EFEITOS DA RADIOTERAPIA EM MOTRICIDADE OROFACIAL |
Vanessa Ponsano Giglio
Palestrante |
Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL |
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A radioterapia está baseada no emprego da radiação para tratamento, utilizando vários tipos de energia que podem atingir o local dos tumores ou áreas enfermas do corpo. Ela pode ser usada para dar alívio ao paciente, diminuir o tamanho dos tumores, diminuir ou estancar hemorragias, ou atuar sobre outros sintomas, como dor. O tratamento radioterápico da região de cabeça e pescoço também acarreta vários efeitos colaterais, incluindo complicações orais a curto e longo prazo. O avanço da medicina moderna com novas possibilidades de tratamentos aliados à alta tecnologia tem proporcionado o aumento da sobrevida de pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço. Por isso, é de fundamental importância que todos os profissionais envolvidos no atendimento a estes pacientes tomem conhecimento sobre os aspectos relacionados às complicações advindas das diferentes modalidades de tratamento. Dentre as opções existentes, destacam-se a Cirurgia, Radioterapia – que pode ser associada à cirurgia ou exclusiva nos casos em que esta não for indicada e a Quimioterapia – usada de forma paliativa nos casos avançados.Propõe-se, portanto, apresentar uma visão geral do uso da Radioterapia no tratamento das neoplasias malignas sediadas na região de cabeça e pescoço, dando ênfase aos efeitos colaterais causados nos tecidos da cavidade oral e nas funções envolvidas. As técnicas empregados pela radioterapia são a Braquiterapia em que a fonte de radiação é colocada dentro ou próximo ao volume-alvo, a Radioterapia Externa ou Teleterapia que propõe tratamento loco-regional englobando o tumor, uma margem ao seu redor e os linfonodos regionais, e a Radioterapia Hiperfracionada, em que se divide a dose diária em 2 frações com intervalo entre elas, mantendo-se o tempo total de tratamento. A Radioterapia pode ter 3 finalidades: curativa, remissiva ou sintomática, e seu emprego pode causar toxidade aos tecidos normais adjacentes ao leito tumoral. De acordo com o período em que ocorrem, os efeitos podem ser classificados como agudos e tardios. Os efeitos agudos ocorrem durante os seis meses após a radioterapia, em células que se dividem rapidamente, tais como as células do tegumento, mucosa, folículos pilosos e medula óssea, sendo geralmente reparáveis. Os efeitos tardios podem apresentar-se meses ou anos após o tratamento e ocorrem em células que se dividem lentamente como as células musculares e as presentes nos vasos, sendo considerados danos permanentes. Além dos efeitos já descritos, cabe ressaltar os problemas psicológicos que acompanham o paciente com câncer, tais como ansiedade e depressão. A simples indicação de um tratamento radioterápico pode representar, para o paciente, aumento nos sentimentos de isolamento e abandono, principalmente quando este se depara num cômodo estranho e um equipamento intimidante durante o tratamento. Dentre os efeitos agudos mais observados nos pacientes submetidos a tratamento radioterápico, destacam-se a mucosite, xerostomia, alteração ou perda de paladar e sensibilidade, inapetência, odinofagia, emagrecimento, desidratação e dermatite. Como reações tardias, destacam-se o trismo, fibrose, osteoradionecrose, necrose de tecido, cárie dentária, edema de laringe, paralisia de prega vocal, diminuição do reflexo de deglutição e da contração faríngea que podem persistir até dois anos se não forem tratados. Como estes efeitos podem estar presentes durante a fonoterapia, alguns deles serão mais detalhados, fornecendo informações sobre as reações ocorridas durante e após a radioterapia. A mucosite é considerada freqüente, inevitável, severa e persistente, acarreta problemas funcionais e é uma porta de entrada para infecções. Esta reação inflamatória acomete a mucosa de revestimento gastrointestinal e cavidade oral provocando dor intensa, dificuldade para se alimentar, escovar os dentes, falar, usar próteses e vem associada a outras complicações como xerostomia, alteração do paladar, disfagia e dificuldade na manutenção do estado nutricional. A mucosite costuma ser mais intensa nos indivíduos que mantém hábitos de ingerir bebida alcoólica, de fumar e naqueles pacientes em quimioterapia coadjuvante. Outros fatores podem ser considerados irritantes, como o uso de próteses, alimentos ácidos e condimentados, superfícies afiadas, ásperas ou fraturadas de coroas dentárias e restaurações. A reação inflamatória é graduada numa escala de 0 a IV, determinando ou não a necessidade de alimentação enteral ou parenteral, e suspensão do tratamento radioterápico até recuperação do paciente. A disfunção das glândulas salivares pode ocorrer horas após a aplicação da radioterapia, provocando redução do fluxo salivar e alteração das características físicas e químicas do fluxo restante que se torna espesso e viscoso, comprometendo a capacidade de lubrificação e limpeza. As modificações quantitativas e qualitativas da saliva podem causar desconforto, prejudicar o paladar, a mastigação, a formação e propulsão do bolo alimentar, a deglutição e a fala, além de propiciar alterações