi utilizado Teste Exato de Fisher. O nível de significância adotado foi 5%.

Resultados e discussão

Os grupos não diferiram entre si quanto à idade (média=23,6 anos) e gênero, sendo 40% do masculino. Na avaliação inicial obteve-se desempenho semelhante dos grupos. Na avaliação final, observou-se melhora nas habilidades auditivas do grupo caso, sendo que os índices de aproveitamento obtidos pelos indivíduos dos grupos caso e controle nas provas foram, respectivamente: localização sonora (100% e 63%), memória (94,3% e 70,5%), seqüencialização (48,6% e 19,6%) e discriminação auditiva (90,6% e 70,3%).
Quando se comparou a média de acertos dos indivíduos dos grupos caso e controle nas avaliações inicial e final obteve-se resultado estatisticamente significante nas provas de localização sonora (p=0,02), seqüência auditiva (p=0,006) e discriminação auditiva (p=0,03), o que comprova a eficiência do TA quanto à estas habilidades.
Nas provas de identificação e compreensão auditiva, foi possível observar que os dois grupos apresentaram bom desempenho nesta habilidade já na primeira avaliação, o que não diferenciou em relação à segunda avaliação. Tais achados demonstram que estas habilidades estão presentes entre os indivíduos com deficiência mental com audição normal, não sendo influenciada por um possível mau funcionamento das respostas automáticas auditivas cerebrais (Ikeda et al, 2000).
Pode-se dizer que o TA foi efetivo, sendo verificada uma melhora das habilidades auditivas dos indivíduos, em concordância com a idéia defendida por renomados autores internacionais, que acreditam que a melhora destas habilidades provavelmente surge como resposta à influência ambiental (Musiek, Berge, 1998). A efetividade do TA também foi verificada em estudos nacionais (Gil et al 2000; Chaves et al, 2001; Schochat et al 2002).
Esta efetividade pode ser justificada pela presença da plasticidade do Sistema Nervoso Auditivo associado à estimulação das habilidades auditivas, estas, fundamentais para o desenvolvimento e o uso da linguagem normal (Aita, 2003).
No entanto, as respostas dos pais em relação ao comportamento auditivo de seus filhos não evidenciaram melhora significante nos indivíduos submetidos ao treinamento. O questionário, que buscou avaliar a percepção auditiva dos pais em relação ao comportamento auditivo de seus filhos, mostrou não ser o mais adequado para avaliar as mudanças do comportamento auditivo em deficientes mentais submetidos ao TA.
Em concordância com estudos anteriores (Hugenneryer, Oliveira, 2000; Panhoca, Penteado, 2003) pode-se dizer que a oficina de atendimento em grupo proporcionou o compartilhar de experiências entre os indivíduos, assim como se deparar com suas dificuldades e capacidades frente ao outro, contribuindo para o crescimento geral do grupo.
Além disso, os participantes desfrutaram de um ambiente terapêutico com ênfase na participação mútua e no jogo, o que diminuiu a ansiedade do grupo e os permitiu aprender com maior motivação (Ide, 1997, Dias 2000).
Esta pesquisa evidenciou a eficácia do TA, assim como a capacidade de aprendizagem dos deficientes mentais (Ballone, 2003), especialmente no que se refere às habilidades auditivas já que observou-se melhora em quatro das seis habilidades trabalhadas.
Espera-se que o presente estudo venha auxiliar os profissionais dos serviços públicos de saúde a repensarem o modelo teórico de atendimentos e a reorganizarem as demandas em seus locais de trabalho, traçando frentes de atuação distintas, tais como a oficina de estimulação auditiva em grupo.

Conclusão
O TA mostrou-se eficaz quando realizado em grupo de excepcionais no ambiente de oficinas, observando-se melhora estatisticamente significante nas habilidades de localização, discriminação e seqüência sonora.
No entanto, o melhor desempenho das habilidades auditivas não implicou, necessariamente, numa melhora significativa no comportamento auditivo familiar do paciente.
O trabalho em grupo mostrou-se eficaz não somente nos aspectos mensuráveis do comportamento auditivo, mas também como estimulador do desenvolvimento de aspectos sociais, comunicativos, lingüísticos e cognitivos, gerando um contexto rico em aprendizagens.
 
Andersson E, Arlinger S, Jacobsson S. Evaluation of OAE-recording as a compelmentary test method for adults with moderate to profund mental retardation. Scand Audiol 2000;29(2):120-6.

Aita ADC, Mesquita CDS. Correlação entre as desordens do processamento auditivo central e queixas de dificuldades escolares. J Bras Fonoaudiol 2003;4(15):101-7.

Ballone GJ - Deficiência Mental. 2003. Disponível em URL: http://sites.uol.com.br/gballone/infantil/dm1.html

Chaves RD, Amatucci MAFC, Assencio- Ferreira VJ. Treinamento auditivo: Estudo de caso. Rev CEFAC 2001;3:191-4.

Dias RS. Criar jogos: uma proposta de atuação fonoaudiológica. Rev CEFAC 2000;2:71-7

Gil D, Almeida CC, Phee AM, Artoni AA, Pellogia CC, Antunes F et al. Efeito do treinamento auditivo para percepção musical nos testes de padrão de freqüência e duração. Acta Awho, 2000;19(2):64-7.

Hugenneyer AG, Oliveira SMRP. Terapia fonoaudiológica em grupo: um caminho possível. Rev SBFa 2000;4(6):19-23.

Ide SM. Linguagem do deficiente mental: desafio à educação. Pró- Fono Rev Atual Cient 1997;9(2):03-10.

Ikeda K, Okuzumi H, Hayashi A, Hashimoto S, Kanno A. Automatic auditory processing and even-related brain potentials in persons with mental retardation. Perceptual and Motor Skills 2000;91:1145-50.

Musiek FE, Berge BE. A neuroscience view of auditory training stimulation and central auditory processing disorders. In: Masters MG, Stecker MA, Katz J. Central auditory- processing disorders (mostly management). Boston: Allyn and Bacon 1998:15-24.

Panhoca I, Penteado RZ. Grupo terapêutico fonoaudiológico: a construção conjunta da linguagem e da subjetividade. Pró- Fono Rev Atual Cient 2003;15:259-66.

Purdy SC, Farrington Dr, Moran CA, Chard LL, Hodgson AS. A parental questionnaire to evaluate children auditory behavior in everyday life (ABEL). Amer J Audiol 2002, 11(2): 72-82.

Ribas A. A influência do meio social sobre o desenvolvimento da percepção auditiva em crianças. J Bras Fonoaudiol 2001;2:224-8.

Schochat E, Carvalho LZ, Megale Rl. Treinamento auditivo: avaliação da manutenção das habilidades. Pró- Fono Rev Atual Cient 2002;14:93-8.
 
Contato: juliana.santos@fead.br
 

Imprimir Trabalho

Imprimir Certificado Colorido

Imprimir Certificado em Preto e Branco