Código: PDL0344
USO E CONHECIMENTO ORTOGRÁFICO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO ESPECÍFICO DA LEITURA E DA ESCRITA
 
Autores: Rosana Siqueira Dias, Clara Regina Brandão de Ávila
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP
 
Verifica-se, atualmente, uma crescente preocupação, no âmbito clínico e científico, com relação às dificuldades do aprendizado da leitura e da escrita. A maioria dos estudos está relacionada com o aprendizado geral da ortografia e têm se ocupado em verificar os erros e acertos que aparecem na escrita de escolares, de modo a descrever a forma como estes aprendem a dominar as regras ortográficas. Entretanto, ainda, não se sabe como as crianças representam as propriedades da norma ortográfica e não se esclareceu, ainda, sobre o que leva o aluno a corrigir seus erros e a passar destes para o acerto (Morais, 1998). Esta pesquisa focalizou sua atenção em crianças com Transtorno Específico da Leitura e da Escrita (TLE). Nestes quadros, o escolar falha em atividades de leitura e escrita, devido a alterações do processamento de informações fonológicas. Mesmo na presença destas alterações (que acontecem na ausência de qualquer prejuízo intelectual, sensorial, perceptivo, social e/ou educacional), o escolar com TLE desenvolve suas capacidades de aprendizado e de lidar com o sistema alfabético para progredir no seu desenvolvimento cognitivo acadêmico. Ele aprende a ler e a escrever, utilizando caminhos de processamento de informação diferentes daqueles esperados. Como esse modo de aprender influencia as atividades de leitura e de escrita, ainda é objeto de estudo e pesquisa. O conhecimento sobre o modo como utiliza regras ortográficas para escrever, ou seja, sobre as capacidades metacognitivas de análise da escrita, ainda foi pouco explorado (Angelelli et al, 2004). O domínio das regras ortográficas parece depender de conhecimentos diferentes sobre os elementos da Língua. Nesta pesquisa optou-se por estudar a utilização de uma única regra ortográfica: a de correspondência grafo-fonêmica direta e independente do contexto. Segundo Scliar-Cabral (2003), este princípio de codificação do Português Brasileiro é o de maior complexidade para o domínio da linguagem escrita, e depende exclusivamente da aprendizagem da criança. Os objetivos deste estudo foram caracterizar a capacidade de um grupo de escolares, com Transtorno Específico da Leitura e da Escrita, de escrever utilizando a regra ortográfica de correspondência grafo-fonêmica direta e independente do contexto, e investigar o conhecimento que esse escolar tem acerca do uso desta regra ortográfica. Foram avaliados 28 escolares de 1ª a 4ª série da rede particular de ensino do município de São Paulo, com diagnóstico de Transtorno Específico de Leitura e Escrita, que constituíram o grupo experimental. Todos apresentavam à época da avaliação, diagnóstico multidisciplinar de Dislexia (ou Transtorno Específico da Leitura e da Escrita), obtido em Associação Brasileira que tem por objetivo atender e orientar pessoas com distúrbios de aprendizagem, mais especificamente quanto a esse transtorno. Tal diagnóstico possibilitou que fossem excluídos da população desta pesquisa, escolares com déficit intelectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais (congênitas e adquiridas), desordens afetivas anteriores ao processo do fracasso escolar, déficit de atenção e hiperatividade. Admitiu-se na constituição deste grupo, escolares que freqüentavam terapia fonoaudiológica há, no máximo 06 (seis) meses, mas que ainda apresentavam a queixa relacionada com o transtorno. Avaliaram-se, também, 28 escolares da mesma rede, que foram pareados por sexo, faixa etária e escolaridade para constituir o grupo de comparação. Os alunos que compuseram este grupo foram selecionados a partir da indicação dos professores, que foram solicitados a encaminhar para esta pesquisa os escolares sem evidências de dificuldades na leitura e escrita. Cada grupo foi constituído por 17 meninos e 11 meninas, sendo 05 (cinco) escolares da 1ª série, 12 da 2ª série, 05 (cinco) da 3ª série e 06 (seis) da 4ª série de diferentes escolas da rede particular de ensino, de diferentes regiões do município de São Paulo - SP. As instituições em que a pesquisa foi realizada assinaram um termo de autorização. Os pais dos escolares de ambos os grupos autorizaram a participação dos seus filhos e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Este trabalho recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) em 29 de outubro de 2004 - nº do protocolo 1155/04. Elaboraram-se três listas com trinta itens lingüísticos: uma com 10 palavras de alta freqüência, outra com 10 palavras de baixa freqüência e a terceira com 10 pseudopalavras para a aplicação de ditado. Estes itens lingüísticos escreviam-se apenas com vogais e as seguintes letras: p, b, t, d, f, v, m, n, e os dígrafos: nh e lh, respeitando a regra ortográfica de correspondência direta independente do contexto, para a codificação (Scliar-Cabral, 2003). As palavras de alta freqüência e baixa freqüência foram selecionadas a partir da análise de livros didáticos de 1ª a 4ª série. Não se considerou a extensão da palavra para a elaboração da lista. Desta forma, fizeram parte da seleção, palavras e pseudopalavras dissilábicas e trissilábicas. Posteriormente ao ditado, solicitou-se que a criança identificasse cada item lingüístico que julgasse ter escrito corretamente e, em seguida, que justificasse, oralmente, cada erro identificado nos itens escritos incorretamente. Neste trabalho, considerou-se como justificativa desde a correção da letra até a referência quanto à familiaridade com a palavra. Para a análise dos erros, estes foram contados admitindo-se a possibilidade de aparecimento de mais de um em cada item lingüístico. Contaram-se apenas aqueles erros relacionados com o uso da regra ortográfica em questão, desprezando-se os demais cometidos pela criança. Foram considerados erros pertinentes ao uso da regra de correspondência direta independente do contexto de escrita as substituições, omissões e duplicações de letras, além das inversões das letras dos dígrafos. As justificativas fornecidas pelos escolares possibilitaram a classificação segundo quatro tipos (A, B, C e D). A justificativa do tipo A referiu-se a quando a criança escreveu corretamente e justificou corretamente sua escrita. Considerou-se essa justificativa, mesmo quando a criança tivesse referido apenas que a palavra escrita estava certa. A justificativa do tipo B referiu-se a quando a criança escreveu incorretamente, identificou um ou mais erro(s) em cada item, e justificou-o(s) corretamente. A justificativa do tipo C referiu-se a quando a criança escreveu incorretamente, identificou um ou mais erro(s) em cada palavra e justificou-o(s) incorretamente, ou, quando a criança escreveu corretamente a palavra, identificou um ou mais erro(s) e justificou-o(s) incorretamente. A justificativa do tipo D referiu-se a quando a criança escreveu incorretamente, não identificou e não justificou o(s) erro(s). Estabeleceram-se, também os critérios: considerou-se justificativa correta quando o escolar localizou, com exatidão, na palavra, a(s) letra(s) incorreta(s) e corrigiu, oralmente, o erro. Considerou-se justificativa incorreta quando o escolar não localizou, com exatidão, a(s) letra(s) incorreta(s) ou não corrigiu, oralmente, o erro. A ANOVA foi utilizada no estudo estatístico. As análises dos resultados mostraram diferenças estatisticamente significantes entre o desempenho ortográfico dos escolares com e sem Transtorno Específico da Leitura e da Escrita. Os escolares de todas as séries do grupo com transtorno apresentaram piores desempenhos na escrita dos três tipos de itens lingüísticos quando foram comparados com os escolares do grupo sem transtorno. Observou-se diminuição dos erros cometidos pelo grupo com transtorno de acordo com a progressão das séries. Essas crianças escreveram melhor as palavras familiares do que os demais itens. Quanto à análise das justificativas, na comparação entre os dois grupos, o grupo com transtorno apresentou maior pontuação nas justificativas dos tipos B e D, enquanto o grupo de comparação apresentou maior pontuação ao aplicar as justificativas dos tipos A e C, sendo estas diferenças, estatisticamente significantes (p= <0,0001). As crianças com Transtorno Específico da Leitura e da Escrita apresentaram dificuldade em escrever mesmo palavras cuja escrita se faz apenas com o uso da regra ortográfica de correspondência grafo-fonêmica direta e independente do contexto. Essa dificuldade diminui com a progressão das séries, e variou conforme o item lingüístico. Esse grupo também mostrou dificuldades em reconhecer e justificar seus erros na escrita. O efeito lexical de familiaridade, e a progressão das séries influenciaram tanto a escrita quanto o reconhecimento da palavra correta no grupo com transtorno.
 
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