no pH que culminam no crescimento bacteriano e contribuem para o surgimento de cáries e perdas dentárias. A xerostomia é determinada não só pelo dano das células da glândula pela radiação mas também por alterações vasculares e nervosas envolvidas, havendo recuperação da função normal após dois meses até um ano na maioria dos casos, e em outros, pode tornar-se permanente. Os tumores malignos de nasofaringe, base de língua e orofaringe são irradiados geralmente bilateralmente através de campos laterais paralelos e opostos, englobando todas as glândulas salivares maiores e menores, fato que provoca maior dano ao tecido glandular e conseqüentemente maior grau de hipossalivação. O fluxo salivar pode diminuir em ate 90% quando todas as glândulas salivares maiores são afetadas pela radiação. Paralelamente à xerostomia, ocorre modificação na população microbiana local, com o aparecimento de bactérias, fungos e vírus que resultam em infecções secundárias e estão relacionadas à perda da capacidade de limpeza da saliva e do seu efeito antibacteriano e lubrificante. A infecção fúngica manifesta-se mais com mais freqüência na língua, mucosa e comissuras labiais, persistindo por muitos meses após o tratamento em pacientes usuários de próteses totais. A perda do paladar e sensibilidade acentuada ocorre quando 20 a 30% das papilas gustativas são perdidas na Radioterapia. A capacidade de repopulação retorna por volta dos 4 meses embora alguma deficiência permaneça. Assim como a saliva facilita a percepção dos sabores através dos botões gustativos que se adaptam rapidamente ao sabor de qualquer solução na boca, também a xerostomia contribui para a perda do paladar. A mucosite e xerostomia também podem estar associadas à ocorrência de maior sensibilidade, aos sabores fortes e à sensação térmica. Em decorrência da falta da ação protetora da saliva, os dentes tornam-se sensíveis e as cáries dentárias aparecem. A xerostomia priva os dentes da defesa natural contra a cárie devido a redução da produção diária de eletrólitos e imunoproteinas salivares. As dificuldades de mastigação e deglutição que levam o paciente a modificar sua alimentação, passando a ingerir alimentos pastosos e líquidos ricos em carboidratos fermentáveis e as dificuldades na higienização resultam num processo mais acentuado que o normal de aparecimento das cáries. A presença de doença periodontal ocorre quando há progressiva destruição do periodonto devido aos danos no osso alveolar, tecido conjuntivo e vasos sangüíneos do ligamento periodontal. As reações cutâneas, edema e trismo muscular podem estar presentes. O trismo ocorre quando a musculatura mastigatória é irradiada, prejudicando a mastigação, a higienização oral e a reabilitação protética. Os edemas ocorrem na mucosa oral, lábio inferior, língua, área submentoniana e submandibular e a fibrose e esclerose, na articulação temporomandibular e nos músculos da mastigação. A osteoradionecrose é considerada a seqüela mais grave da Radioterapia, ocorre perda da mucosa de revestimento ou do tecido subcutâneo da boca com exposição do tecido ósseo necrotico, com fistulas bucais e/ou cutâneas, trismos musculares, drenagem de secreção purulenta, algia, desconforto , dificuldades mastigatórias e de abertura da boca. A mandíbula é mais acometida do que a maxila por ser uma estrutura óssea mais compacta e densa e pelo menor aporte sangüíneo. Diretamente relacionados às seqüelas fonoaudiológicas da radioterapia, a literatura salienta o trismo, odinofagia, redução na mobilidade de língua com impacto na deglutição e fonoarticulação, além de atraso, redução ou ausência do disparo da deglutição. Alguns cuidados podem ser propostos aos pacientes com a finalidade de diminuir os efeitos agudos aqui destacados e facilitar o emprego de técnicas terapêuticas de reabilitação da fala, mastigação e deglutição. Dentre eles, destacam-se a limpeza diária da cavidade oral, uso de anti-sépticos tópicos, prescrição médica de antibióticos no caso de infecções, alem de evitar comidas condimentadas, alimentos ácidos, duros, exageradamente gelados ou quentes, bebidas alcoólicas e cigarro. Para o controle da xerostomia sugere-se o aumento da ingesta de líquidos e o uso de produtos artificiais que imitam a saliva (saliva artificial). A atuação fonoaudiológica durante e após a radioterapia auxiliará a minimizar muitos dos efeitos acima descritos, além de otimizar a fala, a mobilidade das estruturas irradiadas, a mastigação e deglutição. Independentemente do local de atuação, clínico ou hospitalar, os fonoaudiólogos que trabalham com Motricidade Orofacial necessitam compreender os efeitos decorrentes desta modalidade de tratamento e atuar em equipe, garantindo o adequado estado nutricional do paciente. O tratamento das doenças malignas envolve uma abordagem multidisciplinar em que médicos, dentistas, nutricionistas, fonoaudiólogos e demais profissionais da saúde devem entrelaçar seus conhecimentos e ações, culminando na minimização dos efeitos orgânicos e psicológicos do paciente e colaborando para seu bem estar físico, mental, afetivo, social e terapêutico.
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Contato: vanpg@bol.com.br |
